domingo, 11 de outubro de 2009

Diários de Inhotim (3)


Domingo. Apesar da farra no jantar, o grupo acorda cedo, sabe que há muito para ver e tão pouco tempo. Nosso ônibus chega em Inhotim ao mesmo tempo que muitos outros carros, fila na bilheteria, e no decorrer do domingo vemos que a visitação é muito grande: famílias, jovens, idosos, namorados, crianças... de BH sim mas muitos de mais longe, uma atração turística, e isso é ótimo.
A primeira visita do dia é o pavilhão feito para a instalação da artista Doris Salcedo, Neither, uma recriação permanente de uma importante exposição da artista na Galeria White Cube, em Londres. Com referência nos poemas de Paul Celan, vítima dos nazistas, e pensada pela artista após uma visita a Auschwitz, a instalação aborda um contexto repressivo de campo de concentração que ainda existe em Guantanamo, por exemplo. Mas, ao transformar o white cube em grades que emergem das brancas paredes e se corporificam no que poderia ser uma saída, inexistente, a artista questiona também o próprio espaço expositivo e o circuito de arte.

Doug Aitken: Sound Pavilion, obra de 2009, uma das obras recentes do Centro Cultural. No ponto mais alto de Inhotim, um pavilhão circular em vidro (que me lembra imediatamente - e não só a mim, meu contemporâneo Fernando Cocchiarale teve o mesmo flash-back - o antigo Belvedere da Estrada Rio-Petrópolis) pousado sobre grandes rochas vermelhas, ferrosas, aparentemente soltas. Entramos e subimos por uma rampa em espiral, que nos leva ao centro do pavilhão, onde há um buraco no solo na direção do centro da Terra, com 202 metros de profundidade; acima deste buraco, outro buraco no teto nos mostra o céu. No fundo do buraco (as rochas soltas são como testemunhas do interior da incisão), microfones de alta sensibilidade captam diferentes freqüências de som, do som da Terra, e estes ruídos são amplificados para nós, espectadores; que ao mesmo tempo que ouvimos o som de profundis, olhamos uma paisagem de 360 graus de mata Atlântica e de montanhas de ferro; mas o vidro da pavilhão é polarizado, assim a visão do exterior só se torna nítida ao nos colocarmos em posição perpendicular, e isto também nos leva para o centro do pavilhão, para o caminho para o centro da terra, para a fonte do ruído que, como um mantra, nos fala de forças tectônicas, de uma natureza subterrânea que não se vê mas que pulsa, vibra, ronca, grita, como adormecida porém ameaçadora, sempre pronta a despertar em vulcões, em terremotos, em tragédias. E, no centro das perpendiculares que marcam o horizonte visível, com o eixo vertical que sobe sonoramente do centro da Terra rumo a céu, nos sentimos, humanos, finitos, também pulsantes, o aqui e agora, e parte deste Universo vivo.

Matthew Barney: Descendo, nos embrenhamos mais e mais na mata Atlântica. Saímos da estrada principal que nos levou ao pavilhão sonoro, seguimos por uma trilha, até que, no meio da mata, uma cúpula geodésica espelhada pousa sobre uma clareira construída. Violentamente construída: árvores arrancadas, terra, pedras vermelhas são o entorno da construção que é como um futuro-do-passado.  O criador das cúpulas geodésicas, Buckminster Fuller, teve o ápice de seu trabalho nos anos 1950-60; em 1967, na Exposição Mundial de Montreal, Canadá - eu estava lá, mas isso é outro post - o pavilhão norte-americano era uma enorme cúpula geodésica transparente, cruzada por um também futurista trenzinho aéreo monotrilho - então se imaginava que nos anos 2000 esta seria a paisagem urbana... depois disso a cúpula geodésica inspirou centenas de construções hippies e projetos científicos/ecológicos. Mas o pavilhão do Matthew Barney (“De Lama Lâmina”) não tem este clima meio hippie ao qual eu associo as cúpulas geodésicas: ele foi implantado, à força, no meio da mata Atlântica; mas ao mesmo tempo reflete a mata, a multiplica em seus espelhos triangulares; e também multiplica o espectador, trazendo-o, intimando-o a entrar. Dentro, um impacto: o habitante do pavilhão é um enorme trator; provavelmente o mesmo que criou a clareira, como um estupro: as rodas estão cobertas de barro seco, o mesmo barro avermelhado que vemos no exterior; e o trator traz em suas garras uma árvore, como as que arrancadas do solo; mas uma árvore branca, de um material plástico; que tem incrustada pedaços fálicos de serras, de armas, e também de tubos; e nos galhos mais altos, elementos como os da estrutura da cúpula; esta árvore mítica está presa pelas garras poderosas do trator; e por baixo do trator, como que atropelados ou nascentes, lâminas do mesmo plástico branco cortadas e empilhadas são como borboletas à espera de renascer. Envolvido pela cúpula espelhada, que tudo multiplica mas que também integra o espectador e a instalação ao entorno, a clareira na Mata; esmagado pelo trator, que é como um Alien predador; o espectador desta obra é totalmente participante de uma experiência de volta ao básico, às pulsões instintivas, à dualidade macho/fêmea, ao sexo como imposição e como recepção. Um lado dark, um lado heavy, um lado random, um lado green. Tudo junto, tudo ao mesmo tempo agora. E mais claro ainda ao ver, mais tarde, em outro pavilhão do Centro Inhotim, o video do Matthew B., sobre o carro no Bloco do Oludum, com o Arto Lindsay. Tudo a ver. Ah, sim, e além de tudo, o artista é marido da Björk. Tudo mais ainda a ver.

