domingo, 22 de novembro de 2009

No Rio (exposições)

Final de semana no Rio, ampliado pelo feriado do Dia da Consciência Negra em uma 6a.feira, eu sabia que tinha "algumas" exposições para ver; para minha surpresa, estas "algumas" foram tantas, que deixei várias para visitar apenas na próxima ida ao Rio (sem contar as que estão abrindo nesta semana corrente).
Isso com um sol e um calor que convidavam a mergulhos na praia ou na piscina, com uma arrumação nos vinhos há muito tempo na adega, com rever amigos e muitas tarefas do quotidiano.
As exposições que visitei:


1- Na Galeria Artur FidalgoRetratos, de Marcos Chaves. O artista trabalha buscando novos sentidos para cenas do quotidiano, com um humor sutil e inteligente. Nestas fotos, Marcos brinca com uma característica da percepção humana, que busca sentido em formas abstratas, que vê rostos onde há manchas. Um esfregão, destes comuns de chão, virado com o cabo para baixo, encostado em uma parede; a foto é vertical, nas dimensões que a pintura clássica estabeleceu como portrait; a moldura sóbria e a disposição das diversas fotos como uma galeria de retratos clássica; e pronto: o espectador  cabelos no que são os pelos do esfregão,  nariz e boca em detalhes do centro do esfregão, onde se encaixa o cabo; e vê olhos nas formas simétricas à linha central. Um rosto, outro rosto, vários rostos; e a contraposição de tantos rostos diferentes faz com que cada um deles imediatamente adquira personalidade própria. Incrível, a "contaminação" do espectador a partir do momento em que vê o primeiro rosto é intensa; até uma das fotos onde a simetria é destruída com os pelos do esfregão cobrindo uma das metades da "face", é vista como um retrato (algo como uma Veronica Lake com o cabelo em ondas cobrindo todo um lado do rosto). E a "contaminação" máxima é a foto onde só se vê o cabo e os pelos do objeto: entendida imediatamente pelo espectador como a cabeça de uma pessoa de costas, não se consegue mais vê-lo simplesmente como um esfregão encostado em uma parede. Witty, sim, mas profundo, ao questionar os limites da percepção de forma simples e criativa.


2- Na Galeria AmarelonegroHome... sweet home... sweet home... sweet home, exposição de Rogério Degaki. São 7 esculturas do artista paulista, em resina, agrupadas como uma instalação, um lar, com direito a "tijolinhos aparentes" brilhantes, em uma parede; segundo o artista, como disse Dorothy de “O Mágico de Oz”: “Não há lugar melhor do que a nossa casa!” E os personagens-esculturas, coloridos, estranhos e simpáticos, incrivelmente simpáticos, estão espalhados neste espaço que não é mais o Cubo Branco da galeria e sim um lar. Penso no "quero voltar para casa", do ET do Spilberg, e penso em como eu queria ter algum deles comigo em meu lar intergalático...



3- Na Caixa Cultural, gravuras de Wifredo Lam. Uma exposição importante, raramente vemos trabalhos do artista cubano, que faleceu em 1982: . A pintura certamente é o forte de seu trabalho (vi talvez duas pinturas grandes na exposição de artistas cubanos do CCBB, e alguma coisa no acervo do MoMA), mas a obra gráfica absolutamente não fica atrás. São monstros, seres alados, dentes e garras, um clima weird todo especial; gravuras formalmente bem resolvidas, com utilização perfeita dos espaços negativos e do contraste de tratamento de diversas técnicas.



4- Esculturas de Artur Pereira, no Instituto Moreira Salles. Ao entrar na Nova Galeria do IMS, um impacto: as esculturas de madeira espalhadas, acumuladas, no Cubo Branco, como uma arca de um louco Noé. Artur Pereira é um chamado "artista popular", autodidata, de origem humilde, e com temática ligada a sua região e camada social: animais, caçadores, um presépio cercado por uma cornucópia de animais de Mata Atlântica, um homem que agoniza tendo como espectadores seus animais domésticos, seu rebanho... Mas as soluções estéticas são perfeitas, precisas; com poucos traços marcados no cedro, seu Artur define uma fisionomia de um animal com uma personalidade própria - uma jibóia irônica, um cachorro amigável, outros cachorros ferozes que perseguem onças, o medo estampado no rosto das onças perseguidas... Não "arte popular" e sim Arte.



5- Na Galeria Arte em Dobro, “A Coleção 2”, dá continuidade à proposta de venda de "pacote" com múltiplos de artistas contemporâneos em ascensão, por preços bem acessíveis. Se a primeira edição, A Coleção 1, lançada no início de 2009 (comentei aqui no blog), teve uma boa acolhida, esta segunda edição, com múltiplos de Marcelo Solá, Graziela Pinto, Felipe Barbosa, Daniel Toledo e Julio Callado, foi um sucesso estrondoso: ao chegar na Galeria a exposição já estava sendo desmontada, pois em menos de uma semana toda a edição já havia sido vendida. Sendo que os múltiplos do Marcelo Solá, por problema no transporte, nem haviam chegado ao Rio (serão entregues depois aos compradores). Como na edição anterior, boa escolha de artistas e trabalhos interessantes; o globo terrestre murcho em uma caixa de acrílico, do Daniel Toledo, é um achado! E um exemplo de como há um mercado de arte ansioso por novidades de qualidade a um bom preço.


