quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Rubens Gerchman


No início dos anos 1980, tive o privilégio de ter como professor o grande pintor Rubens Gerchaman. No MAM, ainda sofrido com a difícil reconstrução após o incêndio. O tema do curso era "pintura em grandes dimensões". Os encontros eram no salão com lambris de madeira onde hoje funciona o restaurante Laguiole. Na turma, o Marcus André, que eu já conhecia do Parque Lage e que se firmou no meio das artes brasileiras com seu forte trabalho com pintura.
Os encontros eram muito interessantes, desafiadores; para mim, que vinha de um trabalho cerebral, conceitual, de um desenho meticuloso em pequenos formatos, tuda era uma verdadeira revelação. Em uma época onde ainda não tinha entrado em moda o culto ao corpo, ao dançar, onde ainda havia na arte brasileira uma separação entre a "arte séria" e a "diversão", a abertura das aulas era um trabalho de soltura do corpo, com um pouco de automassagem, de expressão corporal, de dança livre, como uma preparação para o gesto largo que íamos exercitar no restante da aula.
Em algumas aulas o modelo vivo (uma linda mulher, morena, cabelos longos e um corpo mignon e fantástico) não ficava extática, como os modelos vivos em poses rígidas das aulas tradicionais; ela dançava, movimentava seu corpo em uma marcha como que de danças orientais, e a turma desenhava traços largos, soltos e rápidos, para tentar capturar o movimento da modelo.
Usávamos marcadores (os pilot, na época chamados de "pincel-atômico") presos na ponta de bastões de bambu, para levar o traço à extensão máxima. Pintávamos sobre enormes bobinas de papel kraft, e nossos traços se misturavam uns aos dos outros. Acompanhando os trabalhos práticos, havia discussões sobre arte, sobre o que estava se fazendo na arte mundial, sobre as muitas viagens do Rubens e o que ele tinha visto e aprendido, na Europa, NYC ou no Oriente.
Foi uma experiência muito enriquecedora. Algumas coisas só vim a entender algum tempo depois, e muitas coisas aprendidas só fui utilizar efetivamente após retomar meu trabalho depois de vários anos de silêncio, mas muita coisa ainda está aqui comigo e certamente ainda me alimentará por um bom tempo.
Depois, continuei a manter o contato com o Rubens e com seu trabalho, que tem um espaço garantido na história da arte brasileira.
Hoje faz 1 ano que, em 29/01/2008, Rubens Gerchman nos deixou, após uma luta contra uma doença fatal. Mesmo doente, não esmoreceu, continuou a trabalhar e a manter o espírito inquiteto e inovador. A exposição póstuma na Galeria Pinakhoteke, com os trabalhos feitos na Índia, é uma prova disso. E é lindo ver os trabalhos sobre o Kama Sutra, um grito do artista de que o eros pode vencer o thanatos. Estes trabalhos, com os corpos entrelaçados das frisas indianas, me remetem diretamente àquelas manhãs no MAM, ao movimento da modelo registrado pelos alunos nas bobinas de papel kraft, as diversas visões do corpo feminino se sucedendo, como os corpos indianos das frisas que o Rubens usou e transfigurou em seus últimos trabalhos.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Notícia sobre a Praça da Soberania

No Globo de hoje, uma notícia positiva sobre o "puxadinho" que Niemeyer projetou e o Arruda quer construir, desfigurando o gramado e a visão da Esplanada dos Ministérios: MP investiga novo projeto de Niemeyer em Brasília. Segundo a notícia, além do inquírito aberto pelo Ministério Público Federal para investigar o projeto, há declarações do IPHAN, segundo o qual o projeto deveria ser embargado, por contrariar o tombamento da cidade, concorrendo também com outras obras do mesmo arquiteto. A família do Lucio Costa também se manifestou. Em carta ao Niemeyer, a filha do urbanista, Maria Elisa Costa, que também é urbanista, declara que a praça projetada interfere no projeto feito pelo seu pai, sugerindo que essa seja deslocada para outro ponto da cidade. O arquiteto disse que aguarda uma decisão definitiva para se manifestar.
Eu espero que o bom-senso prevaleça.

ver também:
Um "puxadinho" do Niemeyer
Ainda sobre o "puxadinho"

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Vik Muniz, no MAM


No MAM-Rio, visitei a retrospectiva de Vik Muniz, uma exposição que faz um apanhado da obra do artista, de uma forma leve, agradável, bem montada e bem didática, com um bom catálogo. É uma exposição que se vê com interesse e da qual se sai (eu saí) com a sensação de querer ver mais, de "podia ser maior e ocupar o MAM inteiro..." E o publico corresponde, apesar da entrada cara do MAM: grande número de pessoas, muitos pais com crianças, fazendo fila na porta do Museu no horário da abertura, em plena tarde de 3a.feira. A midia está divulgando bem, e isso contribui para o sucesso da mostra, claro, mas a força, a pertinência, o lúdico, o irônico e os questionamentos do trabalho do Vik Muniz são os fatores mais fortes a atrair o público. Muniz trabalha (brinca) com a percepção, a representação na arte e a história das artes; de uma maneira totalmente pós-moderna, contemporânea; obtendo resultados com técnica precisa e estética impecável.

Uma curiosidade minha em relação as últimos trabalhos do artista, que vi em setembro no Chelsea NYC (Galeria Sikkema Jenkins), e sobre os quais não vi referência em outro lugar, nem nesta retrospectiva (para ser completa, a retrospectiva deveria fazer pelo menos uma referência a este novo trabalho). Na verdade, como não vejo ninguém falar destes novos trabalhos do Vik, se eu não tivesse uma prova material (o catálogo da exposição de NYC), poderia ter dúvidas se sonhei... A exposição se chama Verso, e nela não estão fotografias e sim objetos (esculturas? retorno do artista ao seu início de escultor?), que reproduzem "hiperrealisticamente" o verso de obras-primas da arte que se encontram em museus, com o avesso da tela, o chassis, as molduras, as etiquetas de exposições, números de tombamento, parafusos, grampos, reforços... encostados nas paredes, tudo no tamanho real, sinais de poeira e de envelhecido, como devem estar, ocultos do público, os versos dos quadros nas reservas técnicas, como em uma pausa para uma viagem entre uma e outra exposição. Picasso, Hopper, Van Gogh... Les Demoiselles d'Avignon, Nighthawks, Starry Night... Também expostas, recriações (objetos) do verso de famosas fotografias nos arquivos do New York Times e do MoMA.
Embora não utilize fotografia como suporte para os trabalhos dessa exposição, Vik apresenta grande coerencia com seu trabalho mais conhecido, com fotografia: o mesmo espírito irônico, o mesmo questionamento da percepção, da representação, o mesmo mergulhar na história da arte, de uma certa forma a mesma pesquisa sobre a memória e o esquecimento que já aparece nas celébres fotografias (expostas no MAM) onde o artista, nos momentos iniciais de sua carreira, fotografa desenhos feitos de memória sobre fotos originais da Revista Life que estão impressas no imaginário ocidental do século XX.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Estudos: vanitas de Philippe de Champaigne (2)






