terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Em Búzios, um balanço


A primeira vez que vi Armação dos Búzios foi do céu, em um monomotor que fazia voos rasantes, stalls, piruetas e arremetes. O céu de um azul puro, sem nuvens, o chamado "céu de brigadeiro"; o mar de um verde profundo, cor de esmeralda; e a vegetação, intocada, parecia a mesma do Descobrimento do Brasil. O jovem piloto era na verdade sobrinho de um Brigadeiro, e alguns anos depois morreria tragicamente em um acidente, pilotando um helicóptero.
Naquele tempo longínquo, Búzios havia acabado de entrar na mídia, com as fotos em preto e branco de uma quase adolescente Brigitte Bardot, estrela do cinema francês, descalça e de biquini em uma praia vazia, rústica, com crianças, cachorros, galinhas e porcos, soltos, impertubáveis entre barcos simples e redes de pesca; nem os porcos nem os pescadores nem as crianças jamais haviam ido a um cinema, assim não sabiam que a loura magra e sensual era o desejo de todos os homens do Planeta Terra, pelo menos os maiores de 13 anos, o que me incluía.
No imaginário brasileiro, entre os que liam o Jornal do Brasil, O Cruzeiro e Manchete e viram as fotos, aquela praia deserta e inacessível se igualou ao Paraíso. Logo soubemos que alguns poucos ricos já tinham lá suas mansões, que mimetizavam a simplicidade das casas de pescadores; e o acesso por terra, a partir de Cabo Frio, era propositadamente difícil.
Meu pai era representante dos aviões Piper no Norte/Nordeste, e naquela semana, nada mais oportuno para uma demonstração de um novo modelo dos aviões do que uma ida a Cabo Frio com direito ao voo sobre a península de Búzios.
Ficou na minha memória, e me acompanha em tantas idas a Búzios anos e anos depois, a imagem do mar cor de esmeralda que se aproximava perigosamente da janela de um avião em queda livre que revertia a queda no último momento graças à manobra certeira do piloto.
De longe, o mar tinha reflexos, ondas, barquinhos dos mesmos pescadores que testemunharam os banhos da estrela francesa; mas de perto, bem de perto, as ondas se imobilizavam, os reflexos vinham não da superfície mas do fundo, de um fundo que queria nos tragar e do qual escapávamos, uma, duas, três, tantas vezes, como uma montanha russa feita de ar e de desejo.
Esta semana, em um Búzios que não é mais o paraíso dos milionários, das estrelas, dos hippies, dos argentinos, e sim um passeio bem classe média, penso na vida, no finalizar e no recomeçar, no ciclo que se encerra e em novas vidas que se abrem à minha frente, no ano que se acaba e no novo ano. Começar, recomeçar. Propor metas para o novo ano, e fazer um balanço do que foi feito e do que se deixou de fazer, das metas propostas para 2009.
Como no avião com o motor desligado que cai em susto para se levantar em novo voo no último ou quase último momento, sentir que o ano que passou e que ao se encerrar nos deixa, todos, mais perto da morte, é um prólogo para novo voo, para o alto; enquanto houver combustível e a perícia do piloto.
Ser o piloto de minha própria vida.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Estranho Cotidiano, Galeria Movimento


"Todo dia ela faz tudo sempre igual".
E se o todo dia, o cotidiano, tiver um ruído embutido, uma estranheza incorporada, um toque de irreverência e subversão, um toque apenas, que não acabe com o sempre igual do dia-a-dia, mas que seja o suficiente para transfigurá-lo, para renová-lo?
Se os objetos do cotidiano se revoltarem? Se um filtro de água, cor de rosa, se enfeitar com pedaços de Linholene cor de rosa, e, usando um I-Pod também cor de rosa (claro), começar a murmurar, a gemer, a cantar? E se as pílulas mágicas da felicidade, os Valium, os Prozac, os Viagra se agigantarem a ponto de não mais poderem ser engolidas e terem de ser carregados como grandes amuletos?
Se a espreita através de um olho mágico mostrar que o hall do elevador é um local onde coisas mágicas acontecem, onde danças solitárias ou diálogos imaginários tem a sua arena? Se as tramas de um tricô se perderem do seu aspecto utilitário - suéter, cachecol, meia, luva - e criarem vida própria, pendentes do teto como preguiças, se jogando ao chão como serpentes?
Mais ainda, se o cotidiano das galerias de arte for subvertido por novas formas de pensar/fazer/veicular arte, onde relações fortemente hierarquizadas, herança do sistema de arte que atingiu seu ápice nas últimas décadas do Século XX, forem substituídas por novas relações, em rede, por novas formas de pensar arte, fazer arte, veicular arte?
Estranho Cotidiano, exposição na Galeria Movimento, lança sua discussão sobre estes pontos e muitos outros. Com curadoria do artista Walton Hoffman, contou com o artista Pedro Varela como co-curador. Segundo Pedro, "o que ocorreu na verdade é que foi um evento que aconteceu mais pela união de artistas que criam redes de trocas de informações do que uma curadoria num sentido clássico (...) a maioria (dos artistas) veio de uma relação mais fluida, são artistas que se comunicam, artistas que trocam informações e experiências, e no final a exposição foi um momento de construção de novas redes, através deste fio condutor que é a reinvenção do cotidiano. O que facilita é o eixo comum, o assunto da exposição. Os artistas escolheram o trabalho que queriam expor, cada um interpretou do seu jeito a ideia de estranho cotidiano". 
Pedro ressalva que, mesmo no caso de artistas que "fazem trabalhos formais, que parecem fugir da ideia de cotidiano", outras questões como o material ou o espaço, "passam a ser questoes que inserem seus trabalhos no contexto da exposição. (...) exemplos de como este "jogo" (talvez seja um nome melhor do que curadoria) funcionou para trazer questoes que talvez não fossem pensadas em uma outra mostra."
Comento com Pedro como é interessante ele usar a palavra "jogo" para falar do trabalho de curadoria de Estranho Cotidiano, já que esta palavra me remete ao trabalho do Walton, com a utilização de peças de jogos, e o próprio trabalho do Pedro também tem muito do lúdico, com a construção de mundos fantásticos a partir da combinação livre e obsessiva de elementos unidos pelo cimento da fantasia.
Para Felipe Scovino, que assina o texto de apresentação da mostra, "os trabalhos reunidos em Estranho Cotidiano têm por primazia a constituição de um resgate do “exercício experimental da liberdade”, no qual a atitude de continuamente subverter limites dados vale mais do que a invenção formal, e em que o processo criativo importa, por vezes, mais do que o resultado": é o jogo de que fala Pedro.
Ainda no texto de apresentação, Felipe enfatiza "a rede de construção simbólica que é traçada entre as obras expostas", e que (...) "os diálogos travados entre os trabalhos constituem-se em uma quebra de hierarquias definidas entre o terreno da produção artística e o âmbito em que se desenrola a vida ordinária".
Este aspecto de rede, de conexão entre artistas e entre trabalhos, é muito característico da arte e da cultura atuais, que utilizam os mesmos conceitos aplicados na Internet, uma rede não-hierárquica, de conexões voluntárias e independentes, de fluxos e caminhos alternativos, que subverte os papeis tradicionais no sistema de cultura -  "o criador", "o fruidor", "o intermediário", "o crítico"... As individualidades se diluem, ou se reforçam criando uma nova forma de individualidade para o Terceiro Milênio, onde o indivíduo é múltiplo com a multiplicidade de papéis que ele assume nas diversas redes.
Ir à frente, prospectar o futuro, pode ser visitar ateliês de artistas jovens a partir de indicações e torcer para no meio dos escolhidos vir uma promessa, um artista que fique. Em Estranho Cotidiano a Galeria Movimento fez mais que isso, que apenas editar uma coletiva. Ao apresentar uma exposição que joga com estes conceitos tão atuais, que foi concebida em rede e que funciona em rede no espaço expositivo, com um diálogo rico em conexões e significados entre as obras, Walton e Pedro acertaram na mosca, apresentando bons trabalhos e bons artistas mas também um conceito sobre os trabalhos apresentados e um modelo de exposição que vai além e aponta verdadeiramente para um futuro; e o resultado me faz esperar com ansiedade pelas próximas.

Artistas que participam de Estranho Cotidiano: Botner/Pedro, Carolina Ponte, Gisela Milman, Glaucia Mayer, Leo Ayres, Louise D.D., Malu Saddi, Marcelo Amorim, Maria Laet, Maria Lynch, Murilo Kammer, Ni da Costa, Nino Cais, Patricia Gouvêa, Pedro Varela, Reginaldo Pereira, Rodrigo Torres, Silvia Jábali, Toz.

