segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Inauguração do Espaço C.A.V.E.


No próximo sábado, dia 03/10, inauguração do espaço C.A.V.E. (Coletivo Apis de Visualidade Experimental). O espaço, um sobrado antigo no Centro do Rio, na esquina da Rua do Senado com a Rua do Riachuelo, tem a proposta de ser "uma espécie de híbrido entre Galeria, Atelier e Escritório de Arte, mantido pelos seus participantes."
Em seu acervo, trabalhos de Antonio Bokel, Alê Souto, Leonardo Etero, Joanna Barros, Maria Helena Bastos, Peu Mello e Patrícia Bowles, artistas com tendências e linguagens bem diversas, que dividem o amplo casarão onde desenvolvem seus trabalhos e transformam o amplo espaço interior do imóvel com uma reforma que mistura elementos high-tech e improvisos,  porcelanato e gambiarras.
A abertura contará também com o coletivo Filé de Peixe, que fará projeções de videos selecionados de seu projeto “Piratão”, com ações já realizadas em Porto Alegre e Recife. Bernardo Ramalho traz seus brinquedos interativos e os instala na praça Frei Orlando, em frente ao casarão, levando o espaço a interagir com o entorno.

James Kudo, Telúrico


Na Galeria Laura Marsiaj, a exposição Telúrico, do artista James Kudo, mostra 11 obras, sendo 4 pinturas,  5 desenhos e 2 objetos. A curadoria é do Marcelo Campos, que escreve um belo texto de apresentação. No Anexo, fotografias de Magnus Vaena.
O título Telúrico (do dicionário, "telúrico - te.lú.ri.co - adj (teluri+ico2) 1 Relativo ou pertencente à Terra.") nos remete à natureza, a um cheiro de terra molhada, de folhas caídas e de cogumelos brotando, para mim um clima até meio hippie, anos 1960, ou mesmo século XIX, Thoreau...

Mas o artista utiliza de forma bem diferente os elementos ligados à terra, à natureza: pássaros, cogumelos, troncos de árvores, água... com uma estética que está longe de ser hippie ou back-to-basics, pelo contrário, é uma estética totalmente contemporânea, do terceiro milênio, que tem parentesco com os comics, com uma visão da cultura de massa e de apropriação e transfiguração do kitsch. Uma visão bem pessoal e lírica, e ao mesmo tempo universal e contemporânea. Sim, e com uma técnica perfeita, perfeccionista, um desenho que é desenho, bom desenho, pintura que é pintura da boa, e objetos impecavelmente construídos.

Os pássaros dos desenhos não voam, são cabeças e bicos de pássaros, delicadamente desenhados, que brotam, como cogumelos, de galhos de árvores; ou são silhuetas apenas, como recortadas de lambris imitando madeira (na veradade, pinturas em guache mimetizando os veios da madeira, não da madeira mas de seu simulacro em plástico, em fórmica, em contact).
Os cogumelos que brotam nos desenhos e nas pinturas, que se transformam em balões de comics, flutuantes, em padrões/cores diferenciados, em frente a uma floresta de sombras de árvores; os mesmos cogumelos, em um objeto, brotam, feitos em mármore, de um tronco (de madeira "de verdade"?), pintado em padrão camuflado: o fugaz e perecível cogumelo, feito no material eterno das esculturas; em um tronco que, com a pintura, se transforma em uma representação em plástico de um tronco, onde o camuflado é também uma representação das folhas de outono.

A água, toda a umidade de uma floresta, se junta em caudalosas quedas domesticadas em um represa; mas a imagem é um ícone, a represa tem a textura de madeira, e a água é um azul-celeste chapado, imobilizado; ou manchas de azul, delimitadas em retas e ângulos, em tinta bem espessa, eu sou uma pintura; ou círculos de laca branca envolvendo, estáticos, uma casa e uma torre também em puro branco. Ou estes círculos não são água e sim nuvens, castelos nas nuvens?
Telúrico.
Telúrico, sim, mas uma natureza mutante, onde nada é o que parece, onde os objetos sempre apontam ou mimetizam outros. Onde nada é extático, tudo muda, brota ou decai, inspira ou expira, flui, brilha, e mesmo morto se renova em outro ser.

É como ler Metamorfoses, de Ovídio, e viajar em um tempo onde os deuses se transformavam em cisnes, em chuvas de ouro, e os mortais podiam se transmudar em árvores ou ser transformados, por castigo, em cervos ou em cortiça... mas ao mesmo tempo este tempo não é lá, em um passado longínquo, e sim aqui e agora, o mundo mágico ainda existe e está ao alcance de quem o busca, de quem o merece, de quem o recria, como James Kudo.

