sábado, 10 de outubro de 2009

Diários de Inhotim (2)

Sábado, saímos cedo de BH, rumo a Inhotim, em um ônibus. Não é uma excursão nem uma visita guiada, é um workshop promovido pela Dynamic Encounters, do Charles Watson, professor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage.  Além do Charles, outros ótimos professores: Fernando Cocchiarale, Frederico Carvalho, Pedro França e Eduardo Berliner; e o grupo de 38 pessoas - artistas, estudantes, publicitários, arquitetos, designers... O workshop na verdade começou ontem, no encontro do grupo para o jantar e discussões informais, entre bocados de comida mineira e colheradas de tentadoras sobremesas.
No caminho, visões bem rurais: rios cercados de lama pelas chuvas recentes (os deuses do tempo nos ajudam, o sol começa a brilhar e brilhará todo o final de semana), matas, montanhas, gado, pastagens, casas simples com cercas de garrafas pet, pessoas de bicicletas; Brumadinho é uma cidade bem pequena; a construção de uma ponte está em pleno trabalho; e nada indica nas redondezas, a menos de placas que sucintamente apontam: Inhotim 5km, que dentro daquela paisagem simplória se esconde o Centro Cultural que é dos 5 mais importantes centros mundiais de artes. Mundiais.
Charles explica a metodologia do workshop. Mesmo tentando uma visão geral, não será uma visita extensiva; vamos focar em alguns trabalhos, discuti-los; e também tentar ver o máximo, mas alguma coisa terá que ficar de fora. E os professores estão o tempo todo à disposição para perguntas, discussões, além das apresentações mais estruturadas, que em sua maioria são feitas pelo próprio Charles ou pelo Fred. As abordagens são bem diversas, e isto é enriquecedor.
O Instituto Inhotim se localiza em um vale, com lagos cercados por jardins feitos com base em conceitos de Burle Marx, rodeado por montanhas. As obras de arte se localizam pelos jardins ou agrupadas em pavilhões, as Galerias, ou os mais recentes pavilhões com obras de artes site-specific. A menos das instalações permanentes, apenas parte da coleção é exposta a cada momento, e a instituição conta com uma boa reserva técnica. Ah, sim, e os jardins são impecáveis.

Começamos pela Galeria Praça, com instalações de parede do Iran do Espírito Santo (paredes com os degradês de cinzas, como a da exposição na Galeria Artur Fidalgo, que comentei aqui no blog) e murais escultóricos nas paredes do pátio externo, de John AhearnRigoberto Torres (Abre a Porta e Rodoviária de Brumadinho). Há toda uma preocupação do Instituto Inhotim com o entorno, as comunidades vizinhas, que incluem até descendentes de quilombolas, e a proposta de inserção é muito importante: não só o emprego para os moradores vizinhos, mas a evolução desses, e isso se vê bem nas dezenas de monitores, moradores da região, muito bem preparados e interessados, que acompanham as obras e os grupos. Os murais dos artistas, como outras obras expostas, falam desta inserção: mostram cenas de Brumadinho, e foram feitas com a participação dos locais.
A primeira sala da Galeria, já um choque: uma belíssima instalação sonora de Janet Cardiff, Forty Part Motet, uma música do século XVI distribuída por quarenta caixas de som colocadas no nível do ouvido do espectador, em círculo; as vozes do coro se separam e se unem, os espectadores podem se sentar ao centro ou passear entre as fontes sonoras, que, com o som, produzem um espaço, um espaço de elevação. Em outro grupo, uma deficiente visual em êxtase com esta e outras instalações sonoras, me fazem pensar que é bom esta expansão, tão contemporânea, das artes visuais para artes sensoriais.
Em outras salas da mesma Galeria, objetos de  Alexandre da Cunha levam para Inhotim um pouco da "estética da gambiarra" das redondezas (como as cercas de garrafas pet); Nave Deusa, uma instalação do Ernesto Neto, com aromas; e uma belíssima instalação da Janine Antoni, Swoon, que coloca o espectador nos bastidores e dentro de um espetáculo de ballet, através de uma projeção de vídeo e jogos de espelho e de transparências, além de uma suntuosa cortina de veludo.

