sábado, 29 de agosto de 2009

Maria Leontina, Desenho em Risco, Rio


No Rio, um lindo sábado, a descida no Santos Dumont é um maravilhoso visual sempre renovado, depois o Aterro e a Atlântica em dia de praia me fazem nem prestar atenção na conversa chata do motorista do táxi.
À tarde, na Caixa Cultural, um compromisso agendado: visita guiada com Sérgio Pizoli, o curador da belíssima exposição da artista Maria Leontina, Desenho em Risco. E finalmente conhecer minha amiga virtual, do Facebook, Alexandra Archer, produtora executiva da exposição. Com direito ao lançamento do catálogo e, principalmente, poder ver o tesouro que estava há 25 anos guardado em uma mapoteca e que veio ao público a partir da iniciativa de Alexandra e Sérgio, com o apoio do artista Alexandre Dacosta (filho da Maria Leontina e do Milton Dacosta).
Sim, um tesouro.

Música de câmara. Poesia. A placidez de roupas secando em um varal. A religiosidade de estandartes, de mulheres contritas, de santos. Cor, cor, cor, gesto.
Um vídeo feito pelo Alexandre Dacosta registra, com amor filial e sensibilidade de artista, as formas precisas e as cores sutis ou audaciosas, do trabalho de Maria Leontina.
A montagem da exposição é muito bem resolvida, as obras fluem nas paredes, no espaço, se consegue mostrar cerca de 250 desenhos sem ficar pesado, cansativo, pelo contrário, uma narrativa leve e plena de significados. Em duas mesas/vitrines, uma amostra do que seriam as gavetas da mapoteca ao primeiro olhar do curador; e a réplica de 3 dos cadernos expostos, que permitem ao espectador o manuseio, a descoberta, página a página, do processo da artista: alguns desenhos, simples anotações, outros, desenhos prontos, outros, apontamentos que vemos realizados depois, em pinturas majestosas.



A narrativa do curador flui, na visita guiada, ao falar sobre o impacto de descobrir aquele material tão importante, tão bem preservado pelo Alexandre Dacosta; ao falar sobre a Bienal de 1955 quando Leontina enviou, não obras espetaculares de estética-Bienal, e sim pequenos desenhos com linhas delicadas, conseguindo aclamação da crítica; as ousadias de cor da artista (azuis e lilazes, laranjas e amarelos.); e muito mais.
Uma exposição de primeira, focada em um aspecto da obra da Maria Leontina, o desenho; e mostrando obras inéditas; com um bom catálogo. Uma exposição para se ver e rever.
Ah sim, e finalmente conheci minha amiga virtual e pude parabenizá-la e ao curador por tão linda exposição. Os pais de Alexandra e meus pais foram amigos, militaram juntos na luta contra a ditadura militar, eu me lembro de tê-la visto ainda um bebê, e agora nos encontramos neste mundo virtual maravilhoso que é o Facebook.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Auto-retratos (com Ipês Amarelos)



Em plena secura (e pelo meu relógio mental este ano um pouco mais cedo), eles começaram a florir, tímidos, ainda no final de julho. Falo dos ipês amarelos, de Brasília, que se espalham, isolados entre outras árvores, por diversos lugares no cerrado. Durante o ano todo eles se confundem, disfarçados de humildes, entre as outras árvores e a vegetação baixa; para nesta época resplandecerem, ouro sobre o céu de puro azul quase sem nuvens.
O ponto máximo é onde eles se reúnem, no coração do Plano, a Praça dos Três Poderes, talvez duas ou três dezenas, em fileiras regulares (eles que nos diversos jardins são vistos quase sempre isolados), no jardim do lado esquerdo do Congresso, fazendo um contraponto ao jardim do lado direito com as fileiras regulares de verdes palmeiras imperiais.

(Acho que já comentei aqui em meu blog que esta composição de verde/amarelo foi uma sugestão do Le Corbusier que o Lúcio Costa incorporou aos símbolos da capital, homenageando também por tabela os Bragança e os Habsburgos, fundadores da Nação Brasileira com a Independência, cujas cores, o verde-bandeira e o amarelo-ouro liguram em nossas bandeiras desde o Império e, sabiamente, não foram cassados pelo positivismo nem por outros ismos).
Mas os da Praça ainda não estão florindo, eles se guardam como que programados geneticamente para explodir nos primeiros dias de setembro, talvez marcando mais a data quando se comemora o nascimento do Brasil como Nação.
Já os precoces, os inquietos, estes já estão radiantes, em meio à grama seca; no final de semana que passou a secura diminuiu, e a grama começa a brotar; e os ipês ficam ainda mais lindos, como que lavados com a chuva que começa a cair.
Há outros, os roxos que florescem antes; os brancos que florescem quase ao mesmo tempo que os amarelos (a fileira de ipês brancos abaixo do nível da Esplanada, na ligação entre a L2 Sul e a Norte, está florindo, e causando uma boa surpresa a quem vem pelo Eixo e os vê como que emergindo, só flores, da terra vermelha); mais no final do ano serão os flamboyant (destes o Plano é pródigo, trazidos no início da construção de Brasília; e agora desprezados e odiados - injustamente, digo eu - como exóticos, pelos que acham que Brasília só deveria ter vegetação nativa). Mas os meus preferidos são certamente os ipês amarelos.
Trouxe a visão destas árvores para acompanhar minha imagem em nova série de auto-retratos, pequenas pinturas de cores fortes, tinta espessa e gestual largo.