Os estudos. Aqui, outras 5 telas, da sequencia dos estudos que estou fazendo sobre a vanitas do pintor Philippe de Champaigne. A ampulheta é um problema sério, eu acho, por ser totalmente anacrônica, em algumas pinturas eu a transformei na ampulheta do Windows, em uma versão brinquei com este movimento da ampulheta do Windows girando girando, uma coisa meio Máquina de Café do Duchamp. Trabalho com a tinta, pintura, carvão, desenho, a versatilidade da tinta acrílica, do espesso à aquarela, jogo com monotipias, com novas formas descobertas emocional e não racionalmente. Enfim.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Ouvindo Morrissey

O novo álbum do Morrissey, Years of Refusal. Ele pode estar gordo, em 22 de maio deste ano será um cinquentão, e os arranjos deste álbum, ao meu ver, abusam da grandiloquencia, um tanto big band, longe do cool dos Smiths e dos primeiros solos. Mas a voz continua rascante, irônica, e as letras são a mais pura morbidez na qual ele sempre caminhou perigosamente: Something is Skeezing my Skull (é uma vanitas cantada), Mama Laid Softly On the Riverbed, One Day Goodbye Will be Farewell... Gosto.

Mais Morrissey, em uma imagem do meu Natal de 2008

Estudos: vanitas de Philippe de Champaigne (1)






Agora em janeiro de 2009 comecei a trabalhar em uma série de pinturas (50x60cm), estudos a partir da “Natureza Morta com um Crânio” do Philippe de Champaigne. Estou achando muito interessante esta prática, de fazer estudos a partir de uma pintura (melhor ainda, de um clássico), com isso acho que se consegue “fixar” alguns dos problemas da pintura, para se focar na solução de outros, daí o termo “estudar” que é bem aplicado. Pintar sempre é um desafio, mas no caso de “estudos” a questão dos desafios, do aprender com a superação de problemas, fica mais evidente. Nestes meus estudos com esta vanitas do Philippe de Champaigne, as questões de tema, da composição já estão resolvidas (claro que brinco com elas também, mas a partir dos temas e composição da pintura original); e posso me concentrar em outros problemas que mais me interessam no momento: a cor, o contraste entre tinta e traço, os acidentes na pintura, texturas de tinta, o gestual, os limites entre desenho e pintura, enfim, questões pictóricas. Estas são as cinco primeiras telas da série.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Philippe de Champaigne


Pintor nascido em Bruxelas (26/05/1602), em plena era do Barroco, foi aluno do pintor de paisagens Jacques Fouquières. Em 1612, já residindo em Paris, trabalhou com Nicolas Poussin na decoração do Palácio de Luxemburgo, sob a direção de Nicolas Duchesne, com cuja filha casou-se.
Após a morte de seu sogro e protetor, Champaigne trabalhou para a Rainha Mãe Maria de Médicis e para o Cardeal Richelieu, tendo sido um membro fundador da Academia Real de Pintura, em 1648.
Produziu grande número de pinturas, principalmente trabalhos religiosos e retratos. Foi influenciado por Rubens no início de sua carreira, seu estilo se tornando posteriormente mais austero, inclusive com influência do pensamento Jansenista. Morreu em Paris em 12/08/1674.
É do pintor esta vanitas de 1671, “Natureza Morta com um Crânio”. Tudo me encanta nesta pintura: A simplicidade da composição (os objetos, sobre uma mesa, encaram frontalmente o espectador; a mesa avança na direção deste, com os cantos fora do enquadramento, como se o espectador estivesse sentado à mesa, encarando-os; o fundo é sombra). A sobriedade do tratamento pictórico. O simbolismo dos objetos (o crânio, ao centro; nas extremidades, a flor que brota e a ampulheta que marca o tempo que se vai). A referência não só à história da pintura, mas à história do pensamento humano, a uma época onde uma visão religiosa do mundo imperava e moldava o pensamento. Tudo isso, gosto de ver, em uma pintura pequena porém prenhe de significados.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Ainda sobre o "puxadinho"

