sábado, 27 de fevereiro de 2010

Dever de Casa

Tenho um dever de casa, com prazo: segunda-feira, 19h. Tudo bem, hoje ainda é domingo, meio-dia. Se eu não tivesse saído ontem, farra, Lapa, dormi tarde e sozinho. Hoje é um dia de sol, e eu tendo que escrever um texto, máximo de 4500 caracteres com espaços, disse o Mestre, sobre um tal manifesto que está na internet.
Faço um café, leio o manifesto, de um Grupo Silvestre (bem que podia ser Grupo Praiano, rio comigo mesmo e queimo a língua com o café quente) e é “em defesa da narrativa, do entretenimento e da popularização da literatura”. O caderno de esportes fala do jogo de hoje, um clássico, e eu aqui, sem mulher, com dever de casa e a praia que deve estar cheia de gatinhas.
Ideia brilhante, levo o netbook para a praia, o governo fala em wireless na orla toda, leio o manifesto, faço o texto e ainda tiro uma onda de bill gates com as gatas.
Um lugar na sombra do quiosque. O manifesto logo no item 1 diz que “entretenimento é sedução pela palavra“. Sedução é esta morena que parou do meu lado, fazendo alongamento. Leio o manifesto, sedução, sorrio, leio, ela finalmente olha para mim, sorri e começa a correr… se não fosse o netbook e a farra de ontem eu ia correndo atrás dela, ao lado dela, até o final do Leblon, até...
Volto ao manifesto. “Acessível a uma parcela maior da população“. “Experimentalismos vazios não nos interessam“. “Formação de leitores assíduos“.
“Oi, tudo bem, você vem sempre aqui neste quiosque?”, aproveito a ideia que o manifesto me deu e começo a conversa com uma menina que sentou do meu lado. Ela sorri e responde: “Venho sim, meu noivo joga volei naquela rede”, aponta para o noivo que parece um pit-bull, malhado daquele jeito deve ser gay ou débil-mental, eu penso mas digo apenas “legal, boa praia para você e seu noivo“, volto ao manifesto.
Uma elite que dita regras, cria rótulos e se autoenaltece em resenhas mútuas, eventos e panelas”. Um chopp. Uma ideia para o texto, esta questão da elite, luta de classes, sempre pega bem citar Marx (“proletários do mundo das letras, uni-vos”), vou batucando no teclado e tomando o chopp que é ótimo para o calor e para as idéias, cito até o Deleuze, que o Mestre tem cara de quem gosta do Deleuze...
Delícia sim é esta gringa que para no quiosque como perdida. Ofereço um chopp e descubro que é uma argentina meio hippie que está procurando lugar para ficar, barato ou de graça, na Zona Sul em pleno verão. Desconverso, já me dei mal com hóspedes, indico o Chez Lagarto, logo ali, por via das dúvidas deixo meu telefone para ela me ligar mais tarde, conhecer a Lapa comigo. E volto, bem animado, ao texto.
O autor pode e deve se esforçar pela disseminação de sua obra”. “Enredos ágeis e cativantes”. Outro chopp, bem rápido, e lá vou eu, ágil e cativante no teclado, devo estar com uns 1500 caracteres, não tem mínimo de caracteres mas se o máximo é 4500 é bom chegar a pelo menos uns 4000. São os tais processos de produção que o manifesto diz que pelos quais devo me interessar, além do marketing e distribuição. O título da obra deve chamar a atenção do leitor e despertar a vontade de chegar até o livro. Posso chamar o texto de “Manifesto sob o sol”, será que chamará a atenção do Mestre? Outro chopp.
Volta a morena corredora, cansada, suada, ofereço um chopp e ela me olha com nojo, eu deveria ter oferecido um gatorade, agora já era, a gata foi e eu continuo no manifesto e no texto.
O desejo soberano de ser lido”. Isso é bonito, parece música do Cartola, posso citar o samba como o exemplo do conflito entre criação e diluição, entre arte e indústria, me empolgo e mais uns 800 caracteres, acho que esta parte do texto ficou meio sem pé nem cabeça, nada que uma revisão não resolva, o importante é que estou concluindo meu dever de casa e ainda por cima me divertindo neste domingo de praia, só tenho que pensar em um Plano B caso a argentina não ligue para irmos à Lapa.
 Maniqueísmo que produz distorções, afasta leitores e joga sua névoa sobre o mundo literário.” Respiro fundo, peço outro chopp, ao longe ouço fogos, deve ser o jogo começando, mas o chopp não vem, o rapaz do quiosque sumiu, olho para a praia e todos estão correndo em minha direção, demoro a perceber no barulho da multidão a palavra “arrastão!”.
Agarro o netbook e corro também, cadê o netbook? procuro, já era, pegaram na confusão, e eu nem terminei de pagar nem tirei back-up e o pior é o texto que estava tão bom e se foi.
Bom, pelo menos bebi chopp de graça a tarde inteira. E pode ser que a hippie ligue.


