sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A arte engajada de Gérard Fromanger (CCBB-BSB)




No CCBB de Brasília, "A Imaginação no Poder" é uma exposição importante, a chance de conhecer a obra do artista francês Gérard Fromanger. Digo "conhecer" pois para mim veio como uma surpresa, eu conheço tanto artista obscuro e desconhecia a obra deste francês, uma obra engajada, que esteve nas barricadas em Paris de 1968, bebeu café e pastis nos bares com os filósofos, os existencialistas já consolidados, os estruturalistas como uma promessa, e os enragés do século XX, que jogavam sobre os gendarmes os paralelepípedos cheios de história do calçamento da Cidade Luz.
São quase 70 obras, a curadoria é de Anne Dary e Wagner Barja. Gérard, o artista, esteve no Parque Lage, em debates com turmas de alunos, pelo que sei com ótima repercussão, e isso fala muito sobre um artista engajado, o diálogo fluindo com as novas gerações.

Fromanger nasceu em 1939, assim viveu, em criança, a Guerra, a invasão da França pelos nazistas, a libertação; em 1968 estava, portanto, com 29 anos (ainda confiável, pois com menos de 30, e uma das palavras de ordem, da qual os compositores brasileiros Marcos e Paulo Sérgio Valle se apoderaram, era: "não confie em ninguém com mais de 30 anos"); mas a revolução de maio de 1968 foi feita pelos jovens de 17-18-19-20 anos, os baby-boomers, os nascidos no pós-guerra.
O artista e toda uma constelação de intelectuais mais velhos (Sartre, 1905 e Simone de Beauvoir, 1908; Foucoult, 1926; e muitos outros) que acompanhou, apoiou, incentivou, os jovens estudantes como o Daniel Le Rouge (1945, este um autêntico baby-boomer) e outros mais novos ainda.

O trabalho de Fromanger é isso, são ecos da revolta contra o estabelecido, uma nova geração no poder, uma crítica ao estabelecido e também uma crítica ao consumismo de origem norte-americana, que aos poucos sobrepujava a influência mundial que a cultura francesa teve por séculos; uma arte engajada, para pensar, para levar à ação. E se manteve fiel a estes princípios mesmo depois que os ventos daquele maio se reduziram a calmarias.
Em um dos trabalhos mostrados na exposição, uma grande tela dos anos 1990, o artista mostra, entre outros símbolos do Establishment, as Torres Gêmeas do World Trade Center, cobertas de sangue. Uma premonição? não, apenas uma visão política que não se deixou dominar e que continua usando a arte como palco para discussões políticas; sem deixar de ser arte, sem prejuízo do estético, das cores, do diálogo entre formas e cores, dos espaços e perspectivas, cores, luz, texturas, contrastes, pintura.
Fromanger foi o expoente máximo desse movimento artístico, a Nouvelle Figuration (nova representação figurativa ou figuração narrativa), e na exposição vejo um link, importante.
Na mesma época, no Brasil, mesmo no auge da ditadura militar (que culminou em dezembro do mesmo 1968 com a edição do AI-5), um grupo de artistas trabalhava com a figuração, se contrapondo à dominante abstração, por eles vista como alienada: Gerchman, Vergara, Roberto Magalhães, Antonio Dias, no Rio; e em SP, Wesley, Claudio Tozzi e outros.
Como nesta época NYC estava se consolidando como o centro mundial em termos de artes plásticas, suplantando Paris, e também pelas ligações dos artistas brasileiros com NYC (Gerchman e Oiticica moraram lá um bom tempo), a imagem que ficou é que a Nova Figuração brasileira é filha da Pop-Art. Semelhanças formais com os Warhol, os Lichtenstein (Tozzi o maior exemplo) reforçam esta tese.
Mas ao visitar a exposição do Gérard Fromanger vejo que a maior influência para a nossa Nova Figuração deve ter sido realmente a Nouvelle Figuration.

Até por isso esta exposição se torna mais importante. E poderámos ter (não custa nada sonhar de curador com recursos ilimitados) uma exposição maior, contrapondo Gérard Fromanger aos nossos então artistas jovens em 1968 que tem a ver. E mesmo incluir nesta exposição imaginária uma ligação com os artistas jovens no terceiro milênio, os politizados, que tem a ver muito com os trabalhos nas barricadas de 1968 (by the way, o ano que não acabou e não acabará jamais). Penso em Alê Souto (as linhas urbanas do Tumulto são herdeiras talvez inconscientes das marcações das linhas do metrô de Paris que habitam muitas obras do artista francês) , Elvis Almeida, Gustavo Esperidião e muitos outros.
Enfim.
Uma boa exposição, que estará também no Rio e em SP.

Ver também:
Não confie em ninguém com mais de 30 anos
1968 na visão de intelectuais brasileiros
Maio de 1968 na wikipedia


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