As fotos são do Pedro Varela, e o registro do vernissage pode ser visto no site do Odir Almeida, Só Arte Contemporânea, e também no blog da Galeria.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Lendo Rubem Fonseca, O Seminarista


Grande expectativa em torno de O Seminarista: o retorno de Rubem Fonseca ao romance, pois depois do romance Mandrake, a Bíblia e a Bengala, de 2005, o escritor lançou apenas um livro de contos (bom, Ela e Outras Mulheres, 2006) e um de crônicas (fraco, O Romance Morreu, 2007). É também o primeiro livro de Rubem Fonseca em sua nova editora (Agir), após o rompimento de uma parceria de 20 anos com a Companhia da Letras. O lançamento é acompanhado por um volume com uma reedição de um conto do escritor, A Arte de Andar nas Ruas do Rio de Janeiro, ilustrado com fotografias de seu filho, Zeca Fonseca. Enfim, o livro é lançado com ampla cobertura na midia, fica disponível também pelo Kindle, tudo para ser um cult no final de ano.
Ao começar a ler, uma certa sensação de déjà vu. Sei que o romance retoma personagens (um matador de aluguel, o Especialista, e seu contratador, o Despachante) e também situações, de contos antigos, mas a sensação de que "já li isso antes (e melhor escrito)" é grande e me incomoda. Apesar disso, a leitura flui bem, o livro prende, o ritmo se acelera em cenas de um quase-Tarantino, e ao término deixa comigo aquele sabor de "quero ler mais".
E vou aos contos Belinha, Olívia e Xênia, do livro Ela e Outras Mulheres, onde José, o Especialista, aparece, juntamente com o Despachante e as situações que são desenvolvidas no romance.
Nos contos o assassino quer umas férias; no romance, quer se aposentar; e os enredos vem a partir disso: impossível sair simplesmente dessa atividade, pois sabe-se demais; e o caçador vira caça. Mas a releitura dos contos me mostra que estes são muito melhores que o romance, mas compactos, a energia condensada em poucas páginas não se dispersa, as cenas de matança não tem o tom exagerado de um filme de ação e sim a secura, a concisão, de boa literatura. Uma cena que é aproveitada inteira a partir de um conto para o romance, a do freguês-cadeirante, está bem melhor no conto (perdeu muito no cut-and-paste). E a protagonista feminina do romance, a alemã Kirsten, não tem a força de uma Belinha ou uma Xênia.
Outro problema sério no romance são incongruências, impensáveis em um escritor do porte de Rubem Fonseca, e que aparentemente escaparam às revisões, mas que são percebidas por mim, leitor atento e chato:
A partir da página 33, o Especialista começa a contar como matou o Despachante: "Mas, para isso, tive que matar o Despachante, depois explico por que e como". Na página 76-77, finalmente o Especialista conta como matou o Despachante, não sem antes fazê-lo tirar os óculos escuros e ver seus "olhos azuis rutilantes". Mas logo depois, na página 77-78, o Especialista flagra Kirsten com o Despachante, e percebe por que ficara perturbado ao conhecer a alemã (na página 33) e ver seus "olhos azuis rutilantes". Bom, a aparição do Despachante vivo logo após a descrição de sua morte não é problema, a morte pode estar sendo contada em um flash-forward. Mas se o Especialista só viu os olhos azuis do Despachante ao matá-lo, como poderia ter se perturbado ao conhecer Kirsten e ver pela primeira vez seus olhos da mesma cor? se nesta altura ainda não havia morto o Despachante, tanto é que, já vivendo algum tempo com Kirsten é que ele encontra os dois juntos e ambos vivos, claro.
Ainda: A partir da página 90, o Despachante vai para Buzios em uma missão de busca de informações preciosas e potencialmente letais; ele e o Especialista se comunicam por telefone, o Despachante desaparece, o Especialista vai a Buzios e descobre (página 93) que o Despachante havia sido morto: "Um camarada de óculos escuros? Foi liquidado" "Onde está o corpo?" "No Oceano Atlântico". Como o corpo efetivamente não aparece, o leitor imagina que na verdade o Despachante estaria vivo,e retornaria, para então, em outra virada da trama, ser finalmente morto pelo Especialista, como este já narrou; o que não acontece. E o leitor atento fica frustrado, descobrindo que está diante de erros que uma revisão mais cuidadosa não deixaria passar.

Em suma, apesar destes problemas, é um bom livro, vale a pena ser lido, embora perca na comparação com os ótimos contos do escritor (comecei a reler, a partir de Os Prisioneiros, e cada vez gosto mais) e com seus grandes romances como Bufo & Spallanzani, A Grande Arte Agosto.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Wanda Pimentel: "Linhas"


O trabalho de Wanda Pimentel certamente é um ícone da pintura brasileira do final dos anos 1960-70. Com rigor formal e liberdade temática, uma estética que unia o pop ao concretismo, a abstração à figuração, o quotidiano ao metafísico, com temas anos 1970 (crítica ao consumo) e temas precursores das décadas futuras (o papel da mulher), as pinturas da série Envolvimento são inesquecíveis. E incrivelmente atuais.
Acho que a última exposição que vi da artista foi a da série Animais, em 2004, no MAM-Rio, que achei interessante, correta, mas na verdade não me empolgou muito, talvez pela força da lembrança dos trabalhos da série Envolvimento; assim, fiquei muito curioso por ver a exposição Linhas, com trabalhos novos da artista, na Galeria Anita Schwartz. Não só para ver a evolução do trabalho da artista, como também para ver como um trabalho basicamente de pintura, séria, concisa, sem o espetacular, iria ocupar o espaço de catedral do grande salão da Galeria.
Ocupou, e ocupou bem, com pinturas, só pinturas, em paletas nada espetaculares, terras, marrons, negros; em tamanhos sensatos, de 60x60 a nenhuma enormidade; sem virtuosismos de montagem. A pintura em si, enfileirada, na altura do olhar do espectador; ao centro, uma instalação com sequencias de caixas contendo serpentes, dialoga com as Linhas das pinturas, mais que isso, mostra que as linhas são vivas, podem ser traçadas com rigor ou livres, serpenteando, aprisionadas em caixas com outras linhas, espelhos, e estão vivas, mesmo dormindo, as linhas são como serpentes encantadas que pulsam da superfície das pinturas. Nas pinturas da artista, nada é apenas o que nos parece; as superfícies chapadas em marrom ou negro são vibrantes, as linhas retas oscilam, o rigor é calculado e intuitivo, as escadas saem do plano e levam além dele, a um além transcendental ou são simplesmente escadas de pedreiro, usadas por alguma equipe de limpeza para alcançar um teto que está muito acima das pinturas mas que na verdade está dentro delas.
Ainda, em uma instalação, o giz desenha as linhas e as escadas nas paredes de uma pequena sala da Galeria; como um esboço para as pinturas, como um ambiente que será magicamente compactado nos quadrados de 60x60cm, como um exercício, um aquecimento, uma preparação da artista para as pinturas e também do espectador para as pinturas que, enfileiradas na sala monumental, não se diminuem, não se apequenam, pelo contrário: elas dominam a sala monumental e a transformam em um suporte neutro para elas, para ela: a pintura, vitoriosa.
Ainda, na Galeria, uma mostra do acervo, com obras ineditas de Arthur Omar, Vergara, Ivens Machado, Nuno Ramos e Rodrigo Andrade. Bons trabalhos, todos eles, mas impossível deixar de destacar os totens do Ivens, ao ar livre, com sua imponência e precariedade de material de construção, cimento e vergalhões, uma metáfora do ser humano e do construir/destruir que é a vida.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Ruído, Luiz Zerbini na Laura Alvim


Molduras de slides, vazias; palavras manuscritas nas bordas dão indicações de local/data/assunto dos slides que já não mais estão lá; em algumas, os slides desaparecidos (as memórias desaparecidas) são substituídos por gelatina colorida; as molduras dos slides formam uma trama, e são colocadas em molduras/caixas de acrílico; a luz entra pelos vazados ou pela gelatina, e forma uma trama de sombra.
Um vídeo mostra paisagens, árvores, céus e nuvens, refletidas em água - lagos, rios, açudes? pois, sabemos pelo título, é o Sertão; o recurso da reflexão e a lentidão na filmagem tornam este um sertão lírico; até que irrompem na tela, muito rápido, quadrados de cores fortes e aleatórias, é o defeito no vídeo, um ruído digital como eram os riscos nos velhos filmes analógicos em Super8.
Pinturas mostram centenas de quadradinhos, ou de círculos enfileirados, quase monocromáticos; como se pudessem formar uma imagem, como se fossem pedaços decompostos de uma imagem também inexistente ou desaparecida; e sobre uma superfície brilhante, perfeitamente lisa, metálica, os quadradinhos coloridos que são o ruído em uma imagem digital e agora são o ruído em uma pintura, a pintura se torna digital, ou os quadradinhos-ruído se transformam em pura cor.
Uma sala com três paredes pintadas de um preto brilhante; uma cadeira ao centro; o espectador senta-se na cadeira e se vê, refletido, na parede preto brilhante, como ele-mesmo um ruído. Um auto-retrato noturno e mórbido, lembra-te homem que és um ruído e ao ruído retornarás.
Luiz Zerbini na Galeria Laura Alvim, Ruído, a curadoria é da Lígia Canongia e o texto do catálogo do Luiz Camillo Osório. Uma boa exposição.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Gérard Fromanger no MAM-Rio


Chega ao Rio, no MAM, a boa exposição "A Imaginação no Poder", do artista francês Gérard Fromanger, que vi em Brasília (no CCBB) e sobre a qual comentei em meu blog.


Clique aqui para ler o comentário sobre a exposição

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Sábado no Rio: Laura Marsiaj e Largo das Artes

O final de semana no Rio começou muitíssimo bem, com uma reunião em petit-comité, na 6a.feira à noite, para comemorar aniversário de amigos, em uma casa maravilhosa, no Alto Jardim Botânico, com vista para o que a paisagem do Rio tem de melhor: Corcovado, acima; e abaixo, Lagoa e Praia de Ipanema. A casa está saindo de uma reforma que a deixou clean porém acolhedora, e é matéria de reportagem em uma publicação sobre decoração. Ah sim, e a conversa maravilhosa, desnecessário dizer, versou sobre arte, arte contemporânea; e sobre as pavorosas esculturas e murais que o poder público continua nos impingindo no Rio (last but not least, os "murais ruprestes" da estação de Ipanema do Metrô).

No sábado visitei as exposições do Elder Rocha e do Leonardo Videla, inauguradas esta semana na Galeria Laura Marsiaj, e à noite fui à abertura da exposição coletiva, no Largo das Artes, com curadoria de Suzana Queiroga.