6- O Mundo Mágico de Chagall, no MNBA, é apresentada como a maior exposição do artista no Brasil, comemorando o Ano França-Brasil, porém na realidade não é uma mega-exposição. As 309 obras apresentadas, em sua grande maioria, são gravuras, de séries como A BíbliaAs Almas MortasDafne e CloéFábulas de La Fointaine... bonitas, mas em geral em preto e branco ou com pouca cor (para mim o colorido é o ponto forte de Chagall), e forte conotação ilustrativa. Nas pinturas, onde o esplendor da arte de Chagall se mostra todo, vemos coisas boas, porém não são muitas - e a maioria de coleções particulares brasileiras. Vale à pena ver, sim, uma boa exposição mas, da mesma forma que a exposição do Matisse apresentada na Pinacoteca de São Paulo, sem acreditar muito na grandiosidade indicada pela midia.

7 - No Instituto Moreira Salles, exposição Maureen Bisilliat: fotografias, com mais de 250 imagens da fotógrafa inglesa radicada no Brasil, trazendo fotos das séries mais conhecidas da artista, como as que retratam o universo de Guimarães Rosa, os índios do Xingu, os sertões de Euclides e as viagens ao altiplano boliviano, à China e ao Japão. Complementam a exposição objetos e documentos pessoais da fotógrafa, como o sensível caderno feito durante os meses da doença do pai de Maureen: a cada dia, a artista buscava um livro na estante, abria o livro e fazia uma xerox do trecho ao qual chegara aleatoriamente; e todos os textos e o caderno como um todo traziam uma relação com o momento de agonia que viviam pai e filha.


8- Na Galeria Márcia Barroso do Amaral, novas gravuras de Tomie Othake. Muito bonitas, impecáveis, e é bom ver o trabalho coerente da artista nos seus 96 anos.

9 - Exposição coletiva no Crânio, simpático espaço de artes e cultura na Rua Pacheco Leão, no Jardim Botânico, são pinturas, fotografias e objetos dos artistas Bianca MadrugaCláudio MontagnaLetícia TandetaMárcia de AlmeidaRicardo FerreiraUrsula Tautz e Vlad da Hora.


10 - Multiplo Coletivo, na Galeria Inox, uma coletiva dos artistas Afonso TostesAlê SoutoAlexandre OrionCarlos ContenteJosé TannuriMarcelo LagoMarcos CardosoMaurício BentesSmael  Toyota. São múltiplos, bem interessantes, e o acervo da Galeria, que abriu recentemente, também apresenta coisas muitos boas, em destaque a linda gravura da Beatriz Milhazes feita para o número especial da Parkett Magazine, que já comentei aqui no blog.


11 - Minha visita ao Paço Imperial, logo após a abertura das exposições, foi prejudicada pela greve dos servidores da cultura. Assim, desta vez, pude retornar ao Paço e ver: Ícones do Design Francês (bonita exposição, além dos ícones do design francês, alguns ícones do design brasileiro, um contraponto entre a Caneta Bic e a Sandálias Havaianas, less is more), Julio Villani (o artista trabalha com reprodução, em tamanho grande, de fotografias antigas, interferindo nas mesmas com formas geométricas em cores fortes, em tinta a óleo, bem espessa, o óleo da tinta se espalha como sombras pelo papel e as formas criam novas realidades para as fotografias; e também as formas geométricas a óleo sobre manuscritos antigos; além de um vídeo em díptico, com papagaios que brincam com objetos como uma reprodução da Monalisa; gosto do trabalho do artista) e as fotografias de Alair Gomes, A New Sentimental Journey, com fotos de estátuas greco-romanas e a renascentistas com o mesmo olhar lançado pelo fotógrafo sobre os meninos do Rio.
Transcrevo aqui o comentário que já fiz no blog sobre o trabalho do artista: Alair é um fotógrafo, morto de forma violenta no auge de sua produção, cuja obra - séries de fotos de rapazes se exercitando na praia - sempre é revisitada com muito prazer. Desta vez são fotos e texto, de uma viagem a Europa, onde as esculturas clássicas de homens ganham o mesmo tratamento terno e apaixonado dado às imagens dos rapazes. Miguel Rio Branco editou as centenas de fotos em sequencias, dentro da linguagem de Alair. Um livro, A New Sentimental Journey, registra e acompanha a exposição. Uma dúvida que tenho, Alair desenvolveu seu trabalho de uma foram discreta, só expôs em 1984 (Galeria do Centro Cultural Candido Mendes), com retorno altamente favorável. Se fosse hoje, onde o politicamente correto comanda, ele não seria acusado de pedofilia, voyerismo,  apropriação da imagem das pessoas fotografadas à revelia? Talvez nossos dias e o futuro acabem com a possibilidade de trabalhos que, através da transgressão, chegam ao sublime.