Muitos pensam que a importância de Brasília, que fez dela Patrimônio Histórico da Humanidade, vem da beleza (estética) das construções de Niemeyer, e que seria então apenas "uma questão de gostar ou não" das linhas do arquiteto. Na verdade, a importância maior de Brasília é ela ser o único exemplar de uma cidade inteira projetada e construída segundo a ideologia do modernismo. Urbanisticamente ela é, habitada, funcionando, exatmente tudo o que preconizaram Le Corbusier e demais pensadores daquele movimento que modificou a concepção do homem e sua relação com a cidade, com a técnica, com a natureza, e que hoje é visto como um pensamento "de época". Claro que a utilização da linha curva pelo Niemeyer foi um passo além, em termos de arquitetura, mas urbanisticamente a importância de Brasília está em como os escritos de Lucio Costa no Memorial do Plano Piloto de Brasília refletem o pensamento modernista, e em como este pensamento modernista virou concreto, uma cidade inteira viva, não simplesmente experiências limitadas (e posteriormente modificadas) como as construções do modernismo europeu. E a síntese deste pensamento está nas quatro escalas que Lucio Costa propõe para Brasília e que presidiram a própria concepção da cidade: a Monumental; a Residencial; a Gregária; e a Bucólica:
Escala Monumental – é aquela que contribui para a formação do sentido de Capital, onde a monumentabilidade confere aos edifícios seu valor simbólico. Constituída pelo Eixo Monumental, desde a Praça dos Três Poderes até a Praça do Buriti, incluindo as principais edificações que estão neste trajeto.
Escala Gregária – é aquela para onde convergem os fluxos no encontro dos eixos Rodoviário e Monumental. É o centro urbano onde se previu edifícios maiores e mais altos e o espaço urbano é disposto de forma a permitir um fluxo de circulação mais intensa. É a escala do encontro.
Escala Residencial – é aquela que define a relação entre os edifícios residências, onde se encontra uma proposta inovadora de Lucio Costa – as Superquadras. Neste caso, a relação entre os espaços edificados e os abertos é outra, respeitando as características do convívio cotidiano, por isso, a altura fixada para as edificações é de seis pavimentos (permitindo, nas palavras do urbanista, que a mãe, de sua janela, mesmo que no último andar do edifício, conseguisse ver e chamar seu filho que brinca no parque), além de uma extensa área verde de 20 metros emoldurando cada Superquadra.
Escala Bucólica - se constitui dos gramados, passeios, bosques e jardins da cidade que permeiam e envolvem as Superquadras, as Entrequadras, os diversos setores e os conjuntos de casa e comércios locais, e a cidade inteira, imprimindo a Brasília a qualidade de cidade-parque que ela é. Está por todo lugar, protegendo as áreas construídas umas das outras.
E, em 1987, ao redigir o documento “Brasília Revisitada”, Lucio Costa ratifica, como urbanista da cidade, o respeito as quatro escalas que presidiram a própria concepção desta, através da manutenção dos gabaritos e taxas de ocupação que as definem.
Ao meu ver, com a proposta da Praça da Soberania, com o gigantesco obelisco e o prédio que encobrirá a visão da Rodoviária para a Praça dos Três Poderes, Oscar Niemeyer está danificando o equilíbrio entre as escalas, "expandindo" a escala gregária (o "centro" de Brasília, traçado por Lúcio Costa na junção dos Eixos) para a escala monumental; e ao mesmo tempo enfatizando esta última, minimizando a outra. Mais que isso, com o apoio dos políticos e da mídia, faz-se uma redução do papel de Lucio Costa, este o urbanista, para inflar desproporcionalmente o papel de arquiteto do Niemeyer.
Que Niemeyer é um arquiteto genial, isto é indiscutível; porém Brasília não é um amontoado de prédios projetados por ele (um "Caminho Niemeyer", como o de Niterói, só que em ponto maior) e sim uma concepção urbanística e o testemunho de um mundo que "pensou-se moderno".

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Um "puxadinho" do Niemeyer


A polêmica está no ar (seco, apesar das chuvas de janeiro no Planalto), e da discussão depende o futuro da perpectiva monumental idealizada por Lucio Costa e Oscar Niemeyer para a Esplanada dos Ministérios, em Brasília (na imagem deste post, em uma visão do pintor Glauco Rodrigues). Um dos cartões postais mais bonitos da Capital, a visão de quem está na Rodoviária para o lado Leste sofre a maior ameaça já sofrida nestes 48 anos de Brasília. A visão que, na concepção original de Lucio Costa, teria o homem simples, ao olhar, da Rodoviária (para ele o verdadeiro "centro" do povo) para a direção do nascente: o gramado central do Eixo Monumental; a Catedral à esquerda; os Ministérios enfileirados; ao fundo o Congresso, com as cúpulas em simetria horizontal e as torres gêmeas do anexo, pensadas para serem a elevação máxima da Esplanada (como a dizer que, mesmo com a hegemonia dos Poderes corporificada no triângulo equilátero da Praça, no fundo todo o poder emana do Povo). Lucio Costa fala desta visão: "Eu queria que a Praça dos Três Poderes fosse um Versalhes, não um Versalhes do rei, mas um Versalhes do povo, tratado com muito apuro."Uma ameaça veio durante a ditadura, a construção do mastro da Bandeira Nacional, projetado pelo Sérgio Bernardes, bancada pelos militares e que teve a oposição dos criadores de Brasília e dos intelectuais (principalmente cariocas), por perturbar esta perspectiva tão perfeita. Outra ameaça veio com a explosão populacional dos condomínios do Lago Sul, que "mancham" o verde que era o pano de fundo para a perspectiva; e tornando obsoletas as palavras de Lúcio Costa sobre a visão monumental para a Praça dos Três Poderes: "Meu objetivo era acentuar o contraste da parte civilizada, de comando do país, com a natureza agreste do cerrado."
Sintomaticamente, as ameaças seguintes não vieram mais dos militares ou do populismo, e sim do próprio criador: Oscar Niemeyer.
A ocupação dos grandes espaços contíguos à Rodoviária era pequena, deixando grandes espaços a serem ocupados no decorrer do tempo, apenas dois projetos do Niemeyer: no terreno do lado Norte, o Teatro (lindo, com a laterais com os relevos do Athos Bulcão que foram retirados para uma restauração que já demora tanto tempo); e no lado Sul, o antigo prédio do Touring (sempre achei inexplicável a ocupação de área tão nobre por uma instituição privada, a menos pelo fato que o falido Touring sempre foi reduto de militares reformados).
Quando cheguei em Brasília, há quase três anos, vi o final da construção do projeto do Niemeyer para o espaço entre o Touring e a Catedral, o Complexo Cultural da República, com a Biblioteca e o Museu. Apesar da beleza das construções, alguns problemas me chamaram a atenção. O primeiro é a inadequação da forma dos novos prédios em relação aos já tradicionais da Esplanada (Catedral, Ministérios, Congresso): a forma de cúpula do Museu repete a cúpula do Senado, no complexo do Congresso Nacional, esvaziando portanto o seu impacto e criando um "eco" totalmente assimétrico que desequilibra a monumentalidade da Esplanada; e de quebra reduz a imponência da própria Catedral, meio que a esmagando. Ao meu ver este segundo problema poderia ser resolvido com outra distribuição dos prédios no terreno (por exemplo, colocando o Museu contíguo ao Touring e a Biblioteca mais perto da Catedral e em posição paralela, não perpendicular, ao Eixo); mas a solução do primeiro problema teria que passar por uma mudança na própria solução de cúpula. Outros problemas, aí mais de funcionalidade (bom, mas o Niemeyer NUNCA é funcional): por que tão pouco estacionamento, por que não fazer logo um estacionamento subterrâneo, com entrada pela S2 (já em nível mais baixo)? por que não ter um jardim, uma graminha, e só aquele inóspito chão de concreto com uns pífios laguinhos? sem contar com a inadequação total do interior do belo Museu para exposições de arte.
As ameaças seguintes ficaram em projeto apenas, a construção de um monumento à paz em pleno gramado, e um local para shows, no terreno contíguo ao Teatro, que foi vetado pelo IPHAN por superar o gabarito permitido (neste projeto aparecem duas outras cúpulas, menores, talvez seja a solução do arquiteto para ecoar a forma de cúpula na Esplanada).