Escrevi o texto acima como um dos exercícios para um Workshop, Oficina de Crônica, com o Prof.Felipe Pena, que fiz recentemente, na Estação das Letras
Clique aqui para ler o texto com os comentários dos demais participantes do Wokshop (causei polêmica...)
Clique aqui para o blog onde estão todos os textos do Workshop


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Em São Paulo

São Paulo sempre é bom, mesmo quando o avião, descendo em Congonhas, me dá um susto ao arremeter (segundo o piloto, por segurança, o avião anterior ainda estava na pista, foi o que entendi). Isto depois da impossibilidade de fazer um mísero check-in on-line, a TAM "mudou o seu sistema" (a culpa é sempre do "sistema", esta entidade abstrata) e o site está com erros primários (saudade do meu tempo de analista de sistemas, eu não deixaria um site deste jeito ser liberado para os usuários, talvez por isso me estressava tanto). Tudo bem, estou em Sampa e hoje a programação é tranquila, apenas três ou quatro locais a visitar (e voltar rápido para o Rio antes da chuva que está fazendo estragos na cidade a cada final de tarde).
Nas Pinacotecas, dois importantes artistas portugueses:
No Projeto Octógono, na Pinacoteca do Estado, a instalação Deposição, de Pedro Cabrita Reis, de grande impacto. Na rotunda monumental do prédio projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo, o artista coloca duas pesadas vigas de aço em formato de um T apoiadas sobre uma mesa comprida, também de aço; o minimalismo da forma, solitária sob o peso do ar da rotunda, faz uma referência sutil às deposições de Cristo da cruz, as Pietàs, da história da arte. Sutil e monumental, dois conceitos que a obra do artista combina muito bem.
E na Estação Pinacoteca, grande exposição ocupa todo um andar com pinturas, videos, instalações e performance do artista Julião Sarmento. Conhecia pouco da obra do artista, e a vontade de conhecer mais foi o motivador desta minha ida a SP; neste ponto minha expectativa foi atendida, a exposição é bem abrangente; sinto falta apenas de um catálogo, um bom catálogo como os que a Pinacoteca fazia.
A utilização das várias midias pelo artista português não torna seu trabalho disperso, pelo contrário, cada suporte é utilizado de uma forma precisa para aquele trabalho específico. E em todos o artista fala, obsessivamente, dos mesmos temas: uma fragmentação dos corpos e dos objetos, uma presença ou uma ausência; uma sensualidade que coloca o espectador como voyeur; os recortes de gestos, de corpos, são de uma sensualidade que se concentra nestes fragmentos; um embotamento da percepção, que paradoxalmente aguça a percepção do espectador; jogos de linguagem (o título, a imagem da obra e textos na obra, que aparentemente não tem relação ou se contradizem)...
A performance: um homem, uma mulher, duas cadeiras, em um pequeno ambiente fechado e todo verde; um disco de vinil em uma vitrola portátil toca uma música obsessiva, a mulher dança sozinha, sensual; o homem se levanta e dançam juntos, uma sensualidade e ao mesmo tempo uma ausência, uma distância, gestos sensuais e ao mesmo tempo mecânicos dos pelvis que se juntos ao ritmo da música; e o espectador fica preso nesta teia até o final da música (que poderia se repetir ad infinitum), é feito refém como é feito voyeur das pernas e braços desenhados em telas quase monocromáticas, embaçadas; das mulheres sem cabeça que habitam uma estante ou um relógio de parede, nas esculturas/instalações; da stripper que, em um video, se despe para tornar a se vestir, incessantemente, interminávelmente; em outro vídeo, pernas de mulheres que andam interminávelmente por uma rua; ou um longo close nos pelos pubianos de uma mulher vestida, como a stripper, com meias e cinta-lliga; as pinturas com massas pretas sobre fundo branco, ou o contrário, onde o espectador/voyeur "de repente " jogos sexuais; e a partir daí não vê mais outra coisa, como obcecado, o sexo grita por entre os blocos de tinta, antes inocentes acrílicas preta e branca sobre a lona preparada da tela, pintura e obsessão.