domingo, 23 de agosto de 2009

Lembrando Emil Forman


Início de 1973, eu frequentava o Centro de Pesquisa de Arte, na Rua Paul Redfern, em Ipanema, onde tive meu primeiro contato sério com a arte, nas aulas com o Ivan Serpa, em 1972. Em 1973 este mundo estava ruindo, com a doença do Ivan, que culminou em sua morte, em abril. Uma noite antes da aula a querida Jenny, discretamente como sempre agiu e viveu, me falou de um momento também difícil, e que a família do Emil estava se desfazendo de alguns desenhos dele, uns poucos, apenas para pessoas especiais que poderiam curtir o trabalho... Forço a memória, era logo depois do Carnaval, apenas três ou quatro pequenos desenhos em uma pasta, e as instruções eram estas: "discrição" e "pessoas especiais", já que o Emil não queria vender seus trabalhos; assim pelo menos a família teria mais possibilidade de que depois ele aprovasse o que fora feito neste momento tão difícil.


O desenho que escolhi, uma sutil intervenção com lápis de cor vermelho alaranjado em papel antigo, cheio de marcas do tempo; para ser visto sem um cima/baixo fixo (quatro pequenas assinaturas nos quatro lados do papel marcam esta volatilidade). O tema: nuvens? pedras? um mistério, formas levemente orgânicas em suspensão, em atração e repulsão, em um espaço marcado pelas manchas do tempo no papel antigo.

Nas aulas do Ivan o Emil sempre chegava tarde. Muito jovem, tinha então 20 anos, mas já a personalidade forte e o trabalho definido; muito branco, louro, alto, sempre com roupas escuras; tom de voz baixo, porém seguro, sem timidez; uma suavidade, uma certa aloofness que sempre foi sua característica; mas sob a suavidade estava uma pessoa forte, determinada, precocemente maduro; vindo de um debacle de uma família tradicional, muito rica, uma aristocracia carioca que muito perdera nas mudanças da economia na década. A aula estava pelo meio quando ele chegava, com uma pastinha debaixo do braço; o Ivan perguntava, "trabalhou, Emil?" ele sorria como que envergonhado e dizia, "fiz uns desenhos de ônibus", abria a pasta e mostrava dezenas e dezenas de desenhos feitos com canetas hidrográficas, possivelmente criados em um banco do fundo de um ônibus que o traria da Praia do Flamengo a Ipanema; e os desenhos eram as mesmas formas, nuvens? pedras? só que em um tratamento mais gestual (como os desenhos feitos depois em NYC que são uma parte mais conhecida da obra do artista); os desenhos passavam de mão em mão, um silêncio reverente se fazia, e o Ivan aprovava; um dia alguém falou, meio sério meio boutade, que as formas seriam "desenhos de cocô"; se esta fosse realmente a temática, seria uma antecipação em mais de 30 anos ao Copromanta Jonas da Patrícia Melo.
Enfim, naquela noite escolhi o desenho. Após a convalescença do Emil, conversei com ele sobre o desenho que estava comigo, sobre o mistério das formas, a poesia do lápis de cor suave sobre o papel gasto, as alternativas para exibi-lo; reciclei uma moldura antiga, discreta; e ele achou que estava bom.
No decorrer de 1973 nossa amizade se estreitou, depois o Emil foi morar em Paris, depois em NYC, e em uma época onde não havia email, voip, facebook, nosso contato continuou intenso porém esporádico. Tenho até hoje comigo pequenos desenhos (um lindo caju em uma folha de caderneta de anotações e outros), objetos (fotos ready-made), um envelope onde fizemos em lápis de cor um trabalho conjunto (um cadavre-exquis)... e principalmente lembranças, boas lembranças, fortes lembranças...

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Movimento D: Meu Prazer, Márcia Milhazes (CCBB-BSB)