Leonardo Videla: interfaces. O artista dá continuidade a sua pesquisa de elementos da arquitetura, desta vez as plantas baixas que se transformaram em caixas de papelão (as Sugestões Habitacionais) dão origem a esculturas/objetos/pinturas de parede, em metal, onde as dobraduras das caixas e os traços das plantas são  elementos em campos de cor; a pintura mais neutra, chapada, que aparecia nos trabalhos de dobraduras e plantas, dá lugar a uma pintura pela pintura, painterly, que já aparecia nos trabalhos do artista na série das Janelas. Há também uma escultura de chão, e fotografias também muito bonitas, com as dobraduras e plantas baixas. E, no acervo da Galeria, duas telas grandes, onde a pintura se faz ainda mais presente, livre e autônoma, no diálogo com os elementos arquitetônicos. Diz Leonardo: "Moramos em caixas, e meu trabalho faz uma critica direta aos resultados arquitetônicos atuais, diria que hoje vivemos dentro do conceito de Embalagens Habitacionais".
Em outras ocasiões comentei aqui no blog sobre o trabalho do artista: sobre a série Janelas, sobre a série das Churrasqueiras e também comentários sobre o Projeto Acervo, uma boa realização do Leo!


Elder Rocha: mar de bar. Elder é um artista de Brasília (comentei aqui no blog sua exposição Justaposição Polar no CCBB-BSB), professor da UnB, e apresenta telas, desenhos e uma instalação, Mar de Bar. Sobrepondo imagens e símbolos retirados de publicações, ampliados, acrescidos de elementos gráficos e de pintura, as imagens se multiplicam e envolvem o espectador em um jogo ao mesmo tempo cerebral e sensitivo. Do "bar", os copos se equilibram precariamente, e a tinta a óleo excita e desafia este equilíbrio, com faixas que trazem efeitos óticos ou manchas espessas que quase se sente no tato, não só ao olhar. Na instalação, o líquido que flui de um para outro copo, congelado no desenho a guache na parede, é um mar onde flutuam pequenas telas redondas com as imagens. Como o mar de Justaposição Polar, a instalação é estática e é dinâmica, é desenho e é pintura e é instalação, e o bar é na verdade um laboratório de sensações e de desafios à percepção.


[SÓ VOCE E OS OUTROS PASSAM], a coletiva no Largo das Artes, apresenta trabalhos de Alexandre Faccin, Amanda Bolsas, Claudia Ferraz, Danielle Carcav, Fernanda Braz, Guilherme Portela, Jimson Vilela, Leandro Pereira, Manuela Bezamat, Rafaela Saraiva, Raul Leal e Saulo Marzocchi,  jovens artistas têm em comum o interesse expressivo pela pintura e o trânsito por outros meios como desenho, fotografia e vídeo, e participam do núcleo de desenvolvimento da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde são orientados por Suzana Queiroga, que faz a curadoria da mostra. Já acompanho o trabalho de alguns destes artistas, e neles vejo um bom crescimento; outros, que não conhecia, vieram para mim como uma boa surpresa; e a exposição acerta, ocupando de maneira bem integrada o amplo, magnífico, espaço da galeria; os trabalhos funcionam individualmente e o conjunto é bem maior que a soma das partes.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Luiz Aquila, em Brasília


Hoje, abertura da exposição Luiz Aquila e suas aventuras na arte, na Caixa Cultural de Brasília.
Dias antes da exposição, um susto, manchete de todos os jornais: as obras da exposição, já embaladas e a caminho de Brasília, foram roubadas, com o restante da carga do caminhão que as transportava; dois dias depois, a partir de uma denúncia anônima, foram recuperadas em uma casa na favela de Vila Pinheiros, no Rio de Janeiro.
Passado o susto, estão todas lá: coloridas, musicais, transbordantes de harmonia e movimento. Uma boa expoisção. Já é um lugar-comum chamar o artista de um dos pais da Geração 80, mas é uma verdade: os ensinamentos e a vivência com Luiz Aquila e com os demais professores do Parque Lage foram essenciais para que aqueles jovens no início dos anos 1980 redescobrissem a pintura, o prazer de pintar, o profissionalismo e a seriedade do ofício.
Na exposição, telas de 1987, 1999, convivem com telas recentes (2008, 2009), a linguagem é coesa, o estilo inconfundível, a qualidade homogênea. Em uma tela de 2009, A Pintura Retomada, uma surpreendente figuração em meio às manchas abstratas: quatro pássaros em traços vermelhos, voando, em diálogo com os campos de cor, com lilases e verdes que se misturam em massa de tinta, com grades e traços em sugestões de massas e de movimento. Em uma tela de 1999, Pintura Retangulada, os tons vivos e alegres cedem espaço a tonalidades baixas, escuras, de verdes, ocres e marrons; mas nem por isso tristes; sóbrios, sim, mas não tristes, para baixo.
Pinturas sobre papéis, sobre jornais, sobre serigrafias. Uma tela horizontalmente monumental, Canteiro de Obra, de 2002, com 1,57 x 17,96m, se estende, em seus fundo de azuis, como um horizonte em pulsação, como uma passarela para o céu, como um infinito melódico.
A Pintura e o Vermelho de Três Pontas, de 1992, com 2,40 x 2,60m, tem forte impacto pelo contraste entre os azuis e os vermelhos do triângulo; como uma vela sobre o céu com nuvens, o vermelho flutua; para se transformar talvez em um coração, e voltar a ser o que é: pintura, simplesmente pintura, da melhor qualidade!

domingo, 22 de novembro de 2009

No Rio (exposições)

Final de semana no Rio, ampliado pelo feriado do Dia da Consciência Negra em uma 6a.feira, eu sabia que tinha "algumas" exposições para ver; para minha surpresa, estas "algumas" foram tantas, que deixei várias para visitar apenas na próxima ida ao Rio (sem contar as que estão abrindo nesta semana corrente).
Isso com um sol e um calor que convidavam a mergulhos na praia ou na piscina, com uma arrumação nos vinhos há muito tempo na adega, com rever amigos e muitas tarefas do quotidiano.
As exposições que visitei:


1- Na Galeria Artur FidalgoRetratos, de Marcos Chaves. O artista trabalha buscando novos sentidos para cenas do quotidiano, com um humor sutil e inteligente. Nestas fotos, Marcos brinca com uma característica da percepção humana, que busca sentido em formas abstratas, que vê rostos onde há manchas. Um esfregão, destes comuns de chão, virado com o cabo para baixo, encostado em uma parede; a foto é vertical, nas dimensões que a pintura clássica estabeleceu como portrait; a moldura sóbria e a disposição das diversas fotos como uma galeria de retratos clássica; e pronto: o espectador  cabelos no que são os pelos do esfregão,  nariz e boca em detalhes do centro do esfregão, onde se encaixa o cabo; e vê olhos nas formas simétricas à linha central. Um rosto, outro rosto, vários rostos; e a contraposição de tantos rostos diferentes faz com que cada um deles imediatamente adquira personalidade própria. Incrível, a "contaminação" do espectador a partir do momento em que vê o primeiro rosto é intensa; até uma das fotos onde a simetria é destruída com os pelos do esfregão cobrindo uma das metades da "face", é vista como um retrato (algo como uma Veronica Lake com o cabelo em ondas cobrindo todo um lado do rosto). E a "contaminação" máxima é a foto onde só se vê o cabo e os pelos do objeto: entendida imediatamente pelo espectador como a cabeça de uma pessoa de costas, não se consegue mais vê-lo simplesmente como um esfregão encostado em uma parede. Witty, sim, mas profundo, ao questionar os limites da percepção de forma simples e criativa.


2- Na Galeria AmarelonegroHome... sweet home... sweet home... sweet home, exposição de Rogério Degaki. São 7 esculturas do artista paulista, em resina, agrupadas como uma instalação, um lar, com direito a "tijolinhos aparentes" brilhantes, em uma parede; segundo o artista, como disse Dorothy de “O Mágico de Oz”: “Não há lugar melhor do que a nossa casa!” E os personagens-esculturas, coloridos, estranhos e simpáticos, incrivelmente simpáticos, estão espalhados neste espaço que não é mais o Cubo Branco da galeria e sim um lar. Penso no "quero voltar para casa", do ET do Spilberg, e penso em como eu queria ter algum deles comigo em meu lar intergalático...



3- Na Caixa Cultural, gravuras de Wifredo Lam. Uma exposição importante, raramente vemos trabalhos do artista cubano, que faleceu em 1982: . A pintura certamente é o forte de seu trabalho (vi talvez duas pinturas grandes na exposição de artistas cubanos do CCBB, e alguma coisa no acervo do MoMA), mas a obra gráfica absolutamente não fica atrás. São monstros, seres alados, dentes e garras, um clima weird todo especial; gravuras formalmente bem resolvidas, com utilização perfeita dos espaços negativos e do contraste de tratamento de diversas técnicas.



4- Esculturas de Artur Pereira, no Instituto Moreira Salles. Ao entrar na Nova Galeria do IMS, um impacto: as esculturas de madeira espalhadas, acumuladas, no Cubo Branco, como uma arca de um louco Noé. Artur Pereira é um chamado "artista popular", autodidata, de origem humilde, e com temática ligada a sua região e camada social: animais, caçadores, um presépio cercado por uma cornucópia de animais de Mata Atlântica, um homem que agoniza tendo como espectadores seus animais domésticos, seu rebanho... Mas as soluções estéticas são perfeitas, precisas; com poucos traços marcados no cedro, seu Artur define uma fisionomia de um animal com uma personalidade própria - uma jibóia irônica, um cachorro amigável, outros cachorros ferozes que perseguem onças, o medo estampado no rosto das onças perseguidas... Não "arte popular" e sim Arte.



