segunda-feira, 9 de março de 2009

O Filho da Mãe (lendo B.C.)

Domingo à noite, no Galeão, esperando o voo que me leva de volta a Brasília e a mais uma semana de ralação, começo a ler, ou melhor, me aproximo reverente do livro, como de uma escrita sagrada, a princípio tímido, depois totalmente preso pela prosa dinâmica e envolvente. Continuo a ler no avião, e leio toda a primeira parte (Trezentas Pontes) do livro, do mais novo livro do Bernardo Carvalho. Não consigo parar, em um cochilo na decolagem (quando normalmente eu desmaio de cansaço ou pânico de voar) os personagens penetram em meu sono e me acordam violentamente.
O livro é O Filho da Mãe, da coleção Amores Expressos. Por contrato, o escritor teve que passar um mês em uma cidade (São Petersburgo); eu imaginava que a cidade havia sido escolha sua, mas em entrevista li que não, ele nunca havia imaginado ou desejado particularmente estar naquela cidade. E, também por contrato, o livro deveria tratar de uma história de amor.
Ao chegar a São Petersburgo, Bernardo Carvalho passou por uma tentativa de assalto, à luz do dia em uma avenida movimentada; depois outras amostras de uma violência às claras; e a partir destas experiências, desenvolveu uma paranóia, que acabou por dar a atmosfera do livro. As experiências do autor na cidade russa estão no seu blog do Amores Expressos, e são bem narradas, interessantes, embora seja um blog curto. (Um detalhe, deixei um comentário no ultimo post do blog e, por alguma idiossincrasia do blogger.com, os comentários posteriores, dirigidos, é claro, ao Bernardo Carvalho, estão vindo também - ou somente - para mim; é uma situação meio de duplo, que tem a ver com uma das temáticas do escritor, ou talvez com algumas situações colocadas pela Patrícia Melo no Jonas, o Copromanta ...)
Em O Filho da Mãe, Bernardo Carvalho utiliza um recurso não utilizado nos seus livros anteriores: o relato é feito por um narrador onisciente, deixa o subjetivo (embora em alguns dos livros anteriores as subjetividades de vários narradores se mesclam, num caleidoscópio de subjetividades). E são muitos personagens, muitas histórias que se entrelaçam, e o tema do amor é visto pela ótica do chamado "maior amor", o amor da Mãe pelo seu Filho; mas são muitos amores de mãe, são muitas mães: a mulher estéril que ao se saber condenada quer salvar o filho de outra mulher; a mulher que resgata pessoalmente seu filho de uma guerra; a mulher que abandona seu filho para voltar a uma vida tradicional; a jovem que usa o dinheiro do aborto para se drogar, a avó que se deixa morrer para tirar seu neto da guerra e da morte... são muitas mães e muitos filhos, e a busca do amor, a luta pela vida em um cenário onde a corrupção das instituições, a fragilidade economica e a arbitrariedade do sistema contribuem para um clima de insegurança, de instabilidade, de ameaças a cada momento, a tal paranóia que o autor sentiu e que trouxe com maestria para seu texto. Esta paranóia contamina o leitor, que fica preso ao clima de thriller, de suspense; de identificação e de medo de uma situação limite, de guerra, mas que está afinal tão próxima de nós. A paranóia que perpassa os livros do Bernardo Carvalho, uns mais outros menos, ao meu ver, neste livro chega ao seu paroxismo.
É como ver as cenas da Índia na primeira metade filme Slumdog Millionaire , do diretor Danny Boyle (vi hoje, gostei): a chacina dos muçulmanos onde a mãe dos personagens é morta; a exploração e mutilação das crianças abandonadas... Ou como ler um jornal brasileiro, qualquer jornal, qualquer dia, e ver o avanço da ilegalidade, da violência, da falta de ética, as milícias... imaginar que hoje, nos centros urbanos do Brasil, estamos protegidos, classe média, mas que é uma proteção muito frágil, e que por um "nada" poderemos, ou nossos filhos, ser vítimas de uma violência e um desrespeito, que já é o dia a dia dos destituídos; e que a paranóia difusa da época da ditadura militar na verdade não se resolveu com a abertura política, pelo contrário, ela se generalizou; os desaparecidos de ontem são as vítimas de bala perdida ou de sequestro-relâmpago de hoje, são as crianças de rua do filme ou os jovens sequestrados pelos grupos militares ou para-militares das diversas facções do livro.
Continuo a leitura amanhã e depois, nestes muitos voos de minha vida de nômade pós-moderno; e continuo meus comentários. Mas a avaliação até o momento é bastante positiva.

Posts sobre minhas releituras dos livros do Bernardo Carvalho:
Teatro
A dança das cadeiras
O Livro de hoje

Alguns links interessantes:
Blog do Bernardo Carvalho em São Petersburgo
Coleção Amores Expressos
Livre de Cacoetes (resenha sobre O Sol se põe em São Paulo)
Medo de Sade
Traição e Horror em Medo de Sade
Bernardo Carvalho e a arte da fuga
Nove Noites
O Sol se põe em São Paulo

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