Mal se abre a cortina do palco, ouço um "oh!!!" de admiração, vindo de alguém atrás de mim, na platéia do CCBB de Brasília, onde Márcia Milhazes Companhia de Dança apresenta seu mais novo espetáculo, Meu Prazer.
A interjeição é para o cenário de Beatriz Milhazes, irmã da coreógrafa. São flores, círculos, mandalas, bem coloridos; na luz "matutina" do início do espetáculo, parecem saídos de um desenho infantil; mais tarde, respondendo às sutis mudanças na luz (a iluminação é de Gláucia Milhazes, mãe das artistas), se transformam em flores pulsantes, em brilhos noturnos, círculos vivos, medusas.
Márcia tem trabalhado com cenários de Beatriz, e a combinação é perfeita; mas o espetáculo não é só o cenário, o trabalho da coreógrafa soma, com acerto e precisão, todos os elementos para falar da "tentativa de encontro entre quatro pessoas solitárias, carregadas por suas histórias pessoais": música (todas brasileiras e hoje pouco conhecidas, seleções que juntam Sílvio Caldas de 1938 e Henrique Oswald de 1908), um trabalho de corpo primososo, a expressividade e vitalidade dos bailarinos, ritmo e uma dinâmica de ocupação do espaço cênico.
No início, os dançarinos não se tocam; traçam suas trajetórias, se aproximam, se olham, se prendem pelo olhar, mas não se tocam; o "matutino" é como uma história de incomunicabilidade, da solidão; de gestos repetidos, extremados, violentos; enxurrada, tsunami; e também sutis, interiorizados; mas não de troca. O esforço dos gestos se materializa em suor, em respirações entrecortadas, que são vividas em quatro solidões, dos quatro personagens no palco.
(Ao falar sobre seu trabalho após a sessão, Márcia fala de uma sala de um Museu onde a porta é fechada, a chave se perde, e os quatro visitantes tem que interagir durante o período em que dura a clausura; ao se abrir de novo a porta, tudo se acaba; mas naqueles momentos de Huis Clos, a partir da interação, a vida dos quatro pode ter mudado para sempre; ou não...)
O momento onde finalmente acontece o primeiro toque, a primeira troca, é marcado por um lindo e contemporâneo pas de deux, um girar sem fim do dançarino com a dançarina, em torno do eixo, até a vertigem; o homem firme é o eixo, e a mulher se deixa levar, rodar, se entrega; até a vertigem; a vertigem. A partir daí, a luz e o cenário já são vespertinos, e mostram que que o encontro existe, é possível, que as solidões e os individuais podem se somar, se encontrar, e que este encontro é um abismo que traga as individualidades.
O esforço dos movimentos já é o esforço físico de um encontro, e o suor e as respirações agora são o arfar deste encontro que tem um erotismo, uma carnalidade, uma transcendência e um êxtase.
De repente, não mais que de repente. As flores infantis do cenário no início do espetáculo são agora plantas carnívoras, ventosas, redemoinhos; e o movimento e a música marcam os momentos onde é possível se sair da solidão, do individualismo, para uma nova realidade, que alguns chamam de amor. Falasse eu as línguas dos anjos, e não tivesse o amor, nada seria.
O amor, o dionisíaco, o orgiástico, o transcendente, o inominável; o se perder; o nada ter, nada querer, nada esperar, nada procurar. O momento único, onde mergulhamos no segredo do Universo; onde somos Deus, onde somos Nada, onde criamos e somos criados, onde mergulhamos no sem-tempo, no sem-futuro, no sem-passado, no fluir eterno.
E Meu Prazer segue, e não é um espetáculo linear, muito pelo contrário, pois o momento do êxtase logo se transmuda em movimento, em mais música e mais corpo, mais espaço, mais beleza.
Outro momento forte, desta vez um acrobático pas de deux masculino (que me remete aos inesquecíveis Béjart), forte, de um erotismo transfigurado; uma entrada de um universo fálico em um espetáculo que transborda uma feminilidade arquetípica; um erotismo grego, pré-cristão; como os verdadeiros jogos olímpicos de uma arcádia que já se foi; como uma leitura coreográfica do Banquete de Platão ou de um poema de Kaváfis.
Ao final, a dançarina solitária, com os movimentos repetitivos e olhar e o esgar que nos fazem supor um êxtase, é como uma Santa Tereza de Bernini, a imagem do êxtase, como as mulheres o sentem, o misterioso orgasmo feminino ("mas afinal, o que querem as mulheres?" pergunta Freud), enquanto a luz vespertina se torna noite, e o brilho dos elementos do cenário que rompem o escuro e que vão ficando nas retinas dos espectadores, junto com os movimentos e olhares da dançarina, exatamente como um orgasmo, como o que fica quando se goza e fecha os olhos e cores e formas nos indicam que sim, desta vez chegamos lá, e lá estamos, e este é o Paraíso de onde fomos expulsos mas onde só voltamos ao gozarmos. Silêncio. Palmas. Cortinas fechadas. Palmas. Obrigado, Márcia, Beatriz e Gláucia. Obrigado, Al Crispinn, Ana Amélia Vianna, Felipe Padilha e Fernanda Reis. Obrigado.

Outros links:
Marcia Milhazes no Youtube

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Exposições no Rio - 5 (na verdade, Niterói)


É um lugar comum falar da beleza do MAC, bem como das dificuldades que ele apresenta para ocupação por uma exposição: as paredes curvas, a competição entre a vista magnífica e as obras de arte... Mas esqueço tudo isso ao chegar ao Museu, em um lindo dia de sol, e me deixar invadir pela beleza das formas criadas pelo Niemeyer e da paisagem, das formas sobre a paisagem, da paisagem que invade as janelas estrategicamente posicionadas...
Nosso almoço foi no Bistrô do MAC, um pouco caro em relação ao que oferece (a menos, claro, da vista...). Niterói em termos de serviços é um pouco como Brasília (ou como o Nordeste), muita simpatia mas um certo "atolamento", enfim... mas a comida satisfez.
Três exposições em cartaz no Museu:
1- "Migranti", do artista italiano Sergio Fermariello: São pinturas e "figuras hieroglíficas", em aço recortado.
2- Arte Contemporânea Brasileira, coletiva com obras das Coleções João Sattamini e do MAC, uma boa exposição, boa oportunidade de rever boas obras como uma instalação do José Rufino, bonitas telas da Beatriz Milhazes e do Daniel Senise, um duo de imagens vestidas do Efraim, e outras.

3- Rota, exposição do artista Afonso Tostes, com curadoria de Guilherme Bueno.
A mostra não é descrita como uma retrospectiva do artista, porém a presença de momentos diversos de sua carreira do artista oferecem um pequeno panorama de sua trajetória, no que diz respeito aos trabalhos tridimensionais (em uma exposição no Paço há alguns anos pude ver, ao lado das esculturas, bonitas pinturas, grandes, do Afonso Tostes, mas no meu entendimento o ponto forte são mesmo as obras que estão neste recorte exposto no MAC).