5- Na Galeria Arte em Dobro, “A Coleção 2”, dá continuidade à proposta de venda de "pacote" com múltiplos de artistas contemporâneos em ascensão, por preços bem acessíveis. Se a primeira edição, A Coleção 1, lançada no início de 2009 (comentei aqui no blog), teve uma boa acolhida, esta segunda edição, com múltiplos de Marcelo Solá, Graziela Pinto, Felipe Barbosa, Daniel Toledo e Julio Callado, foi um sucesso estrondoso: ao chegar na Galeria a exposição já estava sendo desmontada, pois em menos de uma semana toda a edição já havia sido vendida. Sendo que os múltiplos do Marcelo Solá, por problema no transporte, nem haviam chegado ao Rio (serão entregues depois aos compradores). Como na edição anterior, boa escolha de artistas e trabalhos interessantes; o globo terrestre murcho em uma caixa de acrílico, do Daniel Toledo, é um achado! E um exemplo de como há um mercado de arte ansioso por novidades de qualidade a um bom preço.


6- O Mundo Mágico de Chagall, no MNBA, é apresentada como a maior exposição do artista no Brasil, comemorando o Ano França-Brasil, porém na realidade não é uma mega-exposição. As 309 obras apresentadas, em sua grande maioria, são gravuras, de séries como A BíbliaAs Almas MortasDafne e CloéFábulas de La Fointaine... bonitas, mas em geral em preto e branco ou com pouca cor (para mim o colorido é o ponto forte de Chagall), e forte conotação ilustrativa. Nas pinturas, onde o esplendor da arte de Chagall se mostra todo, vemos coisas boas, porém não são muitas - e a maioria de coleções particulares brasileiras. Vale à pena ver, sim, uma boa exposição mas, da mesma forma que a exposição do Matisse apresentada na Pinacoteca de São Paulo, sem acreditar muito na grandiosidade indicada pela midia.

7 - No Instituto Moreira Salles, exposição Maureen Bisilliat: fotografias, com mais de 250 imagens da fotógrafa inglesa radicada no Brasil, trazendo fotos das séries mais conhecidas da artista, como as que retratam o universo de Guimarães Rosa, os índios do Xingu, os sertões de Euclides e as viagens ao altiplano boliviano, à China e ao Japão. Complementam a exposição objetos e documentos pessoais da fotógrafa, como o sensível caderno feito durante os meses da doença do pai de Maureen: a cada dia, a artista buscava um livro na estante, abria o livro e fazia uma xerox do trecho ao qual chegara aleatoriamente; e todos os textos e o caderno como um todo traziam uma relação com o momento de agonia que viviam pai e filha.


8- Na Galeria Márcia Barroso do Amaral, novas gravuras de Tomie Othake. Muito bonitas, impecáveis, e é bom ver o trabalho coerente da artista nos seus 96 anos.

9 - Exposição coletiva no Crânio, simpático espaço de artes e cultura na Rua Pacheco Leão, no Jardim Botânico, são pinturas, fotografias e objetos dos artistas Bianca MadrugaCláudio MontagnaLetícia TandetaMárcia de AlmeidaRicardo FerreiraUrsula Tautz e Vlad da Hora.


10 - Multiplo Coletivo, na Galeria Inox, uma coletiva dos artistas Afonso TostesAlê SoutoAlexandre OrionCarlos ContenteJosé TannuriMarcelo LagoMarcos CardosoMaurício BentesSmael  Toyota. São múltiplos, bem interessantes, e o acervo da Galeria, que abriu recentemente, também apresenta coisas muitos boas, em destaque a linda gravura da Beatriz Milhazes feita para o número especial da Parkett Magazine, que já comentei aqui no blog.


11 - Minha visita ao Paço Imperial, logo após a abertura das exposições, foi prejudicada pela greve dos servidores da cultura. Assim, desta vez, pude retornar ao Paço e ver: Ícones do Design Francês (bonita exposição, além dos ícones do design francês, alguns ícones do design brasileiro, um contraponto entre a Caneta Bic e a Sandálias Havaianas, less is more), Julio Villani (o artista trabalha com reprodução, em tamanho grande, de fotografias antigas, interferindo nas mesmas com formas geométricas em cores fortes, em tinta a óleo, bem espessa, o óleo da tinta se espalha como sombras pelo papel e as formas criam novas realidades para as fotografias; e também as formas geométricas a óleo sobre manuscritos antigos; além de um vídeo em díptico, com papagaios que brincam com objetos como uma reprodução da Monalisa; gosto do trabalho do artista) e as fotografias de Alair Gomes, A New Sentimental Journey, com fotos de estátuas greco-romanas e a renascentistas com o mesmo olhar lançado pelo fotógrafo sobre os meninos do Rio.
Transcrevo aqui o comentário que já fiz no blog sobre o trabalho do artista: Alair é um fotógrafo, morto de forma violenta no auge de sua produção, cuja obra - séries de fotos de rapazes se exercitando na praia - sempre é revisitada com muito prazer. Desta vez são fotos e texto, de uma viagem a Europa, onde as esculturas clássicas de homens ganham o mesmo tratamento terno e apaixonado dado às imagens dos rapazes. Miguel Rio Branco editou as centenas de fotos em sequencias, dentro da linguagem de Alair. Um livro, A New Sentimental Journey, registra e acompanha a exposição. Uma dúvida que tenho, Alair desenvolveu seu trabalho de uma foram discreta, só expôs em 1984 (Galeria do Centro Cultural Candido Mendes), com retorno altamente favorável. Se fosse hoje, onde o politicamente correto comanda, ele não seria acusado de pedofilia, voyerismo,  apropriação da imagem das pessoas fotografadas à revelia? Talvez nossos dias e o futuro acabem com a possibilidade de trabalhos que, através da transgressão, chegam ao sublime.


12- Na Casa França-Brasil, uma grandiosa instalação da artista Iole de Freitas, cujo trabalho vimos recentemente também na Galeria Laura Marsiaj. Se no espaço da Galeria a artista usa o peso, uma instalação que como que "voa baixo", ocupando todo o cubo branco, no espaço generoso da Casa França-Brasil a artista prefere voar alto, sutil, silenciosa, não interferindo e sim realçando a arquitetura e os detalhes de ornamentação do prédio. 

13- Galeria Paulo Figueiredo, com gravuras em madeira do artista Fernando Mendonça. São pequenas matrizes e xilogravuras, em traços rústicos, de cenas de quotidiano.

14- Galeria Movimento, No Risco do Traço de
Mateu Velasco, são pinturas ancoradas no grafite e no design, figuras humanas com cabelos que se transformam em tentáculos, forte lembrança de uma estética art-nouveau atualizada para o contemporâneo.


15- Margaret Mee, 100 anos de vida e obra, no Centro Cultural dos Correios, é a mesma exposição que vi na Pinacoteca de SP e que comentei, talvez de forma um tanto crítica, aqui no blog (veja o comentário).

16-
Bandeira de Mello, Eu existo assim, na Caixa Cultural. O artista, nascido em 1929 e com uma atuação voltada para a arte acadêmica, para o ensino e para obras em lugares públicos (os murais no próprio espaço da Caixa Cultural complementam a exposição) está sendo redescoberto nesta exposição.

17 -
J Bosco Renaud, na Galeria de Arte Maria de Lourdes Mendes de Almeida (Centro Cultural Cândido Mendes), objetos, desenhos e técnica mista, sob o tema de plungers (desentupidores de pia): no espaço, na Lua, invadindo paisagens, ampliados...



18-
Pierre et Gilles, A Apoteose do Sublime, no OI Futuro, curadoria de Marcos Lontra, design do Alvaro Seixas. A dupla de artistas franceses monta os cenários, fotografa, pinta sobre as fotos, seleciona molduras que acentuam o caráter kitsch-fantástico-hype dos retratos, de modelos desconhecidos (e belos) ou de famosos (Madonna...). Como escreve o curador, "O trabalho de Pierre et Gilles, cheio de vitalidade, é próximo do espírito brasileiro, especialmente da cidade do Rio de Janeiro, tendo em vista sua exuberância, intensidade cromática, sensualidade e mistura tipicamente Kitsch, nos fazendo remeter às alegorias e fantasias dos desfiles de escolas de samba brasileiras (…) o mundo contemporâneo está saturado de imagens, elas estão em toda a parte. Um dos papéis mais importantes da ação artística é selecionar dentre essas imagens, proporcionando-lhes novas direções e conceitos. Todas as imagens são, portanto, passíveis de manipulação artística, e é isso o que fazem, de forma singular, Pierre e Gilles." Vale à pena ver.




19 e 20 - E ainda duas exposições de Leilões: Bolsa de Arte e Soraya Cals, com ótimos catálogos (o da Soraya Cals, um livro muito bem editado, com texto do Frederico Morais, não é vendido, e o da Bolsa de Arte, mantem o bom padrão e é vendido por R$25,00 com renda revertida para obras beneficientes). Vale a pena circular por estas exposições de Leilões; normalmente são muito heterogêneas, mas sempre se encontra surpresas; e os catálogos são boa fonte de consulta, inclusive pelas estimativas de preço que trazem. Na Soraya Cals, uma surpresa para mim: 4 aquarelas de um artista dos anos 1970 que aparentemente havia "desaparecido", Luiz Gonzaga Beltrame, as aquarelas são dos anos 1970 e o catálogo tem uma pequena nota biográfica. Vi uma exposição individual do artista em 1974 na Galeria Real, no Rio, e também em alguns salões, o trabalho dele era um cult em meio à descobertas do Oriente ("Se Oriente, rapaz..." cantávamos como Gal e Gil), pequenas e delicadas aquarelas com espaços místicos e estranhos; depois, nos anos 1980, não vi mais nada sobre o artista; que agora aparece no leilão, está registrado no Catálogo e, logo depois, podemos já ler sobre ele na internet.