Uma sensualidade infinita, incessante, interminável, como um Bolero de Ravel sem o clímax, e que se esprai por vários suportes, como se apenas uma midia fosse pouco ou nada para conter esta força que, sutil, permanece na retina do espectador como um langor post-copula.
Valeu o susto na descida no aeroporto!
Em seguida, visitei o Centro Cultural de SP, onde está a Mostra do Programa de Exposições 2009, com os artistas convidados Daniel Senise (com Eva, uma instalação onde blocos de tijolos, feitos pelo público a partir de material reciclado do CCSP, cobrem a escultura Eva, de Brecheret, do acervo do Centro), Rochelle Costi (apropriação de imagens do porão do CCSP, onde funcionam oficinas de restauração,gráfica etc.) e Ricardo Basbaum (câmeras de video captam, em tempo real, locais onde o artista interferiu com palavras escritas nas paredes ou chão do Centro Cultural).
E os artistas Ana Prata (pintura, figurativa, bem bonita), Carlota Mazon, Cris Bierrenbach, Grupo Hóspede, Letícia Ramos, Luiz Marchetti (A poética dos pequenos furtos, série de filmes bem interessantes, sobre pessoas comuns que furtaram objetos de desejo e os exibem: Nik roubou cachecol em Estocolmo...), Rafael Carneiro e Sofia Borges.
Além disso, Paradas em Movimento/Wonderland: Ações e Paradoxos, com curadoria de Pamela Prado e Rafael RG, com videos que "se relacionam pelo modo como transformam uma ação em obra de arte": remar, apagar, nadar, acender, despejar... Bem interessantes, os videos são de Antti Laitinen, Marilá Dardot, Laura Glusman, Cinthia Marcelle, Kika Nicolela, Renata Padovan, Rodrigo Castro, Lais Myrrha, Adriana Aranha e Paola Junqueira.
Finalmente, no Instituto Tomie Ohtake, Eternamente Agora, bonita exposição/tributo a Mário Cravo Neto, artista precocemente falecido em 2009, com curadoria de Paulo Herkenhoff e Christian Cravo. E uma exposição do importante artista norte-americano Robert Rauschenberg.
Organizada pelo próprio Instituto Tomie Ohtake, a exposição contou com a colaboração de Robert Rauschenberg Studio, da galeria PaceWildenstein e da ULAE Universal Limited Art Editions, trazendo 98 obras (23 peças únicas e 75 gravuras), e conseguindo dar um bom panorama do trabalho do artista.
Acho incrível como o trabalho de Rauschenberg consegue, no início da cultura de massa, ser tão premonitório em relação às estéticas que surgiriam depois, como a profusão infinita de imagens que cada vez mais e mais chegam, invadem, inundam, exaurem os espectadores; na época que o artista iniciou estes trabalhos, noas anos 1960, a mass midia ainda incipiente (mas já estudada por Marshall McLuhan, outro profeta, de quem hoje ninguém mais fala), as imagens chegavam apenas pelos jornais, TV e cinema e hoje, em fluxos exponencialmente maiores, pela internet, I-Phones, videogames, MTV, celulares, a cada momento mais e mais imagens descartáveis que Rauschenberg, como um arqueólogo do futuro, preserva sua falta de sentido e o transfigura em arte.
Estes trabalhos do artista são o zapping antes de existir o controle remoto nas televisões... e, pela longevidade produtiva do artista, evoluíram até 2008 (ano de sua morte), incorporando as sempre novas midias e novas tendências. Talvez fique faltando nesta exposição alguma coisa do trabalho inicial de Rauschenberg, o "Erased de Kooning Drawing", as "White Paintings", as "Black Paintings"; mas afinal não é uma retrospectiva, e faz acertadamente em focar nas colagens de imagens, obras que se tornaram as mais características do artista.
Volto para o Rio, antes da chuva que nem sei se acabou caindo mesmo. O motorista de táxi fala de uma "operação limpa bueiros", que tirou até um sofá de dois lugares de lugares por onde a água deveria escoar; um pouco o texto que a midia e os governos tem hoje, em devolver a culpa dos problemas à população (ela é culpada por sujar as ruas), esquecendo (de propósito) que o papel dos eleitores é pagar impostos e votar e o papel dos administradores é administrar bem, pagos com o dinheiro dos contribuintes. De volta ao Rio, vejo na internet que o Prefeito de São Paulo foi cassado pela Justiça Eleitoral. Não é nada, não é nada, não é nada.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Lábios Leporinos (um video)