Assim, podemos ver as esculturas em madeira com as quais o artista inicia sua pesquisa escultórica, e que funcionam muito bem em conjuntos, instalações ("florestas") como nesta mostra, são as "pernas de três". E trabalhos inéditos: a série "perna de árvore", mistura de escultura e galhos de árvore; "sem limite", esculturas montadas em bases brancas menores que as peças, fazendo com que boa parte da obra fique para fora do suporte; e uma terceira série intitulada "de dentro para fora ou escalada", com ossos de resina acrílica montados como se estivessem saindo da parede, ou como uma parede de escalada. A exposição está instalada na varanda, e portanto competindo com a bela paisagem, mas a obra do Afonso Tostes tem uma força orgânica e uma precisão que a fazem sustentar bem o confronto. E que nos fazem desejar ver mais da produção do artista.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Exposições no Rio - 4


No Parque Lage, o espaço das Cavalariças está sendo ocupado, desde o final de julho, pelo Projeto 2 em 1, que reuniu 5 duplas de artistas e 1 dupla de curadores (Cabot|Daniel Toledo, Simone Michelin|Ricardo Ventura, Marta Jourdan|Barrão, Domingos Guimaraens|Luiz Aphonsus, Daniela Labra|Felipe Scovino e Suely Farhi|Carol Valansi) para exatamente isso: uma ocupação do espaço, que questiona a estrutura de uma exposição de arte e do espaço expositivo, a autoria da obra de arte e também a hierarquia artista-curador.
Além disso, a proposta acrescenta outras visões, enfatizando a variedade de linguagens utilizáveis pela produção artística atual, agregando uma performance-gastronômica da chef Rebeca Lockwood, com direito a garçons-anões (o que causou polêmica na mídia, nesta época do império do politicamente correto...) às propostas mais comumente vistas em exposições contemporâneas: intervenção arquitetural (Roberto Cabot e Daniel Toledo), arte sonora (Barrão e Marta Jourdan), video-performance (Daniela Labra e Felipe Scovino), fotografia (Luiz Alphonsus e Domingos Guimaraens), ambientação (Suely Farhi e Caroline Valansi) e instalação multimídia (Simone Michelin e Ricardo Ventura).
O resultado, uma exposição que rompe as barreiras entre as obras expostas e incorpora o espaço e os espectadores, transformando-se em um corpo enorme, orgânico, imenso, autônomo, com uma vida e desejos próprios.
Isto fica muito evidente na noite da abertura, pois o público interage, o bar "bomba", a chuva fina obriga todos a se apertarem por entre as obras, os fotógrafos e videomakers e celulares tudo registram... até que tudo é obra, tudo é público, tudo é uma coisa só.
Alguns trabalhos, como o "quarto escuro" (perfeito!) do Barrão e da Marta Jourdan, tem uma existência autônoma, até pelo espaço "separado" que ocupa; ou a enorme instalação com "a cor vermelha" de milhares de lápis de cor descascados, uma balança e luz, muita e precisa luz (da dupla Suely Farhi e Caroline Valansi); mas mesmo eles se integram ao que é um todo, o prédio das Cavalariças transfigurado em obra de arte, e no qual até os garções-anões tem tudo a ver... Esta foi a minha dificuldade, ao retornar da abertura da exposição, eu queria escrever no blog sobre cada um dos trabalhos, mas eu mesmo não sabia onde começava cada trabalho e acabava o outro, assim optei por um silêncio estratégico...
...até que encontrei (na verdade, conheci no mundo real uma já grande amiga virtual) a artista Suely Farhi, com a qual pude conversar sobre a minha dificuldade, e entender que este meu problema era na verdade uma prova do acerto da proposta da exposição, na medida em que uma das premissas do Projeto 2 em 1 é exatamente a diluição da autoria, indo além mesmo das duplas para chegar a uma exposição coesa, dentro da multiplicidade de linguagens.
Fiat lux! é como se a exposição fizesse um corte ortogonal, em um eixo a multiplicidade de linguagens (0 a 100%), em outro eixo a diluição da autoria (0 a 100%); e tivesse alcançado um equilíbrio difícil... pois à medida que se aumenta a multiplicidade de linguagens fica mais difícil conseguir uma coesão/integração de propostas que é a premissa para a diluição de autorias; e vice versa; pois bem, ao meu ver, o Projeto 2 em 1 conseguiu atingir este delicado equilíbrio neste quadrante marcado pelos eixos citados (obrigado, Descartes...)
Com esta visão, o trabalho cresce, talvez seja a exposição carioca recente mais bem fechada conceitualmente, e vale à pena rever...

Mais:
O blog do Projeto 2 em 1
Fotos da inauguração no site do Odir Almeida, www.soartecontemporanea.com

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Exposições no Rio - 3


Em post anterior falei sobre a beleza do Rio, e nada como lindos dias no Rio, especialmente em Ipanema, para comprovar. O sol na medida para espantar o inverno e os vírus da Influenza A, o mar de uma cor linda, o céu de puro azul, pessoas bonitas no calçadão...
E na Galeria Ipanema, as fotos de César Barreto em Novo Pouso, Novas Imagens, mostram o Rio de Janeiro em toda a sua beleza: montanhas, mar, nuvens, árvores; em preto & branco, com uma nitidez impressionante, conseguem transmitir a cor do rio, o movimento das ondas, o vento nas nuvens... E também fotos da série Moedas de Areia, são fotos de moedas desgastadas, oxidadas, pelo tempo e pelas intempéries, em ampliações que nos fazem vê-las não como objetos quotidianos mas como ícones misteriosos de um passado. Além disso, parte do acervo da tradicional galeria: 2 lindos Ivan Serpa da série Geomântica, Maria Leontina e Milton Dacosta, Mabe, Waltercio, até uma tela grande da inglesa contemporânea Sarah Morris.