Algumas fotos dos vernissages destas exposições estão no site Só Arte Contemporânea

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

No Rio, outro viño, e pensamentos


É, mas a boa surpresa de ontem não se repetiu. O Chablis Denis Race 2003 (bem, não é um Chablis Grand Cru ou 1er Cru, dificilmente iria resistir tanto tempo, mesmo na adega climatizada, é um Chablis simples, comprado no supermercado Zona Sul) estava irremediavelmente passado. Uma pena. Ainda uma boa cor, não escureceu; e ao abrir, ainda um bom aroma, o metálico característico dos Chablis, o que me encheu de esperança; mas na boca sinto que a acidez se foi, está completamente chato, pesado. Que pena. Jogar fora, abrir outro vinho, e prometer a mim mesmo nunca mais ser negligente com o tempo. Senhor da razão, sim, o tempo, mas também o senhor da decadência, do perdido, do destruído, do irrecuperável. Prometer a mim mesmo sempre lembrar que, assim como os vinhos, como tudo, às vezes não adianta esperar demais. O que acumulamos para o futuro talvez não veja nunca este futuro, ou ao vê-lo talvez ele esteja chato como este Chablis. Bebido na época certa, divino; depois da época certa, um cadáver. Prometer a mim  mesmo isso: não esperar demais, não esticar a corda, gozar na hora certa; e: quando se é jovem, a hora certa pode ser o agora e pode ser o depois, o bem depois, a gente tem todo o tempo do mundo; mas quando se é maduro, a hora certa é sempre o agora, quando ainda se esta no auge ou se tem uma lembrança deste auge; pois o futuro pode ser um vinho que virou vinagre.
Prometer a mim mesmo não virar vinagre.
Feliz aniversário, Sr. J.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

No Rio, um viño

O Rio é maravilhoso, claro. Mas está muito quente.
Um dia belíssimo, mas quente; e ainda por cima a manhã inteira no programa de índio que é fazer vistoria de carro. É preciso, ou então serei vítima fácil de achaques em qualquer operação verão que o governo fizer. E pior que o calor, neste caso, é a inutilidade da manhã perdida: você sabia? que em Brasília não se faz vistoria de carro? e nem por isso vemos circulando carros sem condições de, não mais que aqui.
Enfim.

Na noite, uma agradável surpresa, na adega uma garrafa solitária de um vinho que foi meu companheiro de verões há alguns ano. Um Muscadet Sur Lie, Côtes de Grandlieu, Le Pavillon, Domaine du Haut Bourg. Apesar do nome pomposo, comprado no Zona Sul a um preço bem razoável. Branco, francês, leve, claro. Só que safra de 2005, e eu penso que certamente não resistiu estes 4 quase 5 anos de guarda, deve estar passado, e decido: abro, provo, cuspo e jogo fora.
Não, esta foi a agradável surpresa: está inteiro, está ótimo, mantem o frescor, o aroma de melão e maçã verde, mas ganhou outros aromas mais complexos. Deixou de ser o vinho para acompanhar uma tarde de verão na piscina e se tornou um vinho para uma noite quente desta primavera que mais parece um verão.
Na sessão "limpeza na adega", tenho ainda um Chablis de 2003, mas isso será para outra noite de calor e outro post...

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Auto-retratos como Cardeal Richelieu


Nos primeiros meses de 2009, a imagem de uma pintura - a Natureza Morta com um Crânio, uma vanitas do pintor francês do Século XVII Philippe de Champaigne - me perseguiu, e com isso eu trabalhei em pinturas, estudos sobre aquela imagem, uma série que chegou esta semana a 53 telas, de diversas dimensões (de 30x40 a 80x100cm).
Há pouco mais de um mês, outra imagem do pintor começou a me perseguir: o Retrato Triplo do Cardeal Richelieu, de 1642, que está na National Gallery em Londres. Não é o único retrato-múltiplo da época, vários outros artistas usaram o retrato duplo, inclusive usando o recurso de reflexo da imagem em um espelho ou superfície espelhada, o que também dá margem para virtuosismo na pintura; e a Royal Art Collection, também em Londres, tem um lindo Retrato Triplo do Rei Carlos I, de Anton Van Dyck.
A função dos retratos triplos, provavelmente, era a de captar vários ângulos da mesma pessoa, juntando-os na mesma tela, para dar uma visão mais completa do retratado, em uma época onde a pintura, o desenho, eram os únicos instrumentos para o registro de imagens; este registro poderia ser utilizado, por exemplo, pelo próprio pintor para fazer novos retratos da pessoa, freguês habitual, claro, sem ter que submetê-lo a posar em novas e tediosas sessões. Com o cubismo, o futurismo, o expressionismo e outros movimentos modernos, estes duplos e triplos adquirem novos sentidos, pictóricos e psicológicos, que certamente não tinham ao serem pintados; penso nos retratos em trípticos do Francis Bacon, por exemplo. Por estes novos sentidos, além, é claro, da beleza do colorido, da sobriedade associada ao luxo, da composição concisa, e talvez por outros motivos inconscientes, o retrato do Cardeal Richelieu me colocou a compulsão de nova série de pinturas.
São os Tríplices Auto-retratos como Cardeal Richelieu, a série de pinturas que está apenas no início; e como nas minhas outras séries, uso o tema e a composição apenas como  um motivo, uma desculpa, para viajar: em cor, em novas formas, em pintura, em misturas com outras imagens de meu trabalho, da História da Arte ou de midia, da arte urbana... Principalmente, pinturas que me dão muito prazer ao fazer.
Estas séries de pintura estão completas em álbuns no meu Facebook, que podem ser vistos (mesmo por quem não tem FB) nos links:
Estudos sobre Vanitas de Philippe de Champaigne
Tríplices Auto-retratos como Cardeal Richelieu

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Meu pai, Antonio Moraes Correia, 90 anos