 
Aqui no blog já postei imagens de uma série de pinturas que fiz em abril de 2009, baseadas em uma foto de criança com lábios leporinos. Agora editei estas imagens em um pequeno video, usando como trilha sonora um trecho de Stockhausen. O video já está no Youtube, coloco aqui também.


Clique aqui e aqui para ver os posts sobre as pinturas desta série

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Projeto Acervo, 15a. edição

 A inauguração da 15a. edição do Projeto Acervo, no Espaço Bananeiras, foi na segunda-feira dia 08. Como nas outras edições, uma festa, com trabalhos de qualidade e também, perfeito para o calor do Rio, deliciosas batidas de frutas (a de frutas vermelhas é o máximo!).
Os artistas participantes são:
Adriano Melhem, com uma bonita pintura em pequeno formato, um rosto de criança quase monocromático, com obliterações em branco;
Alexandre Vogler, interferência (auto-retrato) em uma cédula de R$2,00, um trabalho irônico e tecnicamente perfeito;
Anna Linnemann, um objeto (garrafa de plástico de Coca-Cola) com os cortes em fatias, característicos da pesquisa desenvolvida pela artista, O Mundo como uma Laranja, que submete objetos do quotidiano a tratamentos de corte semelhantes aos feitos na preparação de alimentos em cozinha;
Cadu, com a gravura feita pelas marcas de uma caixinha de música que toca Pour Elise, de Beethoven, um conceito perfeito, execução impecável e resultado muito bonito;
Gustavo Speridião, bonita pintura, em pequeno formato, no tema da nuvem, um dos temas constantes do artista;
Gisele Camargo apresenta uma variação da série Panavision, desta vez um díptico, com telas em dimensões diferentes, inclusive a espessura do suporte, montadas sem intervalo entre elas. Com isto a sensação de fragmentação da paisagem em infinitas partes, uma característica da série, dá lugar a uma composição mais maciça e com outro ritmo, menos regular, ao explorar esta terceira dimensão que vem das diferenças nos suportes;
João Modé, uma bonita fotografia, linhas marcadas com giz ligando pontos no chão que me remetem às stoppages do Duchamp;
Leonardo Videla, uma fotografia da série das plantas arquitetônicas que se transformam em caixas, uma pesquisa do artista que sempre apresenta evolução, como vimos na exposição do artista na Galeria Laura Marsiaj;
Maria Lynch, em sua primeira participação no Projeto, uma pintura com cores fortes e tinta espessa, trabalho de impacto e bem característico da artista;
Marcos Chaves, com uma imagem que é a capa do livro sobre sua obra, enormes letreiros sobre um edifício expõem, monumentais, a palavra Chaves, provavelmente uma marca ou empresa mas também sobrenome do artista. Bem característica da pesquisa feita pelo artista ao descobrir e fotografar situações inusitadas em cenas do quotidiano aparentemente banal, como as fotos dos esfregões que estiveram em Retratos, recente exposição na Galeria Artur Fidalgo.
A montagem, do Leo Videla (idealizador e curador do Projeto), flui bem, em um white cube com janelões de vidro, surpreendentes, dando visão para a paisagem de enormes bananeiras. E constato que. em cada nova edição do Projeto, se mantém e se consolida o nível de qualidade. Leo sempre consegue incorporar artistas novos, e os artistas que participam de mais de uma edição tem sempre a preocupação de apresentar trabalhos/propostas diferentes.
É uma grande realização chegar a esta 15a. edição, 2 anos de trabalho, sem apoio de nenhuma instituição, apenas com a vontade do Leo e dos artistas em divulgar seu trabalho e em ampliar o circuito de arte, possibilitando que novos colecionadores tenham acesso a trabalhos de qualidade.
Uma sugestão é aproveitar este marco para pensar em registrar o passado, as 15 edições, em um catálogo, afinal são 150 trabalhos, 15 colecionadores, grande número de artistas, e um registro permite preservar esta memória, rever o já feito e pensar o futuro.