No pavilhão dedicado ao artista Cildo Meireles, duas instalações permanentes (a terceira, o magistral Desvio para o Vermelho, não está exposta no momento): Glove Trotter e Através. O impacto desta última é imenso, ao se caminhar sobre pedaços de vidro quebrado avançando pelo labirinto de obstáculos, é impossível não se emocionar com a força da instalação.
Em seguida, na Galeria Fonte, a exposição Lugares se inicia com um "caminhão de mudança" feito todo em madeira, do artista brasileiro Marepe; e em seguida, obras de Anri Sala (video-instalação Air-Cushioned Ride), Jorge Macchi (Cidade Luz, bonita instalação onde um mapa de Paris sobre uma mesa, iluminado de cima, "projeta" outro mapa maior colocado no chão sob a mesa, uma situação mágica), Rivane Neuenschwander & Cao Guimarães (com um video Word/World, que mostra o trabalho de formigas construindo/desconstruindo um mundo/palavras), Steve McQueen (Once upon a time, obra de 2002, coloca uma trilha sonora em uma projeção em slides de fotografias que a NASA mandou para o espaço à bordo da Voyager II, em 1977, com a intenção de contar sobre a vida na Terra para seres extraterrestres inteligentes, e mostra a ideologia por trás da escolha das imagens), Alessandro Pessoli (bonitas pinturas, uma escultura/instalação com um avião e pinturas, e uma animação em video) e Jennifer Allora & Guillermo Calzadilla (video There’s More Than One Way To Skin a Sheep).

O almoço é no restaurante do Inhotim, um bufê com comida deliciosa e ótima apresentação, uma festa para os olhos e para o paladar; há ainda opções de lanches, sanduíches e omeletes em coffee-shops ao longo dos pavilhões. Como nos museus do Primeiro Mundo, mas melhor ainda, pois a paisagem que se vê são os lindos jardins e a mata Atlântica...
À tarde, continuamos com uma discussão sobre o que é uma obra emblemática de Inhotim, Troca-troca, os palindrômicos fuscas do artista Jarbas Lopes, desta vez colocados em sequencia na beira do lago. O debate é sobre a obra, o processo, e como é importante para o artista a viagem trazendo os fuscas do Rio até Inhotim, como os incidentes do trajeto fazem parte da obra, a obra não é só o objeto e o entorno e sim o processo todo, e está em constante circulação pelo espaço.

E seguimos para o pavilhão dos trabalhos da pintora Adriana Varejão, uma maravilha de integração arte/arquitetura. Por um espelho d'água, com uma "ilha" com um banco "para meditação" revestido dos azulejos feitos pela pintora com imagens de plantas alucinógenas (exemplares de uma edição de 1000 com 51 azulejos à venda na lojinha na entrada do complexo por R$6.000,00), entra-se em uma sala onde se vê que a água "vem" de uma grande pintura, da série das Saunas, O Colecionador, que também como que dá as linhas para a construção; e Linda do Rosário, impressionante pintura/objeto, as paredes de azulejos em monótono e asséptico grid prendem, ocultam, revelam, pedaços de carne sangrenta que rompem as barreiras e se preparam para invadir o espaço, o mundo, o nosso mundo. No andar seguinte, Celacanto Provoca Maremoto, linda pintura/instalação com 184 "azulejões" (1,10x1,10m cada), são ondas barrocas, de azulejos azul-brancos, com os craquelês, colocados desordenadamente nas quatro paredes do pavilhão e espelhados pelo piso que também é branco brilhante como os azulejos, uma vertigem, o maremoto está dentro de nós.

Ainda, pinturas de teto visíveis pelos "fundos" da sala ou pelo vão que une os andares, representam plantas carnívoras.
No andar superior, um terraço que é um ponto de observação para as montanhas, com um banco revestido em azulejos da artista, desta vez desenhos de pássaros.
Uma ponte a partir deste terraço nos joga de novo em trilhas na mata, e seguimos para as novas instalações.
Em um platô com visão para Inhotim e para outro vale, Chris Burden e“Beam drop Inhotim”, na verdade a recriação de obra realizada originalmente em 1984 no Art Park, um parque de esculturas no Estado de Nova York, e destruída três anos depois. Em Inhotim, em 2008, sob orientação do artista, durante 12 horas um guindaste de 45 metros de altura lançou em uma poça de cimento fresco as 71 enormes vigas de aço, selecionadas em ferro-velhos da região, criando como que uma floresta/labirinto, um monumento aleatório, uma obra que fala do minério de ferro que tanto define a região e as origens do próprio Centro de Artes, de uma forma contemporânea e contestadora, uma obra forte e que marca profundamente a paisagem.

Retornando pela trilha, o que nos parecia parte da área de lazer de uma casa de fazenda, ao lado da churrasqueira, na verdade é uma instalação site-specific do artista Jorge Macchi, Piscina, de 2009, uma enorme agenda telefônica cujo índice alfabético se transforma em degraus de uma piscina.
Finalmente, um pavilhão com outra instalação sonora, permanente, impactante: O Assassinato dos Corvos, de Janet Cardiff e George Bures Miller. Inspirada na gravura de Goya, O Sono da Razão Produz Monstros, a instalação utiliza 98 auto-falantes, montados sobre cadeiras e nas paredes; ao centro, um antigo gramofone veicula a voz dos artistas, narrando sonhos apocalípticos; dos outros auto-falantes, brotam canções de ninar, marchas, musica eletrônica, textos recitados, composições musicais, tudo se combinando para um efeito de sonho.
E com este sonho nas mentes, retornamos a BH, para voltar amanhã, pois há muita coisa ainda para ver!

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