terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Em Búzios, um balanço


A primeira vez que vi Armação dos Búzios foi do céu, em um monomotor que fazia voos rasantes, stalls, piruetas e arremetes. O céu de um azul puro, sem nuvens, o chamado "céu de brigadeiro"; o mar de um verde profundo, cor de esmeralda; e a vegetação, intocada, parecia a mesma do Descobrimento do Brasil. O jovem piloto era na verdade sobrinho de um Brigadeiro, e alguns anos depois morreria tragicamente em um acidente, pilotando um helicóptero.
Naquele tempo longínquo, Búzios havia acabado de entrar na mídia, com as fotos em preto e branco de uma quase adolescente Brigitte Bardot, estrela do cinema francês, descalça e de biquini em uma praia vazia, rústica, com crianças, cachorros, galinhas e porcos, soltos, impertubáveis entre barcos simples e redes de pesca; nem os porcos nem os pescadores nem as crianças jamais haviam ido a um cinema, assim não sabiam que a loura magra e sensual era o desejo de todos os homens do Planeta Terra, pelo menos os maiores de 13 anos, o que me incluía.
No imaginário brasileiro, entre os que liam o Jornal do Brasil, O Cruzeiro e Manchete e viram as fotos, aquela praia deserta e inacessível se igualou ao Paraíso. Logo soubemos que alguns poucos ricos já tinham lá suas mansões, que mimetizavam a simplicidade das casas de pescadores; e o acesso por terra, a partir de Cabo Frio, era propositadamente difícil.
Meu pai era representante dos aviões Piper no Norte/Nordeste, e naquela semana, nada mais oportuno para uma demonstração de um novo modelo dos aviões do que uma ida a Cabo Frio com direito ao voo sobre a península de Búzios.
Ficou na minha memória, e me acompanha em tantas idas a Búzios anos e anos depois, a imagem do mar cor de esmeralda que se aproximava perigosamente da janela de um avião em queda livre que revertia a queda no último momento graças à manobra certeira do piloto.
De longe, o mar tinha reflexos, ondas, barquinhos dos mesmos pescadores que testemunharam os banhos da estrela francesa; mas de perto, bem de perto, as ondas se imobilizavam, os reflexos vinham não da superfície mas do fundo, de um fundo que queria nos tragar e do qual escapávamos, uma, duas, três, tantas vezes, como uma montanha russa feita de ar e de desejo.
Esta semana, em um Búzios que não é mais o paraíso dos milionários, das estrelas, dos hippies, dos argentinos, e sim um passeio bem classe média, penso na vida, no finalizar e no recomeçar, no ciclo que se encerra e em novas vidas que se abrem à minha frente, no ano que se acaba e no novo ano. Começar, recomeçar. Propor metas para o novo ano, e fazer um balanço do que foi feito e do que se deixou de fazer, das metas propostas para 2009.
Como no avião com o motor desligado que cai em susto para se levantar em novo voo no último ou quase último momento, sentir que o ano que passou e que ao se encerrar nos deixa, todos, mais perto da morte, é um prólogo para novo voo, para o alto; enquanto houver combustível e a perícia do piloto.
Ser o piloto de minha própria vida.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Estranho Cotidiano, Galeria Movimento