Na Galeria Laura Alvim, em nuvem, Laura Lima transformou a varanda fechada por vidros, com sua visão para a praia cheia e o mar azul, em um estranho fumoir, com cachimbos e charutos refeitos, em estranhos formatos, pela artista. Nos dias de hoje, sob o império do antitabagismo, um fumoir é um anacronismo e também uma coisa extremamente transgressora; e a nuvem de fumaça envolve a exposição neste clima. São fotos antigas, de um livro sobre Art Nouveau, transmudadas com o Photoshop em delírios surrealistas; elementos das fotos, como as mãos que saem de uma parede para segurar um quadro, são colocados pela artista na galeria, não como representação mas como mãos humanas que saem da parede e seguram, exibem, o quadro (a foto antiga com as interferências), um castiçal com uma lâmpada, ou ajudam os usuários do fumoir; uma orelha humana, com um brinco enorme, sai de um pequeno orifício da parede...

Ainda: no fumoir, um pequeno castelo de areia é usado como um cinzeiro, dezenas de guimbas de cigarros o perfuram como setas, como espinhos, como apêndices mal-cheirosos em uma representação de pureza da infância... Um clima mágico, onírico, surrealista mesmo (as mãos que seguram tocheiros em A Bela e a Fera do Cocteau). Uma bela exposição, um trabalho bem pesquisado e bem executado, forte e suave como a fumaça mentolada...
Na Galeria Laura Marsiaj, uma exposição da artista Celina Yamauchi e, no Anexo, três grandes telas do Arjan. A artista paulista trabalha com fotos/negativos que são scaneados, imagens de dois ou mais negativos são justapostas, e o resultado final é impresso digitalmente; é como uma foto digital feita a partir de fotos analógicas; e a desconstrução da fotografia fica mais evidente quando a artista inclui desenhos, rabiscos, sobre os negativos, reforçando ou comentando suas imagens com traços rápidos com a pulsação da mão humana. Em alguns, o desenho (a linha) vem de réstias de luz, a foto+grafia.

Já o artista carioca ocupa com suas telas o espaço do Anexo; propositalmente, do piso ao teto, de parede a parede, esmagando o espectador, uma Capela Sistina profana. O traço do artista, vivo, fluido e carregado; palavras escritas, vestígios de latim; ossos e crânios, corpos em torção; recobertos de tinta, de velaturas, de escorridos; nuvens, vertigem, um pulsar de imagens, e ao mesmo tempo uma calma de um céu, de um paraíso para sempre perdido.

Na Galeria Maria de Lourdes Mendes de Almeida, do Centro Cultural Candido Mendes, Regina Váter apresenta VerVê ou Olho da Onça, uma instalação, desenhos e fotografias apresentando, segundo a artista, a sua "maneira xamanística de abordar a arte". A instalação é um grande desenho, no piso da galeria, feito em milho, arroz e feijão preto, compondo figuras em espiral que remetem à forma da onça pintada. As fotos, “natureza eletrônica”, como comenta a artista, são ampliações de trechos de documentários animais vistos em uma tela de televisão com cores e brilhos distorcidos.

sábado, 15 de agosto de 2009

Exposições no Rio - 2

Na 5a.feira passada fui à abertura de duas boas exposições, no Baixo Gávea, encontrei amigos, conheci pessoalmente amigos virtuais, conversas inteligentes, tudo contribuiu para uma noite bem agradável, uma festa como costumava ser o Rio e, vejo ainda continua, em lugares e momentos especiais...
Artur Lescher na Galeria Anita Schwartz. No salão monumental da galeria, Máquina, uma escultura de malha e tubos de aço inox, é como que gigantesco tear de ficção-científica; pelos espaços, peças articuladas, em madeira; e no terraço, ao ar livre, enorme colchão de água de um azul profundo é como um mar fluído, onde se pode deitar e flutuar e observar o céu limpo, com estrelas e o Cristo Redentor.
Outro vai ser, na Galeria Anna Maria Niemeyer da Praça Santos Dumont, é uma coletiva com obras sobre papel, dos artistas Ana Miguel, Cristina Salgado, Monica Barki e Victor Arruda. A curadoria é do artista Carlos Martins. As diferentes trajetórias dos artistas faz com que as obras sejam bem diferenciadas, do desenho a uma instalação (com papel) da Ana Miguel (Amor a Kafka: relato de viagem), mas a exposição está harmônica e bem interessante.
Já na 6a.feira, no Centro da Cidade, no belo prédio do Centro Cultural da Justiça Federal, a coletiva Vem na Mão apresenta obras de Alê Souto, Antonio Bokel, Bernardo Ramalho, Elvis Almeida, Gustavo Speridião, Julio Castro, Marcelo Eco, Márcio Mitkay, Nueve Polar, Ozi, Paulo Santos, Petite Poupée 7 e Smael. O link entre eles é a temática urbana, a carga gestual e o graffiti, e a sisudez e imponência da arquitetura do prédio contrasta com o frescor e a contemporaneidade da mostra.
Depois, um capuccino da Kopenhagen da Senador Dantas, um luxo!

