No início dos anos 1980, tive o privilégio de ter como professor o grande pintor
Rubens Gerchaman. No
MAM, ainda sofrido com a difícil reconstrução após o incêndio. O tema do curso era "pintura em grandes dimensões". Os encontros eram no salão com lambris de madeira onde hoje funciona o restaurante Laguiole. Na turma, o
Marcus André, que eu já conhecia do Parque Lage e que se firmou no meio das artes brasileiras com seu forte trabalho com pintura.
Os encontros eram muito interessantes, desafiadores; para mim, que vinha de um trabalho cerebral, conceitual, de um desenho meticuloso em pequenos formatos, tuda era uma verdadeira revelação. Em uma época onde ainda não tinha entrado em moda o culto ao corpo, ao dançar, onde ainda havia na arte brasileira uma separação entre a "arte séria" e a "diversão", a abertura das aulas era um trabalho de soltura do corpo, com um pouco de automassagem, de expressão corporal, de dança livre, como uma preparação para o gesto largo que íamos exercitar no restante da aula.
Em algumas aulas o modelo vivo (uma linda mulher, morena, cabelos longos e um corpo
mignon e fantástico) não ficava extática, como os modelos vivos em poses rígidas das aulas tradicionais; ela dançava, movimentava seu corpo em uma marcha como que de danças orientais, e a turma desenhava traços largos, soltos e rápidos, para tentar capturar o movimento da modelo.
Usávamos marcadores (os pilot, na época chamados de "pincel-atômico") presos na ponta de bastões de bambu, para levar o traço à extensão máxima. Pintávamos sobre enormes bobinas de papel
kraft, e nossos traços se misturavam uns aos dos outros. Acompanhando os trabalhos práticos, havia discussões sobre arte, sobre o que estava se fazendo na arte mundial, sobre as muitas viagens do Rubens e o que ele tinha visto e aprendido, na Europa, NYC ou no Oriente.
Foi uma experiência muito enriquecedora. Algumas coisas só vim a entender algum tempo depois, e muitas coisas aprendidas só fui utilizar efetivamente após retomar meu trabalho depois de vários anos de silêncio, mas muita coisa ainda está aqui comigo e certamente ainda me alimentará por um bom tempo.
Depois, continuei a manter o contato com o Rubens e com seu trabalho, que tem um espaço garantido na história da arte brasileira.
Hoje faz 1 ano que, em 29/01/2008, Rubens Gerchman nos deixou, após uma luta contra uma doença fatal. Mesmo doente, não esmoreceu, continuou a trabalhar e a manter o espírito inquiteto e inovador. A exposição póstuma na Galeria Pinakhoteke, com os trabalhos feitos na Índia, é uma prova disso. E é lindo ver os trabalhos sobre o Kama Sutra, um grito do artista de que o
eros pode vencer o
thanatos. Estes trabalhos, com os corpos entrelaçados das frisas indianas, me remetem diretamente àquelas manhãs no MAM, ao movimento da modelo registrado pelos alunos nas bobinas de papel
kraft, as diversas visões do corpo feminino se sucedendo, como os corpos indianos das frisas que o Rubens usou e transfigurou em seus últimos trabalhos.
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