O Rio de Janeiro é tão maravilhosamente lindo (apesar do esforço dos seus governantes em acabar com ele) que nem precisava ter uma vida cultural, poderia ser apenas um balneário, com a vida noturna e a praia e a sensualidade... Mas o Rio tem uma vida cultural, intensa, de qualidade; em termos de artes visuais, muitas coisas acontecendo; e eu, que vim para alguns dias de conflitos e tensão no trabalho, usei bem minhas horas vagas.
Hoje, por exemplo, uma linda 6a.feira (thanks God!), no meu horário de almoço fui, caminhando, até o MAM. O entorno está bem cuidado, bem policiado, sem os mendigos que em outros governos faziam sua casa sob as passarelas do Redig de Campos e se banhavam seminus no lago do Burle Marx.
No caminho, a ocupação do antigo prédio da Esso (imortalizado na canção Paisagem Inútil, do Caetano - "Mas já se acende e flutua/No alto do céu uma lua/Oval, vermelha e azul/No alto do céu do Rio/Uma lua oval da Esso/Comove e ilumina o beijo/Dos pobres tristes felizes/Corações amantes do nosso Brasil") por uma Universidade criou uma agradável praça onde os estudantes e não estudantes almoçam saladas, conversam e bebem revigorantes expressos.
É bom, é um Rio que funciona, onde os turistas (como a menina que encontrei indo ao MAM mas que estava na verdade procurando o Museu Histórico) podem levar suas cameras, descontraídos, podem ver a beleza da paisagem, da arte brasileira, da arquitetura e paisagismo brasileiros... Qual a fórmula? simples (acho eu), um bom policiamento, localizado a partir da praça em frente ao lago do MAM. Enfim.
1- Biblioteca, do artista Araken. São livros, montados a partir de pinturas do artista, alguns são pinturas sobre páginas de livros, catálogos, um grande livro/album, sensacional em sua capa de pelo de vaca em manchas pretas e brancas. Os livros estão colocados, como uma sala de leitura, sobre duas mesas no formato de asas de um avião (inclusive com os flaps posicionados para aterrisagem). É claro, o pintor foi um aviador. Um video nos mostra as pinturas, abstratas em sua maioria, que compõem os livros. Coloridos intensos, texturas, experiências com materiais. A trilha sonora é Ravel (bom, pelo menos não é o Bolero).
2- Retrospectiva de Noêmia Guerra. A artista participou de movimentos importantes na arte brasileira, como o Salão Preto e Branco; depois morou fora do Brasil muito tempo, e quando retornou, já nos anos 2000, trouxe seu acervo para o Brasil; é de uma família carioca tradicional; este ano completaria 90 anos, assim esta retrospectiva, e o catálogo. São séries de retratos, paisagens, danças, flores, em uma paleta bem homogênea, bonitos, porém dentro de limites de uma pintura tradicional que beira o decorativo.
3- Acervo (coleção Gilberto Chateaubriand). Sempre é bom rever. Desta vez fiz uma releitura dos auto-retratos (claro): Antonio Bandeira, Guignard com os lábios leporinos, Ione Saldanha... E um vaso de flores do Vicente do Rego Monteiro, de 1930, que é mais contemporâneo que os vários vasos de flores, dos anos 1980-90 da Noêmia Guerra, no andar de baixo.
4- Doações recentes: É bom saber que o MAM tem recebido doações de qualidade, espero que eles não deixem queimar como aconteceu pela negligência da administração da época (lembro os Picasso, os Magrite, os Pollock, os Torres Garcia, que se foram irremediavelmente). As doações recentes são talvez o melhor de minha ida de hoje ao MAM: 2 lindas telas de 1963 do Ivan Serpa, uma paisagem e uma da série das Mulheres e Bichos, Ivan ainda será muito estudado pois o que ele fez em 1963 tem um diálogo forte com 2009 e além; uma serigrafia do Niemeyer, ok; uma instalação fantástica, O Tigre Adormecido, do Nelson Leiner: um cercadinho de criança, com um chão que é um carpete de grama plástica; deitado, dormindo, um tigre de brinquedo; sobre ele, dorme profundamente um bebê, vestido em um macacão de padronagens de tigre; o bebê tem uma etiqueta Anne Geddes, a mesma grife das fotos nas quais o artista fez interferências que foram censuradas pelo fundamentalismo do Estatuto do Menor. E, em uma sala separada, mostra da doação de uma coleção de pinturas do Emeric Marcier. Paisagens, um retrato do mecenas, um lindo auto-retrato. Com o lirismo, a visão transcendental, a noção de um caos próximo, a melancolia, a paleta escura e sangrenta, a pintura direta e sem efeitos, que são características do artista. O Brasil não tem memória, assim é bom ver esta "mini-retrospectiva" do Marcier, como foi bom ver os estudos do pintor que estão sendo recuperados e digitalizados, e postados no Facebook, pelo filho, o arquiteto Matias Marcier.
Assim acaba meu horário de almoço, volto ao trabalho alimentado (bom, almoço com camarões e sashimi de salmão fazem uma diferença) e mais convicto de como o Rio é maravilhoso.
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