(para ver as fotos dos vernissages, entre no site do fotógrafo Odir Almeida, www.soartecontemporanea.com)

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Exposições no Rio - 1 (MAM)

O Rio de Janeiro é tão maravilhosamente lindo (apesar do esforço dos seus governantes em acabar com ele) que nem precisava ter uma vida cultural, poderia ser apenas um balneário, com a vida noturna e a praia e a sensualidade... Mas o Rio tem uma vida cultural, intensa, de qualidade; em termos de artes visuais, muitas coisas acontecendo; e eu, que vim para alguns dias de conflitos e tensão no trabalho, usei bem minhas horas vagas.
Hoje, por exemplo, uma linda 6a.feira (thanks God!), no meu horário de almoço fui, caminhando, até o MAM. O entorno está bem cuidado, bem policiado, sem os mendigos que em outros governos faziam sua casa sob as passarelas do Redig de Campos e se banhavam seminus no lago do Burle Marx.
No caminho, a ocupação do antigo prédio da Esso (imortalizado na canção Paisagem Inútil, do Caetano - "Mas já se acende e flutua/No alto do céu uma lua/Oval, vermelha e azul/No alto do céu do Rio/Uma lua oval da Esso/Comove e ilumina o beijo/Dos pobres tristes felizes/Corações amantes do nosso Brasil") por uma Universidade criou uma agradável praça onde os estudantes e não estudantes almoçam saladas, conversam e bebem revigorantes expressos.
É bom, é um Rio que funciona, onde os turistas (como a menina que encontrei indo ao MAM mas que estava na verdade procurando o Museu Histórico) podem levar suas cameras, descontraídos, podem ver a beleza da paisagem, da arte brasileira, da arquitetura e paisagismo brasileiros... Qual a fórmula? simples (acho eu), um bom policiamento, localizado a partir da praça em frente ao lago do MAM. Enfim.
1- Biblioteca, do artista Araken. São livros, montados a partir de pinturas do artista, alguns são pinturas sobre páginas de livros, catálogos, um grande livro/album, sensacional em sua capa de pelo de vaca em manchas pretas e brancas. Os livros estão colocados, como uma sala de leitura, sobre duas mesas no formato de asas de um avião (inclusive com os flaps posicionados para aterrisagem). É claro, o pintor foi um aviador. Um video nos mostra as pinturas, abstratas em sua maioria, que compõem os livros. Coloridos intensos, texturas, experiências com materiais. A trilha sonora é Ravel (bom, pelo menos não é o Bolero).

2- Retrospectiva de Noêmia Guerra. A artista participou de movimentos importantes na arte brasileira, como o Salão Preto e Branco; depois morou fora do Brasil muito tempo, e quando retornou, já nos anos 2000, trouxe seu acervo para o Brasil; é de uma família carioca tradicional; este ano completaria 90 anos, assim esta retrospectiva, e o catálogo. São séries de retratos, paisagens, danças, flores, em uma paleta bem homogênea, bonitos, porém dentro de limites de uma pintura tradicional que beira o decorativo.
3- Acervo (coleção Gilberto Chateaubriand). Sempre é bom rever. Desta vez fiz uma releitura dos auto-retratos (claro): Antonio Bandeira, Guignard com os lábios leporinos, Ione Saldanha... E um vaso de flores do Vicente do Rego Monteiro, de 1930, que é mais contemporâneo que os vários vasos de flores, dos anos 1980-90 da Noêmia Guerra, no andar de baixo.
4- Doações recentes: É bom saber que o MAM tem recebido doações de qualidade, espero que eles não deixem queimar como aconteceu pela negligência da administração da época (lembro os Picasso, os Magrite, os Pollock, os Torres Garcia, que se foram irremediavelmente). As doações recentes são talvez o melhor de minha ida de hoje ao MAM: 2 lindas telas de 1963 do Ivan Serpa, uma paisagem e uma da série das Mulheres e Bichos, Ivan ainda será muito estudado pois o que ele fez em 1963 tem um diálogo forte com 2009 e além; uma serigrafia do Niemeyer, ok; uma instalação fantástica, O Tigre Adormecido, do Nelson Leiner: um cercadinho de criança, com um chão que é um carpete de grama plástica; deitado, dormindo, um tigre de brinquedo; sobre ele, dorme profundamente um bebê, vestido em um macacão de padronagens de tigre; o bebê tem uma etiqueta Anne Geddes, a mesma grife das fotos nas quais o artista fez interferências que foram censuradas pelo fundamentalismo do Estatuto do Menor. E, em uma sala separada, mostra da doação de uma coleção de pinturas do Emeric Marcier. Paisagens, um retrato do mecenas, um lindo auto-retrato. Com o lirismo, a visão transcendental, a noção de um caos próximo, a melancolia, a paleta escura e sangrenta, a pintura direta e sem efeitos, que são características do artista. O Brasil não tem memória, assim é bom ver esta "mini-retrospectiva" do Marcier, como foi bom ver os estudos do pintor que estão sendo recuperados e digitalizados, e postados no Facebook, pelo filho, o arquiteto Matias Marcier.
Assim acaba meu horário de almoço, volto ao trabalho alimentado (bom, almoço com camarões e sashimi de salmão fazem uma diferença) e mais convicto de como o Rio é maravilhoso.

Nova edição do Projeto Acervo


Leo Videla promove a inauguração, no próximo dia 22, um sábado, na Rua Visconde de Caravelas, da nova edição do Projeto Acervo, em paralelo a uma individual de Leonardo Tepedino.
São estes os artistas que participam desta edição do Projeto: Brígida Baltar, Cadu Costa, Gabriela Machado, Gisele Camargo, James Kudo, Leonardo Videla, Luiza Baldan, Marcos Chaves, Rafael Alonso e Vicente de Mello. Como das edições anteiores, um time de primeira.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Contraluz, Raul Leal