Mais:
Registros do vernissage nas fotos de Odir Almeida

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Auto-retratos (série futebol)


Há algum tempo coleciono fotos de esportistas, são um bom tema para estudos de anatomia, bem melhor que violar túmulos e roubar cadáveres para dissecá-los e estudá-los, como fizeram  Vesalius ou Leonardo na Renascença, ou mesmo plastificar cadáveres para exibi-los em eventos kitsch às multidões idiotizadas, como faz nos dias de hoje o alemão Gunther von Hagens.
E entre estas fotos minhas preferidas são as dos nadadores e dos jogadores de futebol.
Difícil trabalhar sobre as fotos dos nadadores sem cair no David Hockney. Já em relação ao futebol, me vem à mente alguns pintores que utilizaram o tema (o primeiro deles sem dúvida o Rubens Gerchman , embora seus jogadores certamente fiquem aquém das Misses, dos Desaparecidos, da Lindonéia...). Outros, que me lembro: Roberto Magalhães, Aguilar, Claudio Tozzi... Algumas pinturas incluídas na mostra Brasil Brasileiro, do CCBB... mas na verdade como temas secundários de suas obras tão marcantes, não como os nadadores e as piscinas estão para o Hockney.

As imagens de futebol retiradas dos jornais vão enchendo minhas pastas, e um dia elas se reunem, saem dos escuros das pastas, me tomam de assalto, invadem a série de pinturas na qual estou trabalhando neste segundo semestre de 2009, os Auto-retratos.
Dominado pela força das imagens começo a trabalhar em outra sub-série, os auto-retratos como jogador de futebol.
As camisas tem a força de ícones, as cores, o visual despojado do marketing, da idolatria do torcedor, mas menos explícitas; os corpos são os estudos de anatomia, corpos jovens em movimento, Leônides de Rodes, Apolo, Hércules, Alcibíades.
Mas o ser que se dissolve por dentro das camisas de time, o rosto que se desmancha enquanto luta por uma bola ou agradece a ovação da torcida ou comemora tematicamente um gol, este rosto é o dos meus auto-retratos: pintura, pintura, pintura.
Sou eu? talvez um dia serei eu, um dia ficarei parecido com eles. Ou não, talvez um dia os usuários destas camisas fiquem parecidos comigo.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Exposições no MAM-Rio


No Rio para o final de semana, como não podia deixar de ser, visito ateliês de artistas, vejo exposições e também, no meu ateliê de frente para o São Sebastião, trabalho em pinturas da série do Exército de Mim, tudo isto me rende material para alguns posts no blog.
No MAM, além do acervo da Coleção Gilberto Chateaubriand (Do Modernismo à Abstração Informal / Nova Figuração), que já vi e que sempre é bom rever:
1- Cumplicidade, 35 fotos que registram o cotidiano de Frida Kahlo e Diego Rivera. A pequena exposição comemora o 199 aniversário do início da Guerra da Indepenência do México.
2- Raul Seixas, Prisioneiro do Rock - 13 fotos de Ivan Cardoso, selecionadas de um ensaio fotográfico de 1977. As mais engraçadas, e um retrato da época, mostram um Raul sem a cara do Raul que ficou gravada em nossa memória coletiva: sem barba, rosto juvenil, de camisa aberta amarrada na barriga, sapato mocassim com meias escuras 3/4... porém com uma sunguinha incrível, estampada, na verdade uma cuequinha minúscula muito utilizada para loucos banhos de mar no Pier de Ipanema, um olhar meio sexy e a mão , quase em exibição explícita...

3- David Cury, duas instalações ("Há vagas de coveiros para trabalhadores sem-terra", feita com 2.500 capachos de fibra de coco reciclado, e "Antonio Conselheiro não seguiu o conselho") e uma intervenção ("Eis o tapete vermelho que estendeu o Eldorado aos carajás"), um site-specific sobre a grande parede lateral de 263m2, formando ondas com 4 milhões de etiquetas adesivas vermelhas; a parede vibra e o olho se movimenta, interrompido pelo bloco escuro da instalação. Um trabalho cerebral e politizado, tomando como temas os conflitos fundiários brasileiros, uma boa exposição.
(a bonita foto da exposição do David Cury é do coletivo de fotógrafos DSOUZALEITEcoletivo)