Agora aparece, já como um plano do Governo do DF para os 50 anos de Brasília, em 2010, o que ao meu ver é a a pá de cal na perspectiva monumental: a construção, no terreno central (entre os Eixos N1 e S1), exatamente onde, na pintura do Glauco Rodrigues é a testa do índio (só que muito maior), de uma Praça da Soberania, com "memorial dos presidentes", um prédio semi-circular com três andares, e um obelisco em forma de chifre, de 100m (equivalente à altura do mastro da Bandeira e do prédio do Congresso, na Praça dos Três Poderes, na verdade mais alto que eles, já que o terreno do obelisco esta em uma cota acima do terreno das outras edificações), o que eu vejo como um "puxadinho", mesmo projetado pelo genial arquiteto Niemeyer. Ah, e a nova praça será totalmente de concreto, sem verde; e no subsolo será construído um estacionamento para 3000 automóveis (que acho que deveria ter sido projetado no subsolo do Complexo Cultural).

Um artigo da Prof. Sylvia Ficher (arquiteta, doutora em história e professora da Universidade de Brasília), com o título Oscar Niemeyer e Brasília: criador versus criatura, publicado na revista de Arquitetura e Urbanismo MDC, analisa bem a questão, lançando a tese de que "coitada de Brasília. Niemeyer não gosta mais dela". Acho bem pertinentes os argumentos da Prof. Sylvia, e tenho visto na internet comentários em apoio ao artigo, um deles o publicado por Elio Gaspari em sua coluna de 18/01 em diversos jornais de circulação nacional. Espero que o debate sirva para repensar algumas coisas e que se preserve as intenções originais da cencepção do genial Lucio Costa.

artigo da Prof. Sylvia Ficher

artigo do jornalista Elio Gaspari

sábado, 17 de janeiro de 2009

Arte para Crianças, no CCBB/BSB


Uma das coisas boas desta minha vida de nômade pós-moderno é poder ver (nem sempre, às vezes perco por problemas em agenda) as coisas boas em arte que às vezes ficam restritas a um dos polos apenas (Rio, Brasília, São Paulo). Ou ver duas ou mesmo três versões da mesma exposição, com diferenças de acordo com a cidade (a "fumaça" do Anish Kapoor - Ascension - no CCBB do Rio era solene, icônica, intimidadora; no CCBB de Brasília era lúdica, interativa, user-friendly).
Esta exposição, Arte para Crianças, por exemplo, é específica para o CCBB de Brasília, com seus espaços amplos. O curador é o Evandro Salles, que conheci no início dos anos 1980 (participamos juntos, com muitos outros artistas, de um ciclo de exposições no Parque Lage, dirigido então pelo saudoso Rubem Breitman, outro dia falo destas exposições).
E a exposição tem muitos acertos. É arte para crianças, mas não é absolutamente "baixar o nível" para que as crianças entendam; pelo contrário. É uma ousadia mostrar Lawrence Weiner para as crianças (sem intermediação dos pais, que certamente não entendem nem um pouco do conceitual brabo de L.W.). É uma ousadia colocar centenas de xilogravuras do Rubem Grilo, emolduradas uma a uma, entre elas um pequeno video disfarçado de quadro, em uma "casinha de boneca", com bancos de vaqueiro em couro trançado onde as crianças se sentam e imaginam histórias a partir dos elementos fantásticos das gravuras... É uma ousadia apresentar o suprematismo de El Lissitzky em um desenho animado... E tudo em espaços bem organizados, com textos explicativos, áreas de repouso...

Mas a maior das ousadias, certamente, é o grande salão dedicado ao Amílcar de Castro. O aspecto lúdico, para as crianças, é trabalhar em dobraduras; o que fazem com prazer em grandes mesas. Mas para os adultos (para mim), é absolutamente espantoso ver 140 esculturas do Amílcar (pequenas, 30cm, além de uma escultura grande) em estantes, em uma sequencia infinita. Meu Deus, eu tive que ir a uma exposição "para crianças" para ver esta maravilha? Para poder ver uma legião de esculturas como nunca vi antes, lado a lado, para ver as repetições, as variações, as dobraduras, o ferro tratado como um papel, o movimento suspenso, o equilíbrio precário, todos juntos, 140, o ad nauseam! Que colecionador é esse, que tem 140 esculturas pequenas do A.C.? Que inveja, que deslumbramento!

Ainda: um ambiente lúdico, uterino, maravilhoso, do Ernesto Neto. O cubo de vidro do CCBB foi totalmente ocupado pelo ambiente do Ernesto e por mesas e cadeiras orgânicas do artista, que vi em exposição na Galeria Artur Fidalgo, onde as crianças (e os adultos) fazem trabalhos de dobraduras e encaixes, tendo como molde esculturas "duras" do Ernesto Neto; mas o ponto alto realmente é a vivência do ambiente. As crianças deliram, os adultos viram crianças.

As pinturas do Sued transformadas em varais coloridos com panos manipuláveis pelos espectadores, ao ar livre, em pleno sol da tarde; para as crianças, são casas de cor. Ainda, uma instalação do Emanuel Nassar, que é como se uma pintura do artista se expandisse para abarcar um módulo do prédio; com direito a um mistério (a letra "E" está bem visível no "lado Este" da pintura/instalação; mas onde está o "N"? pergunto à monitora e a resposta é: enterrado, em um canteiro do jardim, no "lado Oeste"...).
Trabalhos emblemáticos da Yoko Ono (talvez excessivos, mas é bom rever o jogo de xadrez com todas as peças brancas). As xipófagas do Tunga (hoje apenas em vídeo, na abertura estavam ao vivo). Uma parede de interatividade com os azulejos tão Brasília, tão modernismo, do Athos Bulcão. Gaiolas e aquários do Eder Santos. Um vídeo do poeta Manoel de Barros. E os fantásticos e safados robôs da Mariana Manhães, em versão candelabros.

O catálogo é didático, sem ser excessivo, e os textos estão próximos a cada trabalho, oferecendo chaves (acho que para os pais, as crianças talvez entrem direto nos trabalhos, sem a necessidade destas chaves). Para mim, este é o maior acerto do Evandro Salles: fez uma exposição "para crianças" que atinge a todos os públicos; pois ele parte de uma concepção de criança que não é absolutamente piegas, paternalista; ele não faz "arte boba para crianças", e não se preocupa em explicar o que não pode ser explicado em arte ("O que é isso, uma mulher de nariz verde? Minha senhora, isto não é uma mulher, é uma pintura"). Ele acredita que a percepção livre das crianças pode ser melhor que a percepção de um adulto reprimido; e ele mostra arte contemporânea sem ter que pedir desculpas pelo que está mostrando.