Para ler sobre as outras edições do Projeto Acervo, procure pelo marcador (Projeto Acervo)

Clique aqui para ler meus comentários sobre a exposição do Leonardo Videla na Galeria Laura Marsiaj e aqui para os comentários sobre Retratos, exposição do Marcos Chaves na Galeria Artur Fidalgo

Mais comentários sobre o trabalho do Leonardo Videla clicando aqui (Janelas) e aqui (Churrasqueiras)

domingo, 7 de fevereiro de 2010

O circuito da Gávea

Meus quatro anos em Brasília estão embalados em caixas que vieram em um caminhão e que agora, empilhadas como uma pirâmide no centro de minha sala, olham para mim como os quarenta séculos que contemplavam outro baixinho. Só que ele era Imperador e eu não sou de ferro, prefiro adiar a arrumação para um dia menos quente, e vou até a Gávea fazer o circuito das exposições.


A primeira galeria a ser visitada é a recém-inaugurada Silvia Cintra+box 4, que deixou as instalações em Ipanema (ótima localização, mas que já estavam apertadas para o movimento da galeria) por uma casa na Rua das Acácias. Após uma boa reforma, a galeria abre com um excelente salão para exposições e "1 de cada 1", uma coletiva com seus artistas representados. São 18 artistas, consagrados como Amílcar de Castro, Nelson Leirner, Miguel Rio Branco, Daniel Senise, Leda Catunda, Cristina Canale, Carlito Carvalhosa... e artistas jovens, representados originalmente pela Box 4. Uma boa exposição, com artistas de excelente nível, que serve como um "cartão de visita" para as exposições que virão no novo espaço da Galeria. 
O destaque sem dúvida é o conjunto de 140 pequenas esculturas do Amílcar de Castro. Tive a felicidade de ver esta coleção como parte da exposição Arte para Crianças, no CCBB de Brasília, no início de 2009; como são de uma coleção particular, imaginei que jamais iria repetir a experiência; e agora as revejo, as 140 esculturas de menos de 30 cm, uma maravilha. Se a montagem do CCBB tirou partido da amplitude do salão, dispondo as esculturas bem separadas ao longo de largas estantes, a opção desta montagem carioca foi por estantes "de ateliê de escultura", simples tábuas equilibradas por tijolos, recebendo em cheio a luz do sol de uma clarabóia; e as esculturas agrupadas, bem próximas, semelhantes mas diferentes, como bichos prontos a dar o bote, a invadir o espaço, a saltar sobre o espectador, decifra-me ou te devoramos vivo em plena galeria. Imperdível.


Seguindo pela Marques de São Vicente, os dois espaços da Galeria Anna Maria Niemeyer com boas mostras do acervo; no espaço do Shopping da Gávea, uma parede só com pequenos formatos (e bons preços) é uma tentação. A Galeria, que trabalha há muito tempo com um grupo constante de artistas (Chico Cunha, João Magalhães, Efraim, Jorge Duarte, Cristina Salgado, Victor Arruda, Luiz Alphonsus...), vem reforçando este grupo com novos artistas de qualidade, como os artistas que participaram da coletiva (arte)3, em 2009, com isso se renovando e mantendo o bom nível das mostras. 


A Galeria Anita Schwartz também mostra seu acervo, em exposição (Notas do Acervo) que ocupa o salão monumental e o terceiro andar, com obras no terraço e no container, e é também uma galeria com a preocupação de mesclar nomes consagrados - como Gonçalo Ivo, Wanda Pimentel, Nuno Ramos, Zílio, Palatnik, Antonio Manuel, Vergara, Ivens Machado e outros - com artistas jovens. O resultado é bom, com diversidade de linguagens e de propostas e   qualidade dos trabalhos apresentados. 


Na Galeria Toulouse, no Shopping da Gávea, também o acervo, com bonitas telas do Gerchman e do Luiz Áquila. Um trabalho do Raul Mourão que sempre gera controvérsias é um múltiplo que consiste em uma caixa de madeira com letras, também de madeira, soltas, e que colocadas em uma certa ordem formam um palavrão (na verdade, em qualquer ordem, o olho "lê" o palavrão); é um trabalho que já foi retirado da vitrine da Galeria por reclamação de um pai indignado, bem de acordo com o neo-puritanismo desta século XXI. 