"Todo dia ela faz tudo sempre igual".
E se o todo dia, o cotidiano, tiver um ruído embutido, uma estranheza incorporada, um toque de irreverência e subversão, um toque apenas, que não acabe com o sempre igual do dia-a-dia, mas que seja o suficiente para transfigurá-lo, para renová-lo?
Se os objetos do cotidiano se revoltarem? Se um filtro de água, cor de rosa, se enfeitar com pedaços de Linholene cor de rosa, e, usando um I-Pod também cor de rosa (claro), começar a murmurar, a gemer, a cantar? E se as pílulas mágicas da felicidade, os Valium, os Prozac, os Viagra se agigantarem a ponto de não mais poderem ser engolidas e terem de ser carregados como grandes amuletos?
Se a espreita através de um olho mágico mostrar que o hall do elevador é um local onde coisas mágicas acontecem, onde danças solitárias ou diálogos imaginários tem a sua arena? Se as tramas de um tricô se perderem do seu aspecto utilitário - suéter, cachecol, meia, luva - e criarem vida própria, pendentes do teto como preguiças, se jogando ao chão como serpentes?
Mais ainda, se o cotidiano das galerias de arte for subvertido por novas formas de pensar/fazer/veicular arte, onde relações fortemente hierarquizadas, herança do sistema de arte que atingiu seu ápice nas últimas décadas do Século XX, forem substituídas por novas relações, em rede, por novas formas de pensar arte, fazer arte, veicular arte?
Estranho Cotidiano, exposição na Galeria Movimento, lança sua discussão sobre estes pontos e muitos outros. Com curadoria do artista Walton Hoffman, contou com o artista Pedro Varela como co-curador. Segundo Pedro, "o que ocorreu na verdade é que foi um evento que aconteceu mais pela união de artistas que criam redes de trocas de informações do que uma curadoria num sentido clássico (...) a maioria (dos artistas) veio de uma relação mais fluida, são artistas que se comunicam, artistas que trocam informações e experiências, e no final a exposição foi um momento de construção de novas redes, através deste fio condutor que é a reinvenção do cotidiano. O que facilita é o eixo comum, o assunto da exposição. Os artistas escolheram o trabalho que queriam expor, cada um interpretou do seu jeito a ideia de estranho cotidiano". 
Pedro ressalva que, mesmo no caso de artistas que "fazem trabalhos formais, que parecem fugir da ideia de cotidiano", outras questões como o material ou o espaço, "passam a ser questoes que inserem seus trabalhos no contexto da exposição. (...) exemplos de como este "jogo" (talvez seja um nome melhor do que curadoria) funcionou para trazer questoes que talvez não fossem pensadas em uma outra mostra."
Comento com Pedro como é interessante ele usar a palavra "jogo" para falar do trabalho de curadoria de Estranho Cotidiano, já que esta palavra me remete ao trabalho do Walton, com a utilização de peças de jogos, e o próprio trabalho do Pedro também tem muito do lúdico, com a construção de mundos fantásticos a partir da combinação livre e obsessiva de elementos unidos pelo cimento da fantasia.
Para Felipe Scovino, que assina o texto de apresentação da mostra, "os trabalhos reunidos em Estranho Cotidiano têm por primazia a constituição de um resgate do “exercício experimental da liberdade”, no qual a atitude de continuamente subverter limites dados vale mais do que a invenção formal, e em que o processo criativo importa, por vezes, mais do que o resultado": é o jogo de que fala Pedro.
Ainda no texto de apresentação, Felipe enfatiza "a rede de construção simbólica que é traçada entre as obras expostas", e que (...) "os diálogos travados entre os trabalhos constituem-se em uma quebra de hierarquias definidas entre o terreno da produção artística e o âmbito em que se desenrola a vida ordinária".
Este aspecto de rede, de conexão entre artistas e entre trabalhos, é muito característico da arte e da cultura atuais, que utilizam os mesmos conceitos aplicados na Internet, uma rede não-hierárquica, de conexões voluntárias e independentes, de fluxos e caminhos alternativos, que subverte os papeis tradicionais no sistema de cultura -  "o criador", "o fruidor", "o intermediário", "o crítico"... As individualidades se diluem, ou se reforçam criando uma nova forma de individualidade para o Terceiro Milênio, onde o indivíduo é múltiplo com a multiplicidade de papéis que ele assume nas diversas redes.
Ir à frente, prospectar o futuro, pode ser visitar ateliês de artistas jovens a partir de indicações e torcer para no meio dos escolhidos vir uma promessa, um artista que fique. Em Estranho Cotidiano a Galeria Movimento fez mais que isso, que apenas editar uma coletiva. Ao apresentar uma exposição que joga com estes conceitos tão atuais, que foi concebida em rede e que funciona em rede no espaço expositivo, com um diálogo rico em conexões e significados entre as obras, Walton e Pedro acertaram na mosca, apresentando bons trabalhos e bons artistas mas também um conceito sobre os trabalhos apresentados e um modelo de exposição que vai além e aponta verdadeiramente para um futuro; e o resultado me faz esperar com ansiedade pelas próximas.

Artistas que participam de Estranho Cotidiano: Botner/Pedro, Carolina Ponte, Gisela Milman, Glaucia Mayer, Leo Ayres, Louise D.D., Malu Saddi, Marcelo Amorim, Maria Laet, Maria Lynch, Murilo Kammer, Ni da Costa, Nino Cais, Patricia Gouvêa, Pedro Varela, Reginaldo Pereira, Rodrigo Torres, Silvia Jábali, Toz.