Projeto Acervo, 8a. edição, uma imagem


A imagem é uma foto do Leonardo Videla, mostra um desenho do Bernardo Damasceno e, refletido no vidro da moldura, o trabalho do Daniel Murgel - participantes da 8a. edição do Projeto Acervo, que na terça-feira passada (13/01) entregou as 10 obras ao novo Colecionador. Na foto, a caixa-maquete do D.M. (acompanhada do desenho-projeto em uma moldura) dialoga com o cubo vazado no desenho (série Afrika) do B.D., e o crânio parece flutuar à frente de um espaço real mantido na penumbra.
Ao fazer acompanhar a maquete do desenho-projeto, como um trabalho único (projeto+maquete), o Daniel Murgel acerta na mosca. Ele tem um desenho excelente, e os objetos também são muito fortes, e a junção do objeto com o seu projeto chega a um resultado muito maior que a soma das partes. Os desenhos funcionam como projetos e também como desenhos, e as maquetes tem muito impacto. Em uma exposição na Galeria Mercedes Viegas, acho que em 2007, ele mostrou uma construção em escala natural, se não me engano uma casa na árvore; o impacto é maior, claro; mas as maquetes funcionam com muita força, são trabalhos em si, não como algo que precise ser construído grande para ter sentido.
E a série Afrika é certamente um destaque no trabalho do Bernardo Damasceno, um sonho de consumo de qualquer colecionador... Na coletiva de desenho da Galeria Laura Marsiaj estavam (foram vendidos, claro) dois desenhos desta série, pequenos, e depois pude ver ainda os demais desenhos, os pequenos, todos com fundo azul; e os maiores; este do Projeto Acervo é dos maiores. Gosto: do desenho preciso, cirúrgico; da repetição, ad nauseam, com pequenas, imperceptíveis, variações; do colorido (um dos grandes, com fundo lilás, é chocante de tão bonito); de um subtexto político (o formato do crânio é o formato do mapa da África, os olhos tem cruzes ou miras de fuzis...); de referências à História da Arte (as vanitas); de uma aura de contemporaneidade que identifico com uma relação direta com Basquiat, com o grafitti, com a estética da guerrilha urbana; etc. etc. etc.
O que vi (por foto) dos demais trabalhos desta edição do Projeto Acervo é muito interessante: um lindo desenho da Brígida Baltar, uma escultura do Leo Tepedino, uma "paisagem" feita com fita durex, do Rafael Alonso, um "acrílico sobre tela" do Leonardo Videla, uma foto misteriosa do Álvaro Seixas.

mais sobre a 8a. edição do Projeto Acervo

imagem do convite da 7a. edição do Projeto Acervo

sobre a abertura da 7a. edição do Projeto Acervo

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Dos Alpes à Ilha de Capri: Lucimar Bello


Como falei em post anterior, em 2003 fiz o workshop Procedência & Propriedade, com o Charles Watson. No grupo do workshop, umas 15 pessoas de diversas formações e idades, naturalmente se formam sub-grupos à medida que aparecem as afinidades. E uma das pessoas que estava ao meu lado, "sofrendo" comigo, trabalhando intensamente nos exercícios e preparando uma linda exposição final, era a Lucimar Bello. Ela veio de São Paulo, onde mora, só para o workshop; tinha uma experiência grande em arte, ensino, pesquisa, cursos, doutorado... e no entanto uma disponibilidade de jovem para aprender e se despojar do conhecido rumo ao novo.
Estes dias recebi um email da Lucimar, com o link do seu site, e pude ver que o trabalho dela continua e cresce. Vale à pena dar uma navegada pelo site. Um trabalho particularmente me chamou a atenção, uma das imagens coloquei aqui, é da série Dos Alpes à Ilha de Capri. Estes "locais" (Alpes, Capri), na verdade são nomes de edifícios em Perdizes, bairro de São Paulo; do Edifício Alpes, onde a artista morou, ela acompanhou o dia a dia da construção do vizinho Edifício Ilha de Capri; e documentou o processo através de fotoDesenhos, "desenhos turvos, imagens oblíquas..." O rigor conceitual se soma à sensibilidade e apuro técnico, nesta série e nos demais trabalhos da artista.

lucimarbello

Procedência & Propriedade (Charles Watson)

Em 2003 fiz o workshop Procedência & Propriedade, com o Charles Watson. Um trabalho de grupo, intensivo, voltado para romper bloqueios que impedem a criação.
Eu tinha feito o curso regular do Charles por um semestre, no Parque Lage, quando me reciclei e participei de discussões do mais alto nível sobre coisas em arte que eu estava acompanhando apenas superficialmente; mas o curso me tomava uma noite por semana, eu fazia em paralelo a outros cursos e outras atividades. Para o workshop, me preparei, tirei férias do trabalho, adiei atividades, tomei coragem, e lá estava eu.
O grupo passa um mês convivendo, de 2a. a sábado, 8 horas por dia, no atelier do Charles na Rua Mundo Novo (Rio), e sendo desafiado a cada momento, em um crescendo; palestras, exercícios, desafios, respira-se arte, criatividade; e mesmo nas horas de relaxamento, mais arte...
O método é extenuante: desenho, desenho, desenho, desenho, desenho... Cada pessoa escolhe um objeto (o meu foi um banco alto, velho, refugo do atelier), e disseca este objeto, desenha-o, convive com ele, tenta amá-lo, odeia-o... Os desafios são ferozes, e a crítica do Charles e do grupo é impiedosa. Para mim foi um início desgastante, desesperante. Eu estava bloqueado, e a cada vez que tentava com todas as minhas forças atingir o objetivo dos exercícios, mais o meu resultado era duro, pífio, convencional. Eu me rebelava, sentia inveja dos demais, achava que nunca ia nem conseguir entender o que o Charles queria ao propor cada exercício... e nada: continuava com um desenho travado, sem vida.
Um dia, lá pela segunda semana, depois de sofrer muito, eu pensei seriamente em desistir, ir embora do atelier, sumir. Pensando então no como desistir, falei para mim mesmo: eu já tinha arranjado todo um esquema para ficar liberado neste mês; já tinha tirado férias, e não ia voltar a trabalhar, se desistisse ia ter que passar o resto de minhas férias de bobeira em casa; já tinha pago e ia ser problemático receber meu dinheiro de volta; então o melhor que eu tinha a fazer seria continuar no workshop, sem tentar acertar, sem tentar ser "o melhor aluno", meio "alienado", até; pois quando acabasse o workshop, eu, fracassado, iria embora e nunca mais na vida precisaria olhar o Charles nem as pessoas do grupo, podia desistir de tudo; mas decidi que eu iria até o fim do workshop, assim, "alienado"(como me vi), agora sem exigência nenhuma para comigo mesmo.
A partir daí, como uma mágica, sem eu sentir, comecei a "acertar". Justo quando eu não me preocupava mais em acertar, lá estava eu, despojado, solto, sem a exigência que havia me paralisado anos... e finalmente entendendo, não com o racional mas com o corpo, com o traço que, livre, finalmente fazia desenhos!
O bloqueio era a exigência que eu me colocava, em "fazer perfeito".
Foi uma lição para minha vida. O resultado para mim foi fundamental. Consegui vencer os bloqueios que me colocaram em anos de silêncio. E vivenciei, tornei real, o mal que a "síndrome do primeiro aluno da classe", o excesso de racionalidade, de objetividade, fizeram para mim, por tanto tempo. Aprendi na pele, vivenciei, o que eu sabia apenas racionalmente: que o importante é a busca, a procura, não o resultado; que arte tem seu lado racional mas embricado neste racional temos o inconsciente, o corpo, falando...
Devo isso ao Charles (não só eu, muita gente que está atuante em artes deve muito ao Charles, desde os anos 1980 no Parque Lage, um dos pais da Geração 80, até os dias de hoje, quando a itinerância das palestras, workshops e viagens guiadas disseminam Arte no Brasil inteiro, e continua formando gerações de artistas).