A Galeria Mercedes Viegas, em sua Coletiva 09, apresenta 31 artistas de várias gerações, com trabalhos muito bons. Meu destaque: uma tela circular, pequena, talvez 30cm de diâmetro, do Leonilson. Mas eu me contentaria, claro, com um desenho do Cildo Meireles, uma raridade; uma tela branca (ou a tela preta, ou ambas...) da Célia Euvaldo; as fotos de ambientes com colagem de tecido, do Daniel Senise. Ou o Julio Villani, uma pintura com fundo preto brilhante e formas em óleo espesso (ou as mesmas formas sobre papéis antigos que estavam na reserva técnica da Galeria). Ah, sim, ou um Turdus luminoso em um cilindro feito de placas de acrílico, do Ângelo Venosa. Ou os rendados de onde brotam pequenas formas orgânicas, da Márcia Thompson. Ou os quadros do Luiz Monken, feitos de azulejos brancos e madeira carbonizada. Ou...


Findo o circuito da Gávea, volto para a minha pirâmide de caixas, com ânimo para o trabalho de arrumação e organização, indispensável para me preparar para as muitas atividades que me esperam neste ano de 2010.


Clique aqui para ver fotos dos vernissages no site Só Arte Contemporânea de Odir Almeida


Clique aqui para ler mais sobre a exposição Arte para Crianças e as 140 esculturas do Amílcar de Castro

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Todos os Prazeres (A Ressurreição)

Talvez um dos posts mais tristes que escrevi neste blog foi uma história real de um casal fantástico, Beth Calasans e Mark Walton, que criaram o restaurante Todos os Prazeres, em Arraial do Cabo. Convivi com o casal, com sua gastronomia criativa e seu humor inglês, por muitos verões (primaveras, outonos...), e a última notícia que tive deles, em 2006, foi de um fim trágico em pleno tsunami de 2004. Clique aqui para o post original, que escrevi em fevereiro de 2009.
 Agora neste início de 2010, recebi um email que me trouxe um desfecho inesperado para o assunto. Minha primeira reação foi de incredulidade; trocamos outros emails; e o estilo é inconfundível, há detalhes que não são de conhecimento geral, e o tracking que faço no blog confirma acessos vindos da Inglaterra.
Assim, a versão da morte de Beth e Mark se comprovou (felizmente!) um boato, provavelmente com intenções maldosas, mas que se espalhou por Arraial e por todos que conheceram Todos os Prazeres. E que, para desmentí-lo, nada melhor que transcrever parte dos emails recebidos:
 
dear jozias,
antes de mais nada esta não é uma mensagem do além, simplesmente da Inglaterra, onde nós dois estamos bem, ao contrário das noticias da morte em tsunami. Obrigado por seu blog sobre Todos os Prazeres! (onde descobri seu email), você sempre foi muito gentil e querido. Soubemos de nossas mortes antecipadas quando Arraial fez um festival de gastronomia em homenagem a nossa memória. Trabalhamos para outros agora, nunca tivemos o saco de refazer um restaurante tudo de novo, preferindo gastar tudo que ganhamos em viagens. Moramos em (..., na Inglaterra), na beira mar (gelado), mas bonito, porém um pouco monótono. Valeria a pena você fazer uma visita qualquer dia. Só trabalhamos à noite, deixando os dias livres para andar a pé e de canoa.
Desculpa termos tirado um pouco do misterio e tragédia das nossas mortes predatadas, provavelmente quando acontecer, tomara que em um dia bem distante (se o álcool permitir), vai ser uma coisa medíocre e comum. Ficamos honrados com o seu blog, deixa tudo como está, so inclui a  nossa ressurreição. Quando lemos, relembramos dos muitos dias felizes que passamos em sua companhia em um Arraial mais tranquilo e ainda pouco estragado.
(...) Incrível como nemhum dos donos dos restaurantes onde a gente trabalha (na Inglaterra) jamais ficaram curiosos em saber o que nós fizemos de comida no Brasil, mesmo o Brasil continuando com a imagem, para os ingleses, mais quente, um sinonimo de tudo gostoso. (...)
Mil beijos
Mark Walton e Lizabeth Calasans

O referido é verdade e dou fé. Ou, como diria outro inglês, All's Well That Ends Well.