As fotos são do Pedro Varela, e o registro do vernissage pode ser visto no site do Odir Almeida, Só Arte Contemporânea, e também no blog da Galeria.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Lendo Rubem Fonseca, O Seminarista


Grande expectativa em torno de O Seminarista: o retorno de Rubem Fonseca ao romance, pois depois do romance Mandrake, a Bíblia e a Bengala, de 2005, o escritor lançou apenas um livro de contos (bom, Ela e Outras Mulheres, 2006) e um de crônicas (fraco, O Romance Morreu, 2007). É também o primeiro livro de Rubem Fonseca em sua nova editora (Agir), após o rompimento de uma parceria de 20 anos com a Companhia da Letras. O lançamento é acompanhado por um volume com uma reedição de um conto do escritor, A Arte de Andar nas Ruas do Rio de Janeiro, ilustrado com fotografias de seu filho, Zeca Fonseca. Enfim, o livro é lançado com ampla cobertura na midia, fica disponível também pelo Kindle, tudo para ser um cult no final de ano.
Ao começar a ler, uma certa sensação de déjà vu. Sei que o romance retoma personagens (um matador de aluguel, o Especialista, e seu contratador, o Despachante) e também situações, de contos antigos, mas a sensação de que "já li isso antes (e melhor escrito)" é grande e me incomoda. Apesar disso, a leitura flui bem, o livro prende, o ritmo se acelera em cenas de um quase-Tarantino, e ao término deixa comigo aquele sabor de "quero ler mais".
E vou aos contos Belinha, Olívia e Xênia, do livro Ela e Outras Mulheres, onde José, o Especialista, aparece, juntamente com o Despachante e as situações que são desenvolvidas no romance.
Nos contos o assassino quer umas férias; no romance, quer se aposentar; e os enredos vem a partir disso: impossível sair simplesmente dessa atividade, pois sabe-se demais; e o caçador vira caça. Mas a releitura dos contos me mostra que estes são muito melhores que o romance, mas compactos, a energia condensada em poucas páginas não se dispersa, as cenas de matança não tem o tom exagerado de um filme de ação e sim a secura, a concisão, de boa literatura. Uma cena que é aproveitada inteira a partir de um conto para o romance, a do freguês-cadeirante, está bem melhor no conto (perdeu muito no cut-and-paste). E a protagonista feminina do romance, a alemã Kirsten, não tem a força de uma Belinha ou uma Xênia.
Outro problema sério no romance são incongruências, impensáveis em um escritor do porte de Rubem Fonseca, e que aparentemente escaparam às revisões, mas que são percebidas por mim, leitor atento e chato:
A partir da página 33, o Especialista começa a contar como matou o Despachante: "Mas, para isso, tive que matar o Despachante, depois explico por que e como". Na página 76-77, finalmente o Especialista conta como matou o Despachante, não sem antes fazê-lo tirar os óculos escuros e ver seus "olhos azuis rutilantes". Mas logo depois, na página 77-78, o Especialista flagra Kirsten com o Despachante, e percebe por que ficara perturbado ao conhecer a alemã (na página 33) e ver seus "olhos azuis rutilantes". Bom, a aparição do Despachante vivo logo após a descrição de sua morte não é problema, a morte pode estar sendo contada em um flash-forward. Mas se o Especialista só viu os olhos azuis do Despachante ao matá-lo, como poderia ter se perturbado ao conhecer Kirsten e ver pela primeira vez seus olhos da mesma cor? se nesta altura ainda não havia morto o Despachante, tanto é que, já vivendo algum tempo com Kirsten é que ele encontra os dois juntos e ambos vivos, claro.
Ainda: A partir da página 90, o Despachante vai para Buzios em uma missão de busca de informações preciosas e potencialmente letais; ele e o Especialista se comunicam por telefone, o Despachante desaparece, o Especialista vai a Buzios e descobre (página 93) que o Despachante havia sido morto: "Um camarada de óculos escuros? Foi liquidado" "Onde está o corpo?" "No Oceano Atlântico". Como o corpo efetivamente não aparece, o leitor imagina que na verdade o Despachante estaria vivo,e retornaria, para então, em outra virada da trama, ser finalmente morto pelo Especialista, como este já narrou; o que não acontece. E o leitor atento fica frustrado, descobrindo que está diante de erros que uma revisão mais cuidadosa não deixaria passar.

Em suma, apesar destes problemas, é um bom livro, vale a pena ser lido, embora perca na comparação com os ótimos contos do escritor (comecei a reler, a partir de Os Prisioneiros, e cada vez gosto mais) e com seus grandes romances como Bufo & Spallanzani, A Grande Arte Agosto.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Wanda Pimentel: "Linhas"


O trabalho de Wanda Pimentel certamente é um ícone da pintura brasileira do final dos anos 1960-70. Com rigor formal e liberdade temática, uma estética que unia o pop ao concretismo, a abstração à figuração, o quotidiano ao metafísico, com temas anos 1970 (crítica ao consumo) e temas precursores das décadas futuras (o papel da mulher), as pinturas da série Envolvimento são inesquecíveis. E incrivelmente atuais.
Acho que a última exposição que vi da artista foi a da série Animais, em 2004, no MAM-Rio, que achei interessante, correta, mas na verdade não me empolgou muito, talvez pela força da lembrança dos trabalhos da série Envolvimento; assim, fiquei muito curioso por ver a exposição Linhas, com trabalhos novos da artista, na Galeria Anita Schwartz. Não só para ver a evolução do trabalho da artista, como também para ver como um trabalho basicamente de pintura, séria, concisa, sem o espetacular, iria ocupar o espaço de catedral do grande salão da Galeria.
Ocupou, e ocupou bem, com pinturas, só pinturas, em paletas nada espetaculares, terras, marrons, negros; em tamanhos sensatos, de 60x60 a nenhuma enormidade; sem virtuosismos de montagem. A pintura em si, enfileirada, na altura do olhar do espectador; ao centro, uma instalação com sequencias de caixas contendo serpentes, dialoga com as Linhas das pinturas, mais que isso, mostra que as linhas são vivas, podem ser traçadas com rigor ou livres, serpenteando, aprisionadas em caixas com outras linhas, espelhos, e estão vivas, mesmo dormindo, as linhas são como serpentes encantadas que pulsam da superfície das pinturas. Nas pinturas da artista, nada é apenas o que nos parece; as superfícies chapadas em marrom ou negro são vibrantes, as linhas retas oscilam, o rigor é calculado e intuitivo, as escadas saem do plano e levam além dele, a um além transcendental ou são simplesmente escadas de pedreiro, usadas por alguma equipe de limpeza para alcançar um teto que está muito acima das pinturas mas que na verdade está dentro delas.
Ainda, em uma instalação, o giz desenha as linhas e as escadas nas paredes de uma pequena sala da Galeria; como um esboço para as pinturas, como um ambiente que será magicamente compactado nos quadrados de 60x60cm, como um exercício, um aquecimento, uma preparação da artista para as pinturas e também do espectador para as pinturas que, enfileiradas na sala monumental, não se diminuem, não se apequenam, pelo contrário: elas dominam a sala monumental e a transformam em um suporte neutro para elas, para ela: a pintura, vitoriosa.
Ainda, na Galeria, uma mostra do acervo, com obras ineditas de Arthur Omar, Vergara, Ivens Machado, Nuno Ramos e Rodrigo Andrade. Bons trabalhos, todos eles, mas impossível deixar de destacar os totens do Ivens, ao ar livre, com sua imponência e precariedade de material de construção, cimento e vergalhões, uma metáfora do ser humano e do construir/destruir que é a vida.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Ruído, Luiz Zerbini na Laura Alvim


Molduras de slides, vazias; palavras manuscritas nas bordas dão indicações de local/data/assunto dos slides que já não mais estão lá; em algumas, os slides desaparecidos (as memórias desaparecidas) são substituídos por gelatina colorida; as molduras dos slides formam uma trama, e são colocadas em molduras/caixas de acrílico; a luz entra pelos vazados ou pela gelatina, e forma uma trama de sombra.
Um vídeo mostra paisagens, árvores, céus e nuvens, refletidas em água - lagos, rios, açudes? pois, sabemos pelo título, é o Sertão; o recurso da reflexão e a lentidão na filmagem tornam este um sertão lírico; até que irrompem na tela, muito rápido, quadrados de cores fortes e aleatórias, é o defeito no vídeo, um ruído digital como eram os riscos nos velhos filmes analógicos em Super8.
Pinturas mostram centenas de quadradinhos, ou de círculos enfileirados, quase monocromáticos; como se pudessem formar uma imagem, como se fossem pedaços decompostos de uma imagem também inexistente ou desaparecida; e sobre uma superfície brilhante, perfeitamente lisa, metálica, os quadradinhos coloridos que são o ruído em uma imagem digital e agora são o ruído em uma pintura, a pintura se torna digital, ou os quadradinhos-ruído se transformam em pura cor.
Uma sala com três paredes pintadas de um preto brilhante; uma cadeira ao centro; o espectador senta-se na cadeira e se vê, refletido, na parede preto brilhante, como ele-mesmo um ruído. Um auto-retrato noturno e mórbido, lembra-te homem que és um ruído e ao ruído retornarás.
Luiz Zerbini na Galeria Laura Alvim, Ruído, a curadoria é da Lígia Canongia e o texto do catálogo do Luiz Camillo Osório. Uma boa exposição.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Gérard Fromanger no MAM-Rio


Chega ao Rio, no MAM, a boa exposição "A Imaginação no Poder", do artista francês Gérard Fromanger, que vi em Brasília (no CCBB) e sobre a qual comentei em meu blog.