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

João Gilberto Noll

"(...) aquilo que há de comum a todas as tramas de Noll (vividas por um único protagonista que muda de pele de uma para a outra mas se mantem identico na humanidade que nos vincula a ele) é uma condição de desqualificação ou anonimato que se resume bem no termo ingles disenfranchisement, a grande decepção de uma modernidade que ofereceu a todos a promessa da emancipação universal mas que não a cumpriu. Significa a carencia absoluta dos direitos que tornam o indivíduo livre, capaz de se representar e, em consequencia, de participar e existir juridica e politicamente no corpo da sociedade. Sofrer este anonimato ou desqualificação vem a ser igualmente o destino de quem se vê emagado pelo peso das condições e estruturas dadas pelo mundo, e de quem se recusa confromar-se a elas, como bem entendia Lima Barreto, autor de Triste fim de Policarpo Quaresma. O encarceramento e o exílio são as duas imagens de espelho entre os quais os protagonistas de Noll se debatem na luta para se reconhecer a si mesmos." (David Treece, tradutor das obras de Noll para o ingles)

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Coletiva na Galeria Mercedes Viegas

Como há alguns anos, a Galeria Mercedes Viegas exibe uma mostra coletiva, com um apanhado dos artistas representados pela galeria e também do acervo. Não funciona só como um retrospecto das exposições do ano que passou e uma prévia do ano seguinte, já que apresenta, ao lado de obras novas, trabalhos mais antigos; em diversos meios; sempre um grande número de artistas e trabalhos; e a boa montagem tira partido desta diversidade. Este ano uma surpresa interessante: um espaço que funciona como reserva técnica da galeria está aberto e mostra um acúmulo de trabalhos - nas paredes, do chão ao teto e mesmo acima da porta, em uma mesa baixa de centro. É quase como uma pequena sala abarrotada de ex-votos; mas a coisa funciona, a sensação é de que o espectador "invadiu" um arquivo que está oculto a maior parte do tempo. São 32 artistas, entre eles: Rubens Gerchman (logo na entrada, um trabalho maravilhoso, uma construção em madeira com a moldura de vidro da Lindonéia enquadrando uma linda pintura; e um pequeno beijo na reserva técnica), Antonio Dias, Daniel Senise, Ivens Machado, Bechara (um lindo tríptico, em vermelho e e oxidações), Sued, Waltércio, Ângelo Venosa (uma linda escultura grande e um múltiplo, em lâminas de MDF), Daniel Murgel, Marta Jourdan (um bule dourado que "vomita" metal), Ricardo Ventura... muitos mais. Uma boa exposição e, no sábado quando visitei, com boa frequencia mesmo com a concorrencia de um lindo dia de sol e praia no Rio.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Prazer da Leitura (Bernardo Carvalho)