Hoje, 4 de novembro, ele faria 90 anos. Meu pai. Escorpião (como eu, ou melhor, eu sou Escorpião como ele). Uma vida interessante, uma perpétua busca.
Família tradicional nordestina, uma família patriarcal como se lê em romances, e que existia realmente, no início do século XX. O pai de meu pai (meu avô, de quem herdei o nome), o Coronel Jozias, certamente cristão-novo, um mascate que construiu um Império, em um porto longínquo do Nordeste brasileiro, na beira do Delta do Parnaíba: Amarração, a cidade depois batizada Luiz Correia, como seu irmão mais novo, tio de meu pai. Quando meu pai nasceu, caçula de 14 irmãos, o Império já era comandado pelo filho mais velho do meu avô, o maquiavélico Zeca Moraes; meu pai, filho caçula-temporão, era como que neto do pai dele, o que lhe permitia ser um pouco mais moderno, o Antonio, o artista.
Estudou no Rio, início dos anos 1940, dividiu quarto em pensão na Rua das Marrecas com Augusto Rodrigues, era amigo de Santa Rosa, de Pancetti; com eles, artistas jovens, frequentava o atelier do mestre Portinari, no Cosme Velho; misturava tintas, tinha um bom desenho, recebeu uma menção honrosa com um desenho no importante Salão de Belas Artes. Enquanto isso, estudava, ia ser arquiteto (o primeiro arquiteto da familia patriarcal que tinha comerciantes, diplomatas, políticos, mas que girava em torno do dinheiro da exportação da então riqueza do Nordeste, a cera da carnaúba). E fazia aventuras, foi um dos pioneiros a escalar, com amigos, o pico das Agulhas Negras, no Itatiaia, então o ponto culminante do Brasil, o que rendeu uma grande matéria na revista O Cruzeiro, com muitas fotos.
Na Rua Santa Clara, em Copacabana, a casa da irmã, Maria Alice, costureira de alto nível, modista, o que hoje chamaríamos de estilista; nos finais de semana meu pai saía da pensão da Rua das Marrecas e ia almoçar na casa da irmã, se sentir na família patriarcal, manter os laços com o longínquo Piauí, o Delta, as carnaúbas, a riqueza verde, exportada para os Estados Unidos e matéria prima para tanta coisa antes da descoberta do plástico, até para os discos em 78 rpm que levavam em seus sulcos as vozes do momento. Carmem, a Miranda; Frank, o Sinatra; eles todos tinham suas vozes registradas para a eternidade graças à cera da carnaúba que saía dos campos do Piauí para a América do Norte nos navios dos Moraes Correia.
Uma lenda familiar diz que o sobrenome Correia é a maior prova de cristão-novos que somos, na verdade uma adaptação do sobrenome Cohen. E os Cohen-Correia, que fizeram a vida como mascates no Nordeste, do Rio Grande do Norte para o Ceará, para o Piauí, e acumulando, pouco a pouco, economizando, construíram este império de exportação da cera de carnaúba.
A vida de meu pai tem rupturas, em algumas ele é invadido pela realidade adversa, em outras me parece que ele opta por uma ruptura. Compreendo bem isso, eu também herdei esta compulsão por rupturas, por apagar tudo e começar de novo, o que hoje entendemos como a tecla DEL.
Ele estava muito bem no Rio, mas foi passar férias em Parnaíba; as férias devem ter sido maravilhosas, pois ele perdeu os prazos todos para entrar na Faculdade de Arquitetura, ia ser aluno do Lucio Costa; deixou malas no sótão da casa da irmã, nas malas nada menos que 3 telas do Pancetti, deixou tudo, e começou vida nova. (Os Pancetti perdidos são outra lenda na família, imaginamos que ficaram no sótão de Tia Maria Alice até que a casa da Rua Santa Clara foi vendida e derrubada para a construção de um prédio, o fato é que se foram, se perderam)
Vida nova: o novo patriarca, meu tio Zeca, achou que estava na hora do jovem Antonio entrar na realidade, e   o mandou para uma temporada de estudos em NYC. Em paralelo, ele estaria em contato direto com os compradores da preciosa cera de carnaúba, e atuaria, como uma pessoa da maior confiança, como irmão, nas manobras contábeis de super e sub faturamento das exportações.
Ah sim, e também nestas férias que imagino maravilhosas, meu pai conheceu, e teve um namoro, com minha mãe, na festa de 15 anos dela, o que antigamente era um evento, a debutante; isso também é outra história, que merece um capítulo a parte.
Assim, deixando o Brasil, a Faculdade de Arquitetura, as tardes no atelier do Portinari, as telas do Pancetti, o flerte com minha mãe, tudo isso, meu pai aperta a tecla DEL e chega em New York, para um curso na Columbia University e também para trabalhar, controlando de perto os importadores americanos da preciosa cera de carnaúba.
Era época da guerra, NYC não parava, como hoje, mas os homens jovens estavam, em sua maioria, fora, nas manobras da Guerra na longínqua Europa (muita literatura sobre isso, e alguma literatura sobre como ficou NYC vazia neste tempo).
Além de bonito, simpático, inteligente, uma aura de latin-lover, o Antonio se beneficiou da baixa na concorrência, e entre as aulas na Columbia, fazia a vida noturna em uma NYC maravilhosa... The Copa, Jazz in Harlem, Village... Uma das namoradas era modelo da Saks 5th Avenue, e as fotos da linda americana, sulista, com casacos de pele, ficaram com ele; uma carta onde ela diz que precisa casar com o noivo da cidade sulista, mas que se ele, Antonio, dissesse que sim, ela cancelaria o casamento.
Mas ele voltou (DEL), o Brasil, Parnaíba, o Império o esperavam. Trouxe novidades dos USA, hábitos considerados excêntricos pela família patriarcal (um deles, piada na família: em um almoço festivo, mandou servir uma salada de frutas como entrada; o pai, meu avô, apenas perguntou, com a voz rouca, se o almoço estava terminando pois já era servida a sobremesa).
Enfim, o casamento com minha mãe, moram em São Luiz do Maranhão, ele é um grande vendedor, grande negociante, os negócios vão bem, nascem os filhos, crescemos todos. Um casal perfeito, uma família perfeita; ideias avançadas para a época (exemplo, os filhos de todas as familias nordestinas nos anos 1950 eram costumeiramente espancados como método educativo; meus pais conversavam conosco sobre o certo e o errado, o que causava espanto entre as outras famílias).
Anos 1960-70, o auge e a débâcle. Os negócios vão bem, muito bem. Na estreita sociedade de São Luiz do Maranhão, meu pai e minha mãe são referências, em contato sempre com o que há de moderno.
Compram um apartamento no Parque Guinle, no Rio, uma obra-prima modernista; ao mobiliar, mesa de jantar do Terneiro; em temporadas no Rio frequentam a sociedade carioca, e em São Luiz mantém uma casa aberta para os intelectuais e políticos, uma tendência para a esquerda, claro.
Viagens frequentes aos Estados Unidos (meu pai passa a vender também aviões Piper, produzidos na Pensilvânia, e, nos seus quarenta anos, aprende a pilotar e passa a atuar como co-piloto em todos os aviões que importa). Fiz umas viagens destas com ele, e uma lembrança inesquecível é a do meu pai me apresentando o MoMA; me apresentando a NYC que ele tanto viveu, e me incentivando a voltar, a ficar, na Capital do Mundo.
Logo são os anos da ditadura. Uma lembrança, boba, que tenho, é a de meu pai me explicando que naquele ano (1964? 1965?) não teríamos férias no Rio; era o período do arrocho econômico feito pelo Roberto Campos, e a baixa na atividade econômica afetava todos; eu teria que me preparar para viver as férias no Olho d'Água mesmo (tudo bem).
A atividade de meus pais com a intelectualidade logo se torna uma atividade política. Eles se filiam ao MDB (não o PMDB de hoje, fisiológico, mas o autêntico, de combate à Ditadura). Em 1966 participam de uma campanha política, apoiando Renato Archer como candidato a Governador (contra o José Sarney), meu pai como candidato de protesto a Senador obtém expressiva votação e minha mãe é eleita vereadora de São Luiz. Quem ganhou a eleição? e como? o José Sarney que hoje todos conhecem.
Na época, Glauber Rocha esteve em São Luiz para fazer um documentário sobre a eleição do Sarney, o documentário existe e muitas cenas foram aproveitadas em Terra em Transe; o Glauber filmava o Sarney, mas às noites ele ia, com os intelectuais da cidade, à casa dos meus pais, no Olho d'Água, pois era o lugar onde havia uma conversa inteligente, um whiskey do bom e umas casquinhas de caranguejo deliciosas.
Mas a atividade política de meus pais, o combate à Ditadura, teriam consequencias.
Depois da política recessiva do Roberto Campos, o Brasil entra na época do Milagre Brasileiro. Expansão, crédito ilimitado, crescimento, este é um país que vai pra frente, 90 milhões em ação, pra frente Brasil...
Uma combinação fatal para o país, que gastou, se endividou e depois amargou concordatas e hiperinflação. No caso do Brasil, conseguimos nos recuperar, porém para meu pai, a combinação foi fatal. No Milagre Brasileiro, ele foi forçado a expandir ao extremo seus negócios, aplicando em devedores sem condições de saldar suas dívidas; os créditos podres que vimos depois em muitas crises do capitalismo; os devedores não pagaram e ele teve que assumir as dívidas com seu patrimônio. Aliado a isso, as posições políticas dele e de minha mãe não os tornavam exatamente simpáticos para os dirigentes, os ditadores.
Depois, tudo se precipita.
As empresas são fechadas. Oficiais de justiça acossam meus pais com citações. Os devedores aproveitam e não pagam, já que as contas todas vão para meu pai. As autoridades dão respostas negativas, em um massacre com fundamentos políticos. Os credores não fazem acordos, e muitos se aproveitam da situação para comprar "na bacia das almas" bens da família levados a leilão, inquilinos aproveitam para furtar coisas de valor, antiguidades, para se dizer posseiros de imóveis da família. A meta é: calar meus pais, humilhá-los, aniquilá-los.
E em 1977, setembro, a hipertensão do meu pai explode em um AVC. Momentos terríveis, a exigir a união de nós, filhos, em torno de minha mãe, a exigir muito de uma família que, em poucos anos, caiu violentamente.
Meu pai se recupera, mesmo com sequelas. A fala enrolada, difícil, o lado direito com poucos movimentos, o andar claudicante. E o espírito de luta. E começa outra vida, com uma deficiência, fazendo pouco caso das limitações. Recupera o que ele gostava de fazer, artes, a fotografia. Reaprende a empunhar a câmera, uma Nikon analógica; a desenhar, com o lado esquerdo apenas.
Transformado em um andarilho, viaja, sozinho, com sua câmera, pelo Brasil. Viaja, vai aos Estados Unidos várias vezes, visita minha irmã que mora em Atlanta, vai ao Rio aonde moramos eu e minha irmã mais nova, volta a Teresina onde minha mãe fixou residência para tomar conta de minha avó, sua mãe, doente; mas ele nunca é dependente, circula por todos os lugares, fotografa, expõe suas fotografias.
É outra ruptura, desta vez externa, provocada pela doença; que marca uma nova vida para ele; e que ele bem aproveitou, nunca deprimido, sempre animado, sempre disposto, viajando, pegando ônibus e às vezes carona em caminhão, sempre com a sua câmera e registrando o mundo em fotos.
Fotos, fotos, fotos. Meu pai, o Sr. Antonio. Uma obra que evoluiu silenciosa, que se fez de registros, que resistiu a ser calada, que se rebelou, que gritou, que estava à frente, que se alimentou de adversidades e de rupturas, que viveu uma transição entre um mundo patriarcal e um mundo moderno, que investiu nos filhos, na liberdade e no livre-arbítrio dos filhos, para o futuro; ancorado em um passado mas sempre voltado para um futuro; que nos ensinou a, sempre, sempre, nos superarmos. E nos ensinou o valor da tecla DEL. E, principalmente, da tecla FORWARD.
Em 1994, ele se foi. O corpo frágil (ficou um ano inteiro sem consciência, alimentado por tubos, sob a vigilância de minha mãe), as fotos se desbotam, a memória se esvai, as pinturas precisam de restauro, os filhos tem outras prioridades, ninguém mais se interessa pelo Milagre Brasileiro, muito menos pelas vítimas do Milagre, a memória é curta e o tempo é pouco.
Este é meu pai, o Sr. Antonio Severiano de Moraes Correia. Hoje, 90 anos, uma data. Mais que isso, uma presença, inesquecível, não só para mim e minhas irmãs, mas para quem conviveu com ele, em vários momentos, sempre sobrevivendo na adversidade.
Meu Pai. Parabéns. Estamos com você, sempre.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Diarios de NYC - 5 ("monday monday")