4- Revista Revista, de Orlando Mollica. O artista questiona a arte, a pintura, como objeto decorativo; e expõe, em um ambiente de alta decoração (sofás, mesas, luminárias, dispostos como uma decoração minimalista de casa de ricos com o luxo de muito espaço), posters, feitos a partir da digitalização de pinturas abstratas feitas sobre páginas de revistas de decoração, onde as legendas meio que aparecem (do tipo "esta é a melhor pintura de Joan Mitchell...").
5- Enquanto Mollica faz, ao meu ver, uma crítica sobre a pintura como objeto de decoração, a exposição logo ao lado, o Belo Caos do artista Jorge Guinle mostra uma outra coisa:  uma pintura viva, vibrante, que nunca poderá ser confundida com um objeto de decoração. Pintura pintura. Já comentei aqui no blog a minha impressão da exposição, que vi no MAM-SP, e tenho a acrescentar que a montagem carioca, apesar de contar com mais obras, está mais bem resolvida em termos de espaço que a montagem paulista, as dimensões do nosso MAM são mais generosas (sim, ele foi bem projetado para isso) do que as do Museu paulista (que afinal é um improviso em forma de corredor sob a marquise projetada pelo Niemeyer), com isto há espaço para respiração entre as obras, e o espectador ganha. Volto a dizer: uma grande exposição. Um grande artista.

E mais:
Fotos das inaugurações em registro do Fotógrafo Odir Almeida no www.soartecontemporanea.com

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Purgatório, Tomás Eloy Martinez


Aeroporto Santos Dumont, manhã chuvosa de 3a.feira, a dúvida se teremos ou não teto para os voos, compro um livro: Purgatório, o novo livro do escritor argentino Tomás Eloy Martinez. Meu I-Pod na função shuffle começa a tocar nada mais nada menos que Bajofondo, e isso é um bom prognóstico, nada como o tango eletrônico do conjunto portenho para acompanhar a leitura que tenho certeza que será muito interessante.
Tomás Eloy Martinez nasceu em 1934 em Tucumán (Argentina), e em 1975,  perseguido pelo Triple A, foi forçado a buscar o exílio em Paris e depois em Caracas, onde viveu e trabalhou como jornalista entre 1975 e 1983. O Triple A, Aliança Anticomunista Argentina, foi um grupo armado de extrema direita, de extermínio, comandado secretamente por López Rega, El Brujo, Ministro de Bem Estar Social e guru da Presidenta Isabel Perón, a Isabelita.
Em paralelo ao trabalho como escritor e jornalista, Martínez desenvolveu uma carreira acadêmica, lecionando entre 1984 e 1987 na Universidade de Maryland (USA) e, desde 1995, na Rutgers University, em New Jersey, onde dirige o Programa de Estudos Latino-Americanos.
O que me leva a uma boa expectativa sobre Purgatório são os livros anteriores do autor, publicados no Brasil, e que já li, com prazer e interesse: tramas bem urdidas, surpresas e desfechos inesperados, personagens inesquecíveis, bem descritos, profundidade psicológica e contexto político, uma Argentina de cantores de tango, da ditadura e dos desaparecidos, de Perón e do cadáver de Evita, as calles de Buenos Ayres e as províncias, o pampa.