Muitas obras estão nos jardins e assim vemos, debatemos sobre, entre outras, obras de Waltercio Caldas, Cildo Meireles (Inmensa), TungaDan Graham (Bisected triangle, Interior curve), Paul McCarthy (Boxhead), Simon Starling (The Mahogany Pavillion, um barco, veleiro, feito em mogno, invertido, preso ao chão "upside down"como um louco totem), Edgard de Souza (instalação com três esculturas em bronze, figuras masculinas em diferentes poses, feitas com base no corpo do artista e portanto auto-retratos sem rostos).


E, lindo, colorido, fantástico, à beira do lago, o penetrável do Hélio Oiticica é um marco na paisagem.
Visitamos a Galeria Mata, pavilhão com a exposição“Pontos de Vista”: A cube by Sol Lewitt photographed by Carol Huebner using nine different light sources and all their combinations front to back back to front forever, de Jonathan MonkAgassi, de Anri Sala, um video em loop com imagem congelada do tenista Agassi no exato momento anterior de rebater uma bola; Copo d’água,  CorreçõesDesdobrado, belas obras de Iran do Espírito Santo Fuegos de Artifício de Jorge Macchi, sutileza feita de sombras de pregos na parede e outras.

Dois pavilhões com grandes instalações do Tunga. Um deles, destacado à margem do lago, é o True Rouge, instalação em vermelho, que faz um contraponto em minha mente com o Desvio para o Vermelho, do Cildo Meireles. Tunga é uma das influências sobre a concepção de Inhotim, a partir de conversas com o artista, o milionário Bernardo Paz evoluiu de um colecionador de arte em geral para focar em arte contemporânea, no monumental e instalações, e para abrir sua coleção para o público.
Na Galeria Lago, o impacto se inicia com a catraca de Samson, de Chris Burden, seguindo com Cosmoroca 5 Hendrix War, de Hélio Oiticica e Neville D’Almeida e O Ignoto, de Artur Barrio, entre outros.
Na Galeria Marcenaria, o video De Lama Lâmina, do Matthew Barney, que deu origem à instalação com o trator, e La intimidad de la luz en St Ives, delicada instalação do artista Victor Grippo.

Finalmente, as centenas bolas prateadas em um espelho d'água entre tropicais folhas de inhame roxo (lemos que a recuperação desta desprezada planta rural para o paisagismo é obra do Burle Marx), a instalação Narcissus Garden, de Yayoi Kusama.
Vendo-me refletido nas muitas bolas prateadas, que também refletem as montanhas, o lago, a mata e as onipresentes obras de arte, penso na grandiosidade de tudo o que vi e aprendi nestes dois dias, estou cansado mas gratificado, e pretendo voltar muitas outras vezes.

2 comentários:

Anônimo disse...

foi muito bom ter passado por aqui - o blog é divino
Rosane Chonchol
www.partidodaarte.blogspot.com/

Anônimo disse...

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www.arturbarrio-trabalhos.blogspot.com