Lindo dia de sol, temperatura agradavel, programação bem light para as despedidas.
Hoje, uma novidade para mim: programei uma ida até Long Island, conhecer o PS-1, o centro de artes contemporâneas associado ao MoMA que funciona em uma antiga escola desativada. Super-fácil, no MoMA estão as instruções, a partir da estação de metrô na 53rd St logo em frente ao MoMA, duas estações e uma andada de 4 quarteirões; o ingresso do MoMA vale, até o dia seguinte, para a entrada no PS-1.
O clima é meio de escola antiga, como se vê no cinema, ampla, funcional, grandes escadarias, paredes de tijolinho e piso de tábuas de madeira ou de concreto; mesmo os seguranças tem um jeito de inspetores escolares; e o coffee shop tem cara de um refeitório de high-school ou universidade de filmes (almocei lá, um chili con carne e tacos, delicioso, baratinho). Alguns problemas: falta de refrigeração nas salas, com isso algumas obras do próprio MoMA não podem ser exibidas, mas eles contornam as restrições com criatividade, falarei disso mais abaixo.
1- No pátio de entrada, uma gigantesca instalação é a mostra deste ano do Programa de Jovens Arquitetos (YAP), competição que tem por objetivo, trabalhando com um orçamento restrito, criar uma área de recreação aberta à população durante o verão, onde acontecem concertos de música popular, música experimental, bandas ao vivo e DJs. Este ano, na décima edição do programa, o grupo de arquitetos MOS projetou e construiu afterparty, um "abrigo urbano", o visual tem algo de tendas ou cabanas africanas, e houve uma preocupação no uso dos materiais e ventilação cruzada para oferecer um microclima mais agradável nos dias quentes do verão (quem já viu Marilyn Monroe se refrescando com o vento causado pela passagem do metrô sabe do que estou falando).
2- Já no interior do prédio, uma visita às exposições temporárias, e algumas obras de arte espalhadas pela construção, integradas ao ambiente; entre elas um mural de Cecily Brown, feito na parede das escadas de acesso ao 2o andar, incorpora descascados da pintura, e as sugestões eróticas da pintura da artista tem a ver com o tipo de graffiti que eventualmente se encontra em lugares como uma escada deserta de uma escola (na verdade há alguns acréscimos mais explícitos provavelmente de algum visitante que desconhece o trabalho de Cecily B. mas ficou pertrurbado por sua força). Logo na entrada, o folder registra uma obra da artista Papilotti Rist, que eu não consigo localizar; ouço, ao longe, uns gemidos, gritos abafados, pedidos de socorro? mas não consigo ver de onde; até que, dentro de um pequeno buraco em uma tábua do assoalho, parte do desgaste natural da madeira, uma minúscula tela mostra um vídeo, uma peformance, a artista presa pede ajuda "para cima", para o espectador desavisado que quase pisa na obra...
3- Swimming Pool, instalação do artista argentino Leandro Erlich, ocupa uma galeria de pé direito duplo. Sobe-se a um deck de madeira, chega-se uma piscina "real", com água; no fundo, vêem-se pessoas, ou sombras, estranhamente caminhando; talvez projeções de video? Desce-se para baixo do deck; a borda lateral da piscina tem passagens e por elas uma luz estranhamente azulada; entramos e nos transformamos nas pessoas que agora são vistas como sombras pelos espectadores que estão no andar superior do deck; e entendemos a mágica: a piscina, que vista de cima parece ser profunda e cheia de água, na verdade tem um fundo falso de vidro, com pequena profundidade abaixo do nível de água, abaixo do qual estão as paredes e o fundo, pintados em azul, que pensamos ser o fundo real da piscina. Fantástico.
4- 1969: Exposição que comemora os 80 anos do MoMA (que foi aberto ao público em 07/11/1929, apenas 9 dias após o crash da Bolsa de New York), recuperando o que foi um ano essencial para o Museu, o ano dos seus 40 anos, 1969; um ano de efervescência política, social, cultural; para as artes um momento de esgotamento de linguagens e descoberta de novas.
Um ponto central de 1969 é a "exposição dentro da exposição", onde é recriada uma exposição do próprio MoMA em 1969, Five Recent Acquisitions, organizada na época pelo curador Kynaston McShine, e com obras recém-adquiridas de Larry Bell, Ron Davis, Robert Irwin, Craig Kauffman e John McCracken. O espaço de meditação do cubo-branco da exposição original é colocado dentro do espaço informal, super-contemporâneo do PS-1, refletindo os conceitos de expansão dos artistas da época, que abriram novos caminho para o contemporâneo.
Em paralelo, um grupo de jovens artistas trabalhou com intervenções nas galerias para reforçar, dialogar ou interferir com as obras expostas, da coleção do Museu, falando de temas presentes ou ausentes da exposição, como a chegada do homem à Lua, Guerra no Vietnam, Woodstock, o movimento de Direitos Civis e outros. Estes artistas são Base, The Bruce High Quality Foundation, Mathew Day Jackson and David Tompkins,  e Hank Willis Thomas.
Algumas obras importantes não puderam ser trazidas da reserva técnica do MoMA, uma vez que, como comentei antes, PS-1 tem problemas em relação a climatização: são peças com feltro e outros materiais sensíveis (um Robert Morris de parede, um trenó do Beuys). Uma solução seria fazer réplicas, foi o que o PS-1 fez; porém não são "simples" réplicas, foram feitas por Stephanie Syjuco, uma artista que se utiliza das táticas de reapropriação/bootlegging para criar "réplicas" reinterpretadas, propositalmente imperfeitas, com materiasi baratos, que ao se apropriar de objetos icônicos de arte/design, exploram a fricção entre os altos ideais e os materiais do dia-a-dia...
Entre os artistas: Vito Acconci, Carl Andre, Richard Artschwager, Richard Avedon, Larry Bell, Mel Bochner, Marcel Broodthaers, James Lee Byars, John Cage, Vija Celmins, Walter De Maria, Jan Dibbets, Fluxus, Helen Frankenthaler, Lee Friedlander, Gego, Guerrilla Art Action Group, Philip Guston, Art Workers Coalition and Peter Brandt, Richard Hamilton, Strike Poster Workshop, Jasper Johns, Ray Johnson, Donald Judd, Joseph Kosuth, Sol LeWitt, George Maciunas, John McCracken, Bruce Nauman, Claes Oldenburg, Dennis Oppenheim, Nam June Paik, Richard Pettibone, Arnulf Rainer, Robert Rauschenberg, Gerhard Richter, Dieter Roth, Edward Rusha, Richard Serra, Joel Shapiro, Andy Warhol, Lawrence Weiner, John Wesley.
(em construção)




(em construção)

domingo, 25 de outubro de 2009

Diarios de NYC - 4 ("sunday bloody sunday")

Hoje, domingão, o dia amanhece bem ensolarado, faz frio e venta muito, mas com sol já é muito melhor para o turista ocasional do que com chuva. Cheio de animação, programei meu dia: em ritmo acelerado, consigo ver o MoMA e o Whitney, afinal este último não está com uma programação quente (OK, Georgia O'Keeffe: Abstraction e Steve Wolfe on Paper). E com sorte e objetividadee consigo pelo menos "conhecer a porta" de um dos dois que eu não conheço ainda, o Museum of Arts and Design (no Columbus Circle) ou o New Museum, nenhum deles com programação de peso, me parecia. Mesmo o MoMA, na minha avaliação preliminar, estaria com uma programação "média", a grande exposição do 6o. andar, Ron Arad: No Discipline, havia acabado no dia 19.
Vou caminhando no sol gostoso, domingão, sunday bloody sunday, meio que assoviando a música do U2, e também, em livre associação, me lembrando do filme (onde Peter Finch e Glenda Jackson disputavam os favores de um arquiteto) e ainda da Bloody Mary, não o drink com vodka, é cedo ainda, e sim a Rainha Mary Tudor... E faço minha imersão no MoMA. Muito metódico que sou (ou meio TOC) subo ao último andar e faço o percurso descendo; isso me matou, a exposição  nas Galerias Contemporâneas do 2o andar é a melhor de todas, fantástica, não dá para ser vista em leitura dinâmica, e assim fico o dia inteiro no MoMA, almoço lá, saio quase expulso na hora de fechar, tenho que voltar no dia seguinte para o MoMA Design Store, mas tudo bem, valeu!

1- Esta exposição é a "Compass in Hand: Selections from The Judith Rothschild Foundation Contemporary Drawings Collection". Eu já havia lido alguma coisa sobre isso, a Judith R. foi uma pintora abstrata que morreu em 1993, com 1971 anos; pelo sobrenome, imaginamos que muito rica; e deixou esta fundação, com um patrimônio inicial de US$ 42 milhões (já multiplicado pelas felizes aplicações) e as missões de: divulgar o trabalho da artista Judith R. (claro); cuidar e ampliar a coleção de arte de Judith R.;  implementar um programa de bolsas/incentivos para encorajar o interesse em artistas norte-americanos falecidos entre 1976 e 2008 mas que o trabalho, embora de qualidade, não tenha conseguido reconhecimento adequado; e, finalmente, suporte a museus e instituições culturais em geral. E também, uma cláusula do testamento foi que a fundação "se auto-destruiria", ou seja, deveria esgotar seus recursos em 25 anos, tendo cumprido sua missão neste período, e deixando portanto de existir.

Uma tarefa delicada, portanto, para o curador, Harvey S. Shipley Miller. Gastar, gastar bem, não se eternizar burocraticamente. Uma atuação foi o incremento na coleção que a artista havia construído; a Fundação investiu, em 2003, mais de US$ 7 milhões para criar uma coleção contemporânea, com trabalhos de mais de 400 artistas, incluindo Jasper Johns, Cy Twombly e Gerhard Richter.
O programa de bolsas/incentivos segue, mas não é um grande consumidor da verba; por exemplo, em 2009 foram 17 espólios agraciados, com bolsas entre US$ 5 mil e US$ 10 mil, ou seja, uma "migalha" diante dos recursos da Fundação.
Após iniciativas pontuais - as doações da obra gráfica de Jacques Villon ao Museu de Arte da Filadélfia e da coleção ao MoMA de mais de 1000 livros ilustrados russos (The Russian Avant-Garde Book 1910-1934),
Shipley Miller foi ousado. E, trabalhando com outro curador, Gary Garrels, então curador de desenhos do MoMA, inciaram, em 2003, o projeto da  Coleção de Desenhos Contemporâneos da Fundação Judith Rothschild. Os curadores trabalharam, pelo menos no início, sem a garantia de que o MoMA iria aceitar a doação, ao final; porém o trabalho tinha tanto peso, que não só muitos galeristas e artistas venderam trabalhos em condições excepcionais, como artistas abriram seus acervos particulares para disponibilizar trabalhos importantes e que de outra forma jamais iriam entrar no mercado. E com uma expectativa de "torrar" entre US$ 50 e 70 milhões.