Já adulto, tive de novo a sensação do “prazer de ler associado à nostalgia do fim do prazer”, que senti ao ler Monteiro Lobato em minha infância (como coloquei em post anterior) ao conhecer a literatura de Bernardo Carvalho, em meados dos anos 1990.
Eu havia lido sobre ele, jornalista da Folha de São Paulo, sobre os livros, mas o meu primeiro contato mesmo foi ao encontrar, em um sebo de livros na calçada da Escola de Música no Passeio Público, meu caminho de todos os dias, um exemplar, discreto, do Onze. Olhei, peguei, como quem pega uma relíquia; comprei; comecei minha leitura, nesta mesma noite, no meu canto de leitura na varanda do apartamento onde então morava, em Ipanema, na Rua Vinícius de Moraes, antiga rua Montenegro. Foi amor à primeira vista, à primeira leitura. Procurei em várias livrarias até conseguir o Aberração, este o primeiro livro do autor, e a minha impressão foi reforçada: é um grande escritor; quero ler tudo dele... A partir daí, comecei a esperar cada novo livro com a expectativa de quem espera um prazer intenso.
Diferentemente do meu prazer pela coleção do Monteiro Lobato, quando eu via na estante os livros que ainda iria ler, via materialmente o fim do prazer se aproximando, à medida em que a leitura evoluia e os livros passavam para a categoria de "lidos"; como a obra do Bernardo Carvalho estava sendo escrita, a perspectiva de prazer era, pelo menos teoricamente, ilimitada... era só uma questão de esperar, um belo dia apareceria uma nova resenha na Folha, vai ser lançado o novo livro, e meus sentidos se aguçavam na expectativa do novo livro do B.C...
Me lembro da surpresa que tive com um deles, acho que As Iniciais. Eu não havia lido nada sobre o breve lançamento, ainda estava naquela expectativa distante do “próximo livro”... e uma tarde de sábado, passeando na Livraria da Travessa de Ipanema apareceu, pronto, materializado, na estante, sob meu olhar atônito, inesperado, o novo livro, como um amor de Carnaval... E cada um deles, os esperados ou o inesperado, era o prazer renovado, o prazer da leitura, como o que eu tinha, criança, ao ler os Monteiro Lobato...
Ao ler o Nove Noites, senti uma estranheza, vi uma mudança, uma inflexão na prosa do escritor; depois continuada com o Mongólia. Os temas são os mesmos dos primeiros livros, os grandes temas da literatura, os arquétipos: o duplo, o labirinto, o jogo de espelhos, o amor e a morte, a busca do pai e da identidade, a literatura/a arte como uma chave e também como um engano, os relacionamentos e o amor também como uma solução e um engano, os mistérios que jamais serão desvendados, a memória e o esquecimento... Mas, para mim, é como se nos primeiros livros estes temas se desenvolvessem em um universo totalmente interior, subjetivo, portanto mais universal; enquanto que nos dois últimos este universo passa a ser mais jornalístico, objetivo: uma memória focada no concreto, em uma narrativa “real”, perdendo um tanto do onírico dos primeiros, onde a narrativa desfocada leva a uma obra aberta, a ser completada pelo leitor. Mongólia segue esta vertente: a estranheza que perpassa os primeiros livros continua, só que ao meu ver colocada externamente: o viajante sente a estranheza da civilização e da cultura estranhas, da língua desconhecida, da Mongólia, ou dos índios; enquanto que, na minha opinião, os narradores e personagens dos primeiros livros sentem a estranheza dentro de si, e a partir desta estranheza subjetiva vem todo um clima que contamina mesmo as situações aparentemente simples e quotidianas (o jantar e o almoço de As Iniciais não seriam absolutamente estranhos, seriam eventos típicos de uma classe social, se não fossem vistos assim pelo narrador).
O último, O Sol se põe em São Paulo, ao meu ver consegue integrar as duas vertentes; pois tem um tanto do “jornalístico”, da estranheza colocada "externamente" (no Japão, na cultura japonesa mesmo quando se é descendente dessa cultura) mas apresenta algumas imagens fortes de um mistério, de um mundo interior, que remetem aos primeiros livros. Uma imagem, para mim inesquecível, é a da casa japonesa escondida no meio dos prédios e construções de São Paulo, e que desaparece aparentemente da noite para o dia; como um sonho; como as oníricas cidades borgianas do Aberração, como a misteriosa caixinha de As Iniciais, como o sexo de Ana C. do Teatro.
Enfim, continuo lendo B.C., esperando ansioso o próximo livro, que deve ser o situado em São Petersburgo como parte da coleção Amores Expressos. Mas aquele prazer intenso, para mim, com certeza vem mais dos seis livros iniciais do autor.
Uma crítica que li (está em um dos links abaixo) diz que o sétimo livro, quando B.C. retornou ao formato de contos, foi recusado pela editora por estar sendo um pastiche dos livros anteriores; a partir desta recusa, o escritor teria feito uma mudança de rumo e partiu para o Nove Noites, com bons resultados (premiações, vendas, reedições em formato de massa). Não sei se é verdade, mas eu ADORARIA ler o livro de contos “recusado”.
Com tudo isso em mente, fiz a minha proposta de 2008: reler os livros do Bernardo Carvalho, na sequencia; reler em meses os livros que li espaçadamente em mais de dezena de anos; comprovar se eles resistiam a esta segunda leitura (mais que resistiram, cresceram); testar uma hipótese que eu tinha formulado ao longo das leituras, de que os livros todos na verdade seriam um mesmo livro, uma epopéia interior em vários volumes, e que as histórias que se entrelaçavam em cada um dos livros na verdade se entrelaçariam em um corpo maior (minha conclusão é que sim). Ainda: ao reler, senti talvez o mesmo prazer da leitura inicial, ou um prazer renovado; eu havia esquecido muita coisa dos enredos, claro, mas o clima de cada um dos livros permaneceu comigo desde a primeira leitura, e se renovou com a releitura.
Embora esteja considerando minha tarefa concluída, já que não pretendia reler, pelo menos nesta década, os livros da fase que chamei de “jornalística”, estou reavaliando o assunto, e vou relê-los sim (Nove Noites, Mongólia, O Sol se põe em São Paulo), até como testes para minhas hipóteses. E continuo esperando os novos livros. Sim, e o blog que o B.C. fez, meio a contragosto ("O horror confesso que eu tenho dos blogs..."), de São Petersburgo.

Posts sobre minhas releituras dos livros do Bernardo Carvalho:
Teatro
A dança das cadeiras
O Livro de hoje

Alguns links interessantes:
Blog do Bernardo Carvalho em São Petersburgo
Coleção Amores Expressos
Livre de Cacoetes (resenha sobre O Sol se põe em São Paulo)
Medo de Sade
Traição e Horror em Medo de Sade
Bernardo Carvalho e a arte da fuga
Nove Noites
O Sol se põe em São Paulo

O Prazer da Leitura (Monteiro Lobato)

Quando eu era criança, meu pai comprou uma coleção com as obras completas de Monteiro Lobato, encadernada em verde com letras em prata.
Uma parte da coleção era a das obras adultas do escritor: Urupês, A Onda Verde, A Barca de Gleyre (este título me deixava intrigado, quem seria este Gleyre que tinha uma barca? além de tudo o livro era em dois "tomos", o que era mais estranho para mim ainda), O Presidente Negro...
Mas a parte que me importava, e à qual me atirei sofregamente, eram as obras para o público infantil e juvenil, que é afinal a obra mais conhecida do escritor: Reinações de Narizinho, Caçadas de Pedrinho, Memórias da Emília, A Chave do Tamanho, Viagem ao Céu, O Saci... e alguns que, hoje, acho que devem ter ficado irremediavelmente datados no passado: O Poço do Visconde, Emília no País da Gramática (com todas as reformas ortográficas dos anos 1950 até está última...)
Lia sem parar, viajava no mundo maravilhoso criado pelo Lobato (é bom dizer que falo de uma época pré-Sítio do Picapau Amarelo na TV, assim a minha imaginação era totalmente livre para visualizar personagens, cenários, efeitos e edição do meu filme interior sobre o que lia).
Mas ao mesmo tempo em que avançava na leitura extraindo dela um prazer enorme, comecei a ficar triste ao ver que o estoque de livros era limitado e estava acabando, e com ele o meu prazer; e o meu ritmo de leitura se transformou em um deslizar entre os dois momentos: o de correr para o prazer e ao mesmo tempo o de regular este prazer para que demorasse o mais possível. Como no amor, como no sexo (eu ainda não sabia disso).
Em paralelo, fiz pesquisas para tentar prolongar o prazer: “Não tem uma outra coleção Monteiro Lobato, uma sequencia?” – “não, o escritor já morreu, e estas são, o nome diz, as obras completas”. Tentei partir para ler os livros de adultos e os achei intragáveis (provavelmente são mesmo, sabemos que o nacionalismo do escritor beirava a xenofobia, e conhecemos seu horror ao modernismo em artes, que culminou na célebre crítica “Paranóia ou mistificação” que conseguiu calar o vigor expressivo da Anita Malfatti)...
Hoje sei que, como amar de novo, repetidamente, a mesma pessoa, a releitura é uma forma de revisitar o prazer de uma leitura; mas a releitura exige tempo para um distanciamento e um certo esquecimento da memória, coisas impensáveis para uma criança. E sei também, a partir de Proust, que a memória do prazer pode ser tão forte como o próprio prazer, se armazenado e despertado de uma forma certa... Ao simplesmente me lembrar do prazer que eu sentia, este prazer é muito mais vívido para mim do que voltasse a ler os mesmos livros, que tanto prazer me deram em uma determinada época...