Chego ao Santos Dumont, as luzes do Rio me esperam. Ir para casa quando se chega pelo Galeão nos dá sempre o impacto de beleza da Lagoa ao se sair do Rebouças, mas a partir do Santos Dumont recebo nas retinas a beleza do Aterro, da Praia de Botafogo (Santa Lota!) e da Atlântica...
...e como se isto não me bastasse, deixo a mochila em casa e vou à Galeria Amarelonegro, onde está sendo a abertura de Contraluz, a exposição do Raul Leal: mais beleza para minhas retinas.
Não vem como surpresa, pois já tinha visto, em minha última estadia no Rio, uma prévia da exposição (a dúvida é como fizeram para selecionar, entre as 10 telas que vi na prévia, as 5 da exposição, como deixar de fora, sem dor no coração, trabalhos tão bons quanto os expostos, mas claro que as limitações de espaço obrigaram a este corte).
A pintura do artista parte de imagens que são registros fotográficos onde a nitidez se dissolve, a luz vela as formas e as reduz a manchas; o que seriam pessoas ou árvores se transformam em Rorschach, em camuflados, campos de informação dúbia em meio a espaços monocromáticos, e a retina do espectador é tensionada entre a percepção e a fruição.
Mas não são fotografias solarizadas ou estouradas, nem são trabalhos gráficos que mimetizam fotografias; são pinturas, e isso fica claro nos espaços monocromáticos, que não são chapados e sim espaços pictóricos onde a cor escorre, a tinta aparece, o painterly se faz presente, humanizando o trabalho que em chapados, ao meu ver, tenderia para o frio.
Ainda, gravuras e um belo catálogo, lúdico, feito de cartões postais em um envelope negro lacrado. A produção da exposição é da Belvedere, que tem acertado na produção de boas exposições recentes, como a do João Magalhães e a do BobN, ambas no MAM, e a arte3 e a do Alessandro Sartore, na Anna Maria Niemeyer.

sábado, 8 de agosto de 2009

Movimento D: Quasar (CCBB-BSB)


Ciclo de dança no CCBB de Brasília. Vou ver o grupo goiano Quasar, com o espetáculo Céu na Boca, concepção e coreografia de Henrique Rodovalho. Pelo folder, vejo que o espetáculo "propõe um diálogo entre o paraíso que desejamos e a realidade que nos é oferecida. O ponto de partida (...) foi a curiosidade pelas leis físicas e teorias do Universo. Explosões estrelares, buracos negros e movimentos gravitacionais serviram como alegorias no processo inicial de criação. A narrativa desenvolve-se de forma não linear desencadeando ações, reações e relações impregnadas de humor, ironia, desejo e frustração. transita entre a densidade e a leveza, nos levando a constatação de que os desencontros fazem parte da vida e que devemos, sim, tirar proveito deles". Animador.
O teatro cheio, o CCBB-BSB tem um ônibus que chegou lotado e ao final da sessão partiu mais lotado ainda. Um lugar muito agradável, muitas pessoas vem antes e jantam em um restaurante interessante, sentados em cadeiras Bertoia; eu apenas tomei um expresso, olhando o visual da Ponte JK; e revi a exposição do Eder Rocha, entendendo mais um pouco a proposta e gostando mais ainda, e esperando o adiado lançamento do catálogo...
Gostei do Céu na Boca. Probleminhas: os chavões de "modernidade". Por que as pessoas que fazem dança moderna acham que sempre tem que se estapear, se contorcer, se jogar no chão com força, se machucar, usar músicas bregas, fazer momentos risíveis, apenas para mostrar que são "mudernos"?
Mas este espetáculo, este grupo, supera os que eu acho probleminhas. Técnica impecável. Imensa vitalidade. Figurinos, lindos, trocados discretamente, e totalmente dentro do contexto. A tal da música brega aparece, sim, claro, não podemos esquecer que é um grupo de Goiania, mas não fica excessiva, apenas marca o clima. Eles se estapeiam, se jogam no chão barulhentamente, podemos sentir os hematomas, mas sobrevivem, lindos, jovens, dançando mais intensamente ainda. Gosto disso. Muito.
Um bom espetáculo.
Semana que vem, Andréa Maciel com "Gravidade Zero", não estarei em Brasília. Mas na semana seguinte (21 a 24 de agosto) não perco Márcia Milhazes com "Meu Prazer".

(foto de Lu Barcelos, Chocolate Fotografias, divulgação do grupo Quasar)

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Coletiva em Ouro Preto (Jimson)