Santa Evita, talvez o livro mais lido do autor, traduzido para 32 idiomas e publicado em 50 países, conta a fantástica história real do cadáver da primeira-dama argentina, que, após um trabalho magistral do embalsamador,  foi seqüestrado, escondido em sótãos e lugares desertos, violentado, teve réplicas, viajou continentes, até o descanso final (final?) no jazigo do Cemitério da Recoleta.
Outros livros publicados no Brasil são O Romance de Perón (segundo o autor, “narro uma investigação muito séria de uma forma romanceada”); O Cantor de Tango (procura obsessiva por um obscuro cantor de tango que teria uma voz e interpretações celestiais mas que silenciara), A Mão do Amo (uma história edipiana, um cantor com uma voz perfeita “absoluta” desde menino prodígio mas que, preso a uma mãe castradora, não consegue chegar à gloria que merecia, já que para a mãe a voz maravilhosa era apenas um objeto de satisfação dos seus caprichos).
O Vôo da Rainha, que foi laureado com o importante prêmio espanhol Alfaguara e publicado no Brasil como o volume final da coleção Plenos Pecados, representando a Soberba, ficção e realidade se confundem em tragédia, ao narrar a história de um influente jornalista que se apaixona obsessivamente por uma repórter em início de carreira, tendo como pano de fundo a ditadura militar, a corrupção dos políticos e o poder da imprensa. Com boa parte do livro escrito, o escritor tomou conhecimento que seu amigo de longa data, o , influente jornalista Pimenta Neves, havia assassinado a namorada, a também jornalista Sandra Gomide. Ao perceber as coincidências macabras entre o real e o livro que escrevia, Martínez mudou a história e no processo de reescrita, foi atropelado com a mulher, que não sobreviveu. É um livro visceral, sofrido, sobre a Soberba, “a abelha-rainha de todos os vícios e pecados”.
Enfim, Purgatório.
Já no voo, ouvindo mais Bajofondo, começo a ler a história de uma mulher argentina, Emilia, que presa com o marido, pela ditadura militar, procura o marido desaparecido por mais de  trinta anos, até encontrar o morto bem vivo e, mais estranhamente ainda, sem ter envelhecido, com a mesma aparência que tinha aos 25 anos, enquanto Emilia se tornou uma sessentona, em sua solitária procura. O que acontecerá nesta história que mistura violência policial, romance, busca existencial?

Leia mais:
Matéria sobre o caso Pimenta Neves

sábado, 19 de setembro de 2009

Um vinho, um ícone, nas asas da Varig


Minha primeira viagem à Europa, acompanhado de uma amiga mais velha, mais rica e mais sofisticada que eu, que já havia morado uns anos em Londres.
Antes do avião da Varig levantar vôo, o comandante chama pelo som da cabine o nome de minha amiga, pede que ela se identifique aos comissários de bordo.
“Srta. X? Há um telex da Diretoria com uma ordem para um up-grade da sra. para a Primeira Classe, queira nos acompanhar.”
Eu devo ter lançado meu olhar de medo e de tristeza, eu tinha pouco mais de 20 anos.
Ela responde, firme, “estou na companhia de meu amigo, ele pode ir também?”
Ante a negativa, optou por ficarmos juntos, e o comissário finaliza com algo sobre “um tratamento de primeira classe”.
Algum tempo depois, é servido o jantar, e na bandeja de minha amiga veio uma garrafinha de 375 ml de um vinho. Tinto. Francês.
Eu devo ter lançado novamente meu olhar de medo e de tristeza.
O comissário me pergunta se também aceito um vinho, respondo (é claro) que sim, e ganho também uma garrafinha igual, de um precioso e desconhecido líquido, com uma identificação que ficou marcada como a fogo em minhas retinas: Châteauneuf-du-Pape. Apenas isso, eu não sabia o que sei hoje, que deveria gravar também as letras menores, que há Châteauneuf-du-Pape e Châteauneuf-du-Pape, que há os quatro algarismos da safra que também podem fazer toda a diferença.
Bebemos nossas garrafinhas, também não me lembro qual era o prato principal, nada, só me lembro daquela garrafinha, do nome mágico, do líquido “quente” (melhor: não-gelado, para quem bebia apenas cerveja, caipirinha...), rubro escuro, vivo.
E depois, terminada a refeição, recolhidas as bandejas, quando o comissário veio até mim e me cobrou o vinho, 10 dólares. Poderia pagar também em moeda brasileira (cruzeiros? Cruzados? Alguma coisa novos?), mas aí eu preferi pagar com as verdinhas fazendo pose de rico e viajado, apesar de minha confusão. O vinho de minha amiga não foi cobrado.
Depois disso, as palavras mágicas Châteauneuf-du-Pape passaram a ser para mim um ícone de finesse, de uma vida rica e de prazeres...

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Jorge Guinle no Rio de Janeiro

Hoje a abertura de Belo Caos, exposição retrospectiva do pintor carioca Jorge Guinle, no MAM-Rio. A exposição, que tem curadoria de Ronaldo Brito Vanda Klabin, esteve antes em São Paulo, no MAM-SP (onde eu a visitei, magnífica, e comentei aqui no blog) e na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre. Por pouco não veio ao Rio, ao que consta por falta de patrocínio. Felizmente para todos nós, cariocas, especialmente os que puderam conviver com Jorginho em sua curta porém intensa e produtiva carreira, esta questão se resolveu e a exposição, que no Rio está ampliada com mais 19 telas, está abrindo no que seria  a sua verdadeira casa, o nosso MAM. Entre as novidades da montagem do Rio, a monumental "A Última Pincelