terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

As janelas de Leonardo Videla


Após escrever sobre a exposição do artista cubano Garaicoa, que tem a arquitetura como tema e referência, imediatamente me lembrei de outro artista que utiliza a arquitetura como referência, de uma forma bem diversa da utilizada pelo cubano, e com resultados muito bons, o artista carioca Leonardo Videla.
Leonardo utiliza como tema para seu trabalho: plantas-baixas, arquitetônicas, de apartamentos padrão, simbolos de uma especulaçao imobiliaria que vem destruindo o Rio e outras cidades do Brasil em escalada crescente desde os anos 1970. O resultado: bonitas pinturas, com uma "pictoriedade" que me muito agrada; outras telas com acabamento neutro, campos de cor homogênea, uma pintura lisa conseguida com tinta automotiva ou color-jet, com as linhas das plantas-baixas bem marcadas; algumas vezes as telas se agregam em polípticos, onde o destaque é o contraste no enfileiramento das cores fortes. Uma evolução destas pinturas é a série Acrilico sobre Tela, onde a pintura é substutuida por placas de acrílico, montadas sobre um chassis como se fossem telas, e as plantas-baixas são vazadas no acrilico com um corte preciso e industrial a laser. Segundo o artista, estas obras provocam um conceito em pintura que ele chama de "pós-vida da pintura".

Em outras séries, as plantas-baixas se transformam em dobraduras, e a pintura invade o espaço: a planta-baixa - na verdade uma representação gráfica do "chão" dos espaços - vai para a parede ao se tornar pintura, salta da tela ao se tornar um objeto-pintura, e na dobradura invade o espaço tridimensional, de uma "pintura de canto" a um objeto com dobraduras em MDF como os expostos na Galeria Sérgio Porto. Um pouco como se o chão representado pela planta-baixa, subvertendo seu papel de base para a construção, resolvesse ele mesmo se dobrar e ser chão, paredes, teto, caixas de morar, úteros frios de uma arquitetura árida e desumana.

Mas para mim a série mais interessante do Leonardo é a das Janelas. O artista partiu das grades de serralheria que, devido à escalada de insegurança, cada vez mais e mais são utilizadas para proteger as janelas de residências urbanas, e que tentam disfarçar a função de "separar" se utilizando de padrões geométricos repetidos, na maioria das vezes com distante inspiração floral. Sobre suportes de aço inox ("...que tem essa superficie espelhada difusa, não tem a nitidez de um espelho..."), Leonardo cola adesivos com o padrão repetitivo característico destas grades e trabalha com pistola e tinta automotiva: "...inicialmente: primer (branco), que é a tinta que torna uma superficie metálica preparada para receber tinta automotiva, daí usei tinta automotiva branca, tem diferença de branco de uma tinta (primer) pra outra (automotiva), nesse caso, acetinada branca; até ai nada de pincel; misturo numa lata - tinta com mais e em outra lata menos solvente - e jogo no suporte, manipulando a superficie com concentrações mais aqui mais ali, criando pequenas espessuras (velaturas). Só algum tempo depois, via observação, entro com pincel nas pequenas figuras geometricas, com tinta oleo de tubo, é o toque final. E retiro as proteções (adesivos) que deixaram o desenho na superficie original do aço inox."
O resultado é misterioso e inegavelmente muito bonito: as Janelas refletem o ambiente onde estão colocadas, mas a referencia de janelas da pintura renascentista é invertida, pois ao se olhar para os quadros, o olhar fica na superfície brilhante do padrão da grade, que reflete o ambiente e o espectador, e o "além da superfície" é uma pintura fosca, painterly e não representacional; que discute com o reflexo distorcido do entorno, que também perde a característica de puro reflexo em espelho. Fundo e figura trocam de lugar continuamente, o olho passeia pelas obras, a repetição da forma da grade impõe um ritmo ao olhar, que é quebrado pela liberdade da pintura abstrata. Ricas, plenas, são estas pinturas do artista.

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