Recebo convite para uma exposição coletiva em Ouro Preto, a abertura foi hoje, dia 6 (5a.feira), não pude estar lá, claro...
Mas é interessante pensar e escrever um pouco sobre o trabalho de um dos artistas da coletiva. Artista jovem, cujo trabalho estou acompanhando há algum tempo e que, em minha avaliação, tem crescido muito e poderá ter uma trajetória de mais crescimento e consolidação, é o Jimson Vilela.
Na coletiva o artista está expondo telas grandes, em brancos e pretos, quase minimalistas.
Há alguns meses, na coletiva arte3, na Galeria Anna Maria Niemeyer, Jimson colocou uma tela grande, com sóbrios quadrados pintados em uma tinta que só apareceria com iluminação especial. No Projeto Apartamento, em Copacabana, o artista pintou nuvens em uma parede ao lado da janela, em tinta fotossensível, a imagem das nuvens só vai aparecendo à medida que é exposta à luz das manhãs. E em trabalhos que vi em seu ateliê, Jimson já mostra uma vertente mais engajada; são cenas de guerra, de violência, de morte; só que recobertas de filme de radiografias, o negror do filme mascara a violência do tema mas ao mesmo tempo o realça; a uma delas, uma vanitas, não consegui resistir e trouxe para minha coleção, e não canso de descobrir novos significados naquelas imagens tão escuras e pouco nítidas.
Em conversas virtuais com Jimson, pelo Facebook, eu com uma indefectível taça de vinho tinto, pude discutir com ele minhas análises sobre seu trabalho, o que me mostrou duas coisas: 1- estou na trilha interpretativa certa; 2- ele pensa sobre o trabalho, entende, não são achados gratuitos, é um trabalho pensado, elaborado, com consistência. Enfim, aqui vão alguns pontos do diálogo:
J.B.: Jimson, eu acho que você trabalha no limite entre o que o espectador percebe e o que ele deixa de perceber; tem um conteudo político, como no caso do teu trabalho que está na minha coleção; às vezes vai para o existencial, o filsófico, para a discussão da linguagem... mas na verdade a coisa que une todas as vertentes do teu trabalho é a percepção: Como o espectador pecebe ou deixa de perceber a tinta que só aparece em iluminçao especial, o negro da radiografia que cobre a imagem e faz com que só se veja a imagem, o tema, com grande esforço visual... E nestas telas grandes, me parece que você envolve o espectador com uma imagem que aparentemente é fácil de perceber mas que oculta segundas e terceiras percepções, que são o verdadeiro tema das telas.
J.V.: Meu trabalho parte de um interesse pelo que é deixado de lado ou nao percebido... é estranho pois não percebemos as coisas, mas a imagem das coisas... É, por exemplo, o buraco preto sobre a tela, mas quando o espectador se aproxima, a borda pintada transforma a coisa em um objeto... É a imagem do jornal de todo dia, só que velada... E você espera da arte algo novo quando na verdade ela te dá aquilo que você deixou de ver...
J.B.: Sim eu estava analisando por aí, mas era importante para mim te perguntar, até para saber se eu estou indo na direção certa...
J.V.: Sim! Você sabe que eu estou na vespera de fazer minha monografia, não é? Pois estou lendo muito sobre arte moderna em especial, sobre a coisa do olho, do corpo versus obra, e da memória sobre o objeto, tenho me interessado muito sobre a escala intimista da pintura, sobre o deslocamento do objeto e sobre a condição psicologica do sujeito... Pois o que tenho sentido das leituras é que o que o pessoal que vem com a pop art e depois dela faz é ampliar essas questoes e "aliá-las" à vida...
J.B.: Sim... mas eu acho, minha opinião, que esta coisa da percepçao que falamos, que é uma coisa muito forte em teu trabalho, e explica muitas coisas, e te aproxima de uma tradição da arte como percepção, as brincadeiras com ilusionismo, com o "tromp-d'oeil"(mas um "tromp-d'oeil" às avessas, que não quer levar o olho a perceber como real algo que é imagem, e sim levar o olho a não perceber nem a imagem)... E os textos do Merlau Ponty, mas de uma forma prática, não teorica, como um trabalho que questiona este ilusionismo da arte e a subjetividade da percepção.
J.V.: Tenho me interessado muito no zen-budismo... na experiencia do Fluxus e do mono-ha, dois grupos que pegam essa questão da percepçao passando pela vertente do perceber ao redor, perceber as sutilezas e potencialidades da vida, da rotina... Ponty diz que a tarefa da pintura sempre foi a da percepção das coisas ou algo parecido, e também o Wittgenstein, tem muito a ver com o que estou procurando em minha pintura. O Wittgenstein me interessa muito pela questao da palavra, a possibilidade da imagem pela palavra, você já viu minhas telas que sao apenas frases?
J.B.: Sim, vi no teu ateliê, gosto.
J.V.: Ali o jogo é a imagem no observador, literalmente falando...
J.B.: Mas, em minha opiniao, nestas telas o assunto fica mais disperso, pois já se pensa em Kosuth, nos conceituais, o que é outra historia...
J.V.: Confesso que o meu pânico ao escrever minha monografia é conseguir amarrar todos esses fios soltos... Na verdade nessas telas lido com fragmentos de percepção, com a memoria do observador...
J.B.: É realmente um paradoxo, pois nas telas com frases, palavras, o referecial é o conceitual, os anos 1970; já nas telas com tinta invisivel, ou no trabalho do Projeto Apartamento, a situacao da percepção fica mais evidente, mais limpa, eu acho.
J.V.: Não penso em um questionamento de bases conceituais sobre o objeto... o que está em jogo, para mim, é a imagem, aliás sempre esta em jogo, em meu trabalho, a imagem e sua percepção... Sobre esta questão de identidade plástica que discutimos, acho que o que está presente nos meus trabalhos não é a visualidade que os torna coerentes e sim a poética... o rastro de construção... percebo neles um interesse em relaçao ao "como", a fatura, a mostra ou o processo de formação de imagem se desenvolvendo no embate com o observador
J.B.: Sim, mas os teus trabalhos com palavras remetem diretamente ao conceitual... quando você nao usa palavras, ou submerge as palavras em negro, na minha opiniao, está transitando mais no teu assunto verdadeiro... E a fatura influencia sim, muito, a percepção, mas se o artista nao tem um conceito forte, a fatura por si só fica vazia, cai no decorativo... por outro lado, se o artista só usa o conceito, e não usa a técnica, a fatura, o trabalho fica frio, melhor seria utilizar aquelas coisas frias do conceitualismo dos anos 1970.
J.V.: Se bem que seria bonito uma cadeira velha com cara de gasta encostada no canto de uma galeria branquinha, do White Cube, seria bonito perceber os desgastes da cadeira em relação a pureza e à permanência desse branco da parede... talvez bem piada infame...
J.B: Jimson, mas aí já estamos na dança das cadeiras, a do Gauguin, a do Van Gogh, a do Matisse com a odalisca, as de design do Philippe Stark... o importante é que esta instalação que você imaginou e descreve (a cadeira velha no Cubo Branco) também é um exercício de percepção, coerente com o restante do teu trabalho, o que você acha?
(...e o diálogo prossegue...)