Quando li sobre o assunto, há alguns anos, talvez na Artforum, um ponto interessante era esse: ainda não havia a garantia de que o MoMA aceitasse a doação, mas a perspectiva disso criava uma expectativa entre artistas/marchands, e uma pergunta foi: e se o MoMA não aceitar? ou não aceitar em bloco? me parece que os curadores falaram em que a probabilidade era pequena, porém caso isso acontecesse, teriam que retornar aos artistas para renegociar, em função de doação a uma outra instituição... Até parece o circuito de artes no Brasil, onde há doadores de arte, política de aquisição e de doações, incentivos do Estado para doações etc. etc etc. Enfim, o MoMA aceitou, e lá está a coleção, for my eyes only (nada, para os milhares de visitantes do Museu no domingão).
Os curadores partiram de uma definição ampla de desenho, englobando trabalhos que seriam, em uma visão mais estreita, colagens, instalações, pinturas... mas com uma definição bem focada na qualidade. A doação, finalmente concretizada em 2005, foi de mais de 2500 desenhos, de cerca de 400 artistas em 20 países; na exposição está uma primeira mostra, 350 obras de 177 artistas.
A exposição é maravilhosa, para ser vista com calma, curtindo as muitas formas que esta coisa que tem o rótulo de "desenho" assume e vem assumindo; primo pobre da pintura, uns acham, esboços preparatórios para a grande obra, pouca durabilidade, sujeito a fungos, rasgados, amassados, vulnerável por demais à umidade e aos raios de luminosidade, e assim vão os preconceitos; que justamente a exposição e a Fundação J.R. se contrpõem. Ao focar em preservar desenhos e em valorizar o trabalho de artistas mortos sem o reconhecimento do circuito, a Fundação J.R. demonstra que seu investimento é em tentar preservar, eternizar, o efêmero; uma aposta para o futuro, mais do que um compromisso com o passado ou o presente; e um destino que, ao visar a própria extinção, aposta na preservação, na eternidade.
Bom, quem está na exposição, todos eles, citar alguns só:
E as outras exposições:

2-  The Erotic Object: Surrealist Sculpture from the Collection. Bela exposição. Uma das molas mestras do Surrealismo foi o erotismo; outra foi a ênfase na arte total, sair do bidimensional, para as 3-D: ambientes, objetos. E esta exposição coloca os objetos surrealistas do acervo do Museu dentro da perspectiva do erotismo, sutil, dissimulado, ou escancarado. Acho incrível que, depois de tantos anos, de tantas revoluções sexuais, alguns destes objetos continuam tão provocantes ou mais provocantes que nunca, também o mundo já embarcou na era do politicamente correto, do Parental Control, do novo-fundamentalismo.

3- Três exposições sobre design, no 3o. andar, mostram que o papel pioneiro do MoMA em termos de valorização do design não está ameaçado pelas novas instituições dedicadas exclusivamente ao assunto. São elas: Rough Cut: Design Takes a Sharp Edge (a mensagem é: "o bom design não é necessariamente bonito"); What was Good Design? MoMA's Message 1944-56 (uma mini-retrospectiva, abordando que antes mesmo de se ter consolidada uma visão de design o MoMA já atuava nesta área, mostrando, e mais que isso, "desenhando o design", avalizando uma ideia de bom desenho que formou as primeiras gerações de designers); e Polish Posters 1945-89 (idem, mini-retrospectiva, também marcando o espaço, tipo "olha, antes de existirem estes museus de design, o MoMA já cuidava do assunto").

4- Ainda no 3o. andar, In Situ: Architecture and Landscape. São maquetes e desenhos/projetos arquitetônicos, da coleção do Museu, mostrando diversas atitudes sobre a paisagem nos últimos 100 anos, um destaque para um projeto do brasileiro Roberto Burle Marx, Garden Design Saenz Peña Square. Uma maquete, Slow House, construída em North Haven, NY, é do escritório de arquitetura Diller & Scofidio, que tem uma relação conosco pois foi o projeto escolhido no concurso para o novo MIS, na Av.Atlântica, no Rio.

5- Desde sua criação, o MoMA foi pioneiro também em mostrar fotografia, quando ainda se discutia se fotografia era ou não arte; e a formar um acervo de fotografias; parte do acervo de fotografias está exposto, mostrando fotos antigas, analógicas, processos pioneiros, cenas de rua, retratos do início da fotografia; e, ao lado, em um contraste, uma boa exposição temporária, New Photography 2009: Walead Beshty, Daniel Gordon, Leslie Hewitt, Carter Mull, Streling Ruby, Sara VanDerBeek, mostra temática de fotografias recentes que expandem as definições convencionais do tema. Tenho conversado muito sobre isso, ao meu ver o advento da fotografia digital trouxe um desafio para a fotografia tão grande quanto o advento da fotografia no final do século XIX trouxe para a pintura. Para mim, está se chamando "esta novidade digital" de fotografia à falta (ainda) de outro nome; da mesma forma que com a criação da fotografia às vezes se chamava a nova técnica de retratos e se tentava colocar nela (meio à força) algumas convenções da pintura; até que a pintura reagiu (a partir dos impressionistas), como? passando a ser "pintura", e deixando o aspecto documental para a nova técnica. Acho, então, que estamos exatamente neste momento de transição, e nada mais diferente, conceitualmente, embora sobre o mesmo rótulo de "fotografia", do que as fotos antigas do acervo e as "fotos" da exposição New Photography 2009. Um destaque da exposição, pelo menos para mim que vi em Chelsea (gostei, e comentei no blog) um trabalho antigo do artista Daniel Gordon (os voos que tanto remetem ao Void do Yves Klein), é ver um trabalho mais recente, fotos de colagem de fotos - que já remetem muito ao surrealismo.

6- Paul Siestsema, artista americano. Desenhos e filmes, um trabalho bem interessante; nos desenhos o artista utiliza jornal, recortes de imagens e textos de jornal;  em um trabalho meticuloso, ele reproduz os recortes, ampliando a escala e invertendo a imagem; sobre a qual coloca manchas; referência ao expressionismo abstrato. Em outros trabalhos, utiliza detalhes de objetos etnográficos (África, Indo-Ásia, Oceania), também refazendo estes objetos em desenhos e esculturas, depois filmando as esculturas em filme analógico 16mm, preto e branco. Tecnicamente o trabalho é tão perfeito que o espectador demora a perceber que se tratam de desenhos, a impressão é de que são xerox ou fotos ampliadas; e os filmes mostram imagens quase fantasmagóricas que oscilam entre abstração e figuração. Sempre com uma discreção, uma paleta de cinzas, sem enfatizar o processo; que os trabalhos também se tornam abstrações em gradações de branco/cinza/preto.
7- In & Out of Amsterdam: Art & Project Bulletin 1968-1989. Nas décadas de 1970-80, Amsterndam era uma cidade com um movimento muito intenso de arte conceitual, mail art, performances e outras experimentações.  foi uma galeria que, ativa entre 1968 e 1989, organizava exposições focadas em Arte Conceitual, divulgando-as através do seu Art & Project Bulletim, que se tornou mais do que um "jornal" de divulgação e passou a ser ele mesmo uma obra, na medida de sua utilização pelos artistas com suas propostas conceituais e de mail art. A exposição apresenta uma seleção da recente doação feita ao acervo do Museu, de 156 exemplares do boletim, intercalados com obras em midias diversas de Daniel Buren, Sol LeWitt, Lawrence Weiner e outros artistas.
8- Looking at Music: Side 2, é uma exposição multimidia, com desenhos, fotos, videos, audios, super-8 e zines da coleção do MoMA, sobre a mistura entre música, media e arte visual que era feita  no final do século XX, em especial a partir da metade dos anos1970. Uma oportunidade para viajar, e não só para quem viveu aquela época, mas para os que sabem de sua permanência no que se faz até hoje.
9- Finalmente (depois do almoço, no Café 2 do Museu, um salmão delicioso com um refrescante Pinot Grigio, ninguém é de ferro), as Monet's Water Lilies, as ninféias, maravilhosas, um espaço para transcender.
10- Bom, no MoMA sempre uma novidade: perto da escada rolante para a subida, um trabalho, vídeo, de uma artista, Jessica Mein, a etiqueta diz que é brasileira, nascida em 1975; não conheço e sobre a qual gostaria de saber mais, dever de casa que levo para pesquisar na internet (fiz o homework, o site da artista mostra outros videos, bem interessantes, e também trabalhos em papel, desenhos e gravuras). E além de tudo o acervo, sempre é bom, rever os Picasso (em especial Demoiselles d'Avignon), os Pollock, os Matisse, os Bonnard, os Warhol, os Philip Guston, ficar horas na sala do Beuys, tudo isso não tem preço.
Expulso do Museu, volto para o hotel caminhando; na parte da Broadway fechada ao trânsito faz-se uma feirinha aos domingos; se não fosse o almoço no café do MoMA talvez comesse o kebab, que parece delicioso; mas não se pode ter tudo, fica para a próxima viagem.
Acho que o bom de uma viagem (é, eu sou TOC mesmo) é sobrarem coisas para a viagem seguinte...