Clique aqui para ler o comentário sobre a exposição

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Sábado no Rio: Laura Marsiaj e Largo das Artes

O final de semana no Rio começou muitíssimo bem, com uma reunião em petit-comité, na 6a.feira à noite, para comemorar aniversário de amigos, em uma casa maravilhosa, no Alto Jardim Botânico, com vista para o que a paisagem do Rio tem de melhor: Corcovado, acima; e abaixo, Lagoa e Praia de Ipanema. A casa está saindo de uma reforma que a deixou clean porém acolhedora, e é matéria de reportagem em uma publicação sobre decoração. Ah sim, e a conversa maravilhosa, desnecessário dizer, versou sobre arte, arte contemporânea; e sobre as pavorosas esculturas e murais que o poder público continua nos impingindo no Rio (last but not least, os "murais ruprestes" da estação de Ipanema do Metrô).

No sábado visitei as exposições do Elder Rocha e do Leonardo Videla, inauguradas esta semana na Galeria Laura Marsiaj, e à noite fui à abertura da exposição coletiva, no Largo das Artes, com curadoria de Suzana Queiroga.


Leonardo Videla: interfaces. O artista dá continuidade a sua pesquisa de elementos da arquitetura, desta vez as plantas baixas que se transformaram em caixas de papelão (as Sugestões Habitacionais) dão origem a esculturas/objetos/pinturas de parede, em metal, onde as dobraduras das caixas e os traços das plantas são  elementos em campos de cor; a pintura mais neutra, chapada, que aparecia nos trabalhos de dobraduras e plantas, dá lugar a uma pintura pela pintura, painterly, que já aparecia nos trabalhos do artista na série das Janelas. Há também uma escultura de chão, e fotografias também muito bonitas, com as dobraduras e plantas baixas. E, no acervo da Galeria, duas telas grandes, onde a pintura se faz ainda mais presente, livre e autônoma, no diálogo com os elementos arquitetônicos. Diz Leonardo: "Moramos em caixas, e meu trabalho faz uma critica direta aos resultados arquitetônicos atuais, diria que hoje vivemos dentro do conceito de Embalagens Habitacionais".
Em outras ocasiões comentei aqui no blog sobre o trabalho do artista: sobre a série Janelas, sobre a série das Churrasqueiras e também comentários sobre o Projeto Acervo, uma boa realização do Leo!


Elder Rocha: mar de bar. Elder é um artista de Brasília (comentei aqui no blog sua exposição Justaposição Polar no CCBB-BSB), professor da UnB, e apresenta telas, desenhos e uma instalação, Mar de Bar. Sobrepondo imagens e símbolos retirados de publicações, ampliados, acrescidos de elementos gráficos e de pintura, as imagens se multiplicam e envolvem o espectador em um jogo ao mesmo tempo cerebral e sensitivo. Do "bar", os copos se equilibram precariamente, e a tinta a óleo excita e desafia este equilíbrio, com faixas que trazem efeitos óticos ou manchas espessas que quase se sente no tato, não só ao olhar. Na instalação, o líquido que flui de um para outro copo, congelado no desenho a guache na parede, é um mar onde flutuam pequenas telas redondas com as imagens. Como o mar de Justaposição Polar, a instalação é estática e é dinâmica, é desenho e é pintura e é instalação, e o bar é na verdade um laboratório de sensações e de desafios à percepção.


[SÓ VOCE E OS OUTROS PASSAM], a coletiva no Largo das Artes, apresenta trabalhos de Alexandre Faccin, Amanda Bolsas, Claudia Ferraz, Danielle Carcav, Fernanda Braz, Guilherme Portela, Jimson Vilela, Leandro Pereira, Manuela Bezamat, Rafaela Saraiva, Raul Leal e Saulo Marzocchi,  jovens artistas têm em comum o interesse expressivo pela pintura e o trânsito por outros meios como desenho, fotografia e vídeo, e participam do núcleo de desenvolvimento da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde são orientados por Suzana Queiroga, que faz a curadoria da mostra. Já acompanho o trabalho de alguns destes artistas, e neles vejo um bom crescimento; outros, que não conhecia, vieram para mim como uma boa surpresa; e a exposição acerta, ocupando de maneira bem integrada o amplo, magnífico, espaço da galeria; os trabalhos funcionam individualmente e o conjunto é bem maior que a soma das partes.