12- Na Casa França-Brasil, uma grandiosa instalação da artista Iole de Freitas, cujo trabalho vimos recentemente também na Galeria Laura Marsiaj. Se no espaço da Galeria a artista usa o peso, uma instalação que como que "voa baixo", ocupando todo o cubo branco, no espaço generoso da Casa França-Brasil a artista prefere voar alto, sutil, silenciosa, não interferindo e sim realçando a arquitetura e os detalhes de ornamentação do prédio. 

13- Galeria Paulo Figueiredo, com gravuras em madeira do artista Fernando Mendonça. São pequenas matrizes e xilogravuras, em traços rústicos, de cenas de quotidiano.

14- Galeria Movimento, No Risco do Traço de
Mateu Velasco, são pinturas ancoradas no grafite e no design, figuras humanas com cabelos que se transformam em tentáculos, forte lembrança de uma estética art-nouveau atualizada para o contemporâneo.


15- Margaret Mee, 100 anos de vida e obra, no Centro Cultural dos Correios, é a mesma exposição que vi na Pinacoteca de SP e que comentei, talvez de forma um tanto crítica, aqui no blog (veja o comentário).

16-
Bandeira de Mello, Eu existo assim, na Caixa Cultural. O artista, nascido em 1929 e com uma atuação voltada para a arte acadêmica, para o ensino e para obras em lugares públicos (os murais no próprio espaço da Caixa Cultural complementam a exposição) está sendo redescoberto nesta exposição.

17 -
J Bosco Renaud, na Galeria de Arte Maria de Lourdes Mendes de Almeida (Centro Cultural Cândido Mendes), objetos, desenhos e técnica mista, sob o tema de plungers (desentupidores de pia): no espaço, na Lua, invadindo paisagens, ampliados...



18-
Pierre et Gilles, A Apoteose do Sublime, no OI Futuro, curadoria de Marcos Lontra, design do Alvaro Seixas. A dupla de artistas franceses monta os cenários, fotografa, pinta sobre as fotos, seleciona molduras que acentuam o caráter kitsch-fantástico-hype dos retratos, de modelos desconhecidos (e belos) ou de famosos (Madonna...). Como escreve o curador, "O trabalho de Pierre et Gilles, cheio de vitalidade, é próximo do espírito brasileiro, especialmente da cidade do Rio de Janeiro, tendo em vista sua exuberância, intensidade cromática, sensualidade e mistura tipicamente Kitsch, nos fazendo remeter às alegorias e fantasias dos desfiles de escolas de samba brasileiras (…) o mundo contemporâneo está saturado de imagens, elas estão em toda a parte. Um dos papéis mais importantes da ação artística é selecionar dentre essas imagens, proporcionando-lhes novas direções e conceitos. Todas as imagens são, portanto, passíveis de manipulação artística, e é isso o que fazem, de forma singular, Pierre e Gilles." Vale à pena ver.




19 e 20 - E ainda duas exposições de Leilões: Bolsa de Arte e Soraya Cals, com ótimos catálogos (o da Soraya Cals, um livro muito bem editado, com texto do Frederico Morais, não é vendido, e o da Bolsa de Arte, mantem o bom padrão e é vendido por R$25,00 com renda revertida para obras beneficientes). Vale a pena circular por estas exposições de Leilões; normalmente são muito heterogêneas, mas sempre se encontra surpresas; e os catálogos são boa fonte de consulta, inclusive pelas estimativas de preço que trazem. Na Soraya Cals, uma surpresa para mim: 4 aquarelas de um artista dos anos 1970 que aparentemente havia "desaparecido", Luiz Gonzaga Beltrame, as aquarelas são dos anos 1970 e o catálogo tem uma pequena nota biográfica. Vi uma exposição individual do artista em 1974 na Galeria Real, no Rio, e também em alguns salões, o trabalho dele era um cult em meio à descobertas do Oriente ("Se Oriente, rapaz..." cantávamos como Gal e Gil), pequenas e delicadas aquarelas com espaços místicos e estranhos; depois, nos anos 1980, não vi mais nada sobre o artista; que agora aparece no leilão, está registrado no Catálogo e, logo depois, podemos já ler sobre ele na internet.

Algumas fotos dos vernissages destas exposições estão no site Só Arte Contemporânea

2 comentários:

Vlad da Hora disse...

Uma panorâmica precisa e pontual sobre o que ocorre no mundo da arte do Rio. Parabéns!

danielle carcav disse...

Adorei essa panorâmica...algumas dessas exposições eu já fui mas me deu vontade de ir no que ainda tá acontecendo. parabéns!!!!!!!!!!!