sábado, 17 de janeiro de 2009

Arte para Crianças, no CCBB/BSB


Uma das coisas boas desta minha vida de nômade pós-moderno é poder ver (nem sempre, às vezes perco por problemas em agenda) as coisas boas em arte que às vezes ficam restritas a um dos polos apenas (Rio, Brasília, São Paulo). Ou ver duas ou mesmo três versões da mesma exposição, com diferenças de acordo com a cidade (a "fumaça" do Anish Kapoor - Ascension - no CCBB do Rio era solene, icônica, intimidadora; no CCBB de Brasília era lúdica, interativa, user-friendly).
Esta exposição, Arte para Crianças, por exemplo, é específica para o CCBB de Brasília, com seus espaços amplos. O curador é o Evandro Salles, que conheci no início dos anos 1980 (participamos juntos, com muitos outros artistas, de um ciclo de exposições no Parque Lage, dirigido então pelo saudoso Rubem Breitman, outro dia falo destas exposições).
E a exposição tem muitos acertos. É arte para crianças, mas não é absolutamente "baixar o nível" para que as crianças entendam; pelo contrário. É uma ousadia mostrar Lawrence Weiner para as crianças (sem intermediação dos pais, que certamente não entendem nem um pouco do conceitual brabo de L.W.). É uma ousadia colocar centenas de xilogravuras do Rubem Grilo, emolduradas uma a uma, entre elas um pequeno video disfarçado de quadro, em uma "casinha de boneca", com bancos de vaqueiro em couro trançado onde as crianças se sentam e imaginam histórias a partir dos elementos fantásticos das gravuras... É uma ousadia apresentar o suprematismo de El Lissitzky em um desenho animado... E tudo em espaços bem organizados, com textos explicativos, áreas de repouso...

Mas a maior das ousadias, certamente, é o grande salão dedicado ao Amílcar de Castro. O aspecto lúdico, para as crianças, é trabalhar em dobraduras; o que fazem com prazer em grandes mesas. Mas para os adultos (para mim), é absolutamente espantoso ver 140 esculturas do Amílcar (pequenas, 30cm, além de uma escultura grande) em estantes, em uma sequencia infinita. Meu Deus, eu tive que ir a uma exposição "para crianças" para ver esta maravilha? Para poder ver uma legião de esculturas como nunca vi antes, lado a lado, para ver as repetições, as variações, as dobraduras, o ferro tratado como um papel, o movimento suspenso, o equilíbrio precário, todos juntos, 140, o ad nauseam! Que colecionador é esse, que tem 140 esculturas pequenas do A.C.? Que inveja, que deslumbramento!

Ainda: um ambiente lúdico, uterino, maravilhoso, do Ernesto Neto. O cubo de vidro do CCBB foi totalmente ocupado pelo ambiente do Ernesto e por mesas e cadeiras orgânicas do artista, que vi em exposição na Galeria Artur Fidalgo, onde as crianças (e os adultos) fazem trabalhos de dobraduras e encaixes, tendo como molde esculturas "duras" do Ernesto Neto; mas o ponto alto realmente é a vivência do ambiente. As crianças deliram, os adultos viram crianças.

As pinturas do Sued transformadas em varais coloridos com panos manipuláveis pelos espectadores, ao ar livre, em pleno sol da tarde; para as crianças, são casas de cor. Ainda, uma instalação do Emanuel Nassar, que é como se uma pintura do artista se expandisse para abarcar um módulo do prédio; com direito a um mistério (a letra "E" está bem visível no "lado Este" da pintura/instalação; mas onde está o "N"? pergunto à monitora e a resposta é: enterrado, em um canteiro do jardim, no "lado Oeste"...).
Trabalhos emblemáticos da Yoko Ono (talvez excessivos, mas é bom rever o jogo de xadrez com todas as peças brancas). As xipófagas do Tunga (hoje apenas em vídeo, na abertura estavam ao vivo). Uma parede de interatividade com os azulejos tão Brasília, tão modernismo, do Athos Bulcão. Gaiolas e aquários do Eder Santos. Um vídeo do poeta Manoel de Barros. E os fantásticos e safados robôs da Mariana Manhães, em versão candelabros.

O catálogo é didático, sem ser excessivo, e os textos estão próximos a cada trabalho, oferecendo chaves (acho que para os pais, as crianças talvez entrem direto nos trabalhos, sem a necessidade destas chaves). Para mim, este é o maior acerto do Evandro Salles: fez uma exposição "para crianças" que atinge a todos os públicos; pois ele parte de uma concepção de criança que não é absolutamente piegas, paternalista; ele não faz "arte boba para crianças", e não se preocupa em explicar o que não pode ser explicado em arte ("O que é isso, uma mulher de nariz verde? Minha senhora, isto não é uma mulher, é uma pintura"). Ele acredita que a percepção livre das crianças pode ser melhor que a percepção de um adulto reprimido; e ele mostra arte contemporânea sem ter que pedir desculpas pelo que está mostrando.

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