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Projeto Acervo


Esta é a imagem da oitava edição do Projeto Acervo. Como sempre, uma ótima seleção de artistas, desta vez: Alexandre Vogler, Álvaro Seixas, Brígida Baltar, Bernardo Damasceno, Cadu Costa/Eduardo Berliner, Daniel Murgel, Gisele Camargo, Leo Tepedino, Leonardo Videla, Rafael Alonso. Fico muito curioso para ver as obras, mas nesta edição não haverá a inauguração com mostra, o que é uma pena...

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Vicky Cristina Barcelona

Um bom filme, gostei. Claro que Woody Allen abusa dos clichês (americanas em férias no verão europeu questionam sua vida para ao final retornar aos USA; a loura - apaixonada, e a morena - racional; o latin lover; a espanhola à beira de um ataque de nervos etc. etc.), claro que ao mudar sua locação tradicional de Manhattan ou Londres para a ensolarada Barcelona o filme é um pouco um marketing do turismo catalão... mas apesar disso é um filme leve, mesmo no drama; ágil, witty, sensível, como os melhores Woody Allen. Sim, e os atores estão ótimos, a fotografia, os ambientes e a música também, o roteiro é inspirado etc. etc. Em suma, gostei.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Over the Rainbow


Ver um arco-íris é sempre uma imagem que nos leva a pensar em paz, união, esperança, superação... sem contar com a utilização como símbolo do movimento gay, o que injetou novas referências ao arco-íris... E ver um arco-íris em um cair da tarde em Brasília é vê-lo diferente do que é visto no Rio, onde as montanhas e os prédios segmentam sua visão: graças à topografia do Planalto e a ausência de construções muito altas, a visão do horizonte é mais ampla, e se vê (como vi há pouco) um arco-íris "inteiro", em sua plenitude de 180 graus. Não é nada, não é nada, mas é sempre uma visão de transcendência para um encerramento de um dia de trabalho...
Este meu desenho (aquarela e caneta de nanquim) é de 1984, da série dos Selos Postais, e, acho, diz mais que estas minhas palavras.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Os anjos


Still de outro filme do Derek Jarman, outra obra-prima, The Angelic Conversation. O beijo dos anjos é quase idêntico ao beijo do Morrissey na caveira, do The Queen is Dead e que postei recentemente no blog.
Depois, algumas conversações não tão angélicas assim, na minha sexta-feira no Rio: No brechó "De Salto Alto", com o meu grande amigo Marcos Pantera, e depois em visita ao atelier de minha grande amiga Virgínia Paiva. Os trabalhos recentes de Virgínia são lindíssimos, ela está ousando muito, ao partir para grandes tamanhos, ela que veio de um trabalho de ilustração e quase miniaturista; e está se saindo extremamente bem nesta expansão de escala. Ainda, fiz uma aquisição, mas falarei em outro post.

Post sobre The Queen is Dead

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

MAM-Rio 60 anos

Últimos dias da exposição e uma surpresa: apesar do dia útil imprensado entre os feriados e da concorrência do sol forte significando dias de praia no Rio de Janeiro, o MAM está bem cheio.
Na mostra comemorativa dos 60 anos do MAM, um módulo sobre a construção do prédio, outro sobre a formação da coleção do Museu (na verdade a re-formação, com o que sobrou do incêndio e pode ser restaurado e as doações posteriores ao incêndio. Um lindo Pollock cinza, pequeno (uns 50x50cm), doação do Nelson Rockfeller; e na minha memória ainda aparecem flashes cada vez mais esmaecidos de algumas obras de antes do incêndio: dois lindos Picassos, um lindo Magritte (cenouras/garrafas), e a obra quase completa do Torres Garcia que ficou calcinada.
Ainda um módulo sobre a Cinemateca e seu papel de resistência na época da ditadura, e outro módulo mostra (parte) da exposição da Pré-Bienal de Paris 1969, quando a representação brasileira foi proibida pela ditadura militar de ir representar o Brasil na Bienal, e mesmo a exposição prévia foi fechada após a inauguração. As fotos do Evandro Teixeira são famosas, estão na memória coletiva dos brasileiros quando se pensa sobre os anos da ditadura; bem como os trabalhos do Antonio Manuel, e estes trabalhos incomodaram muito os militares à época pois são documentos muito fortes do período que culminou no AI-5; apenas uma pintura do Humberto Espíndola, e os trabalhos do Ascânio MMM não foram expostos "pois só existem em projeto".
Finalmente, o último módulo , o mais importante, mostra a Arte brasileira no período 1963-1978, com obras importantes de Gerchman (entre outras o LUTE), Antonio Dias, Vergara, Roberto Magalhães, Nelson Leiner, Wesley Duke Lee, Claudio Tozzi (com um pintura de um Guevara pop), Leonilson, Anna Bella Geiger, Cildo, Ivens... e muitos outros.
Como um plus, um recorte da Coleção Gilberto Chateaubriand, desta vez mostrando cem obras do modernismo brasileiro (1915-1960), com curadoria do Reynaldo Roels Jr.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

O Livro dos Porquês


Primeira imagem de 2009 neste meu blog, uma pintura que fiz em 2005, uma das primeiras no ateliê da Rua do Russell. O tamanho é 80x100cm, faz parte da série Thesouro da Juventude e se chama O Livro dos Porquês, tem imagens tiradas dos meus inseparáveis livros da coleção Thesouro da Juventude, e marca a transição da "pintura sobre os livros" (sobre, literalmente, usando os livros como suporte) para "pintura a partir dos livros", unindo as duas vertentes que continuam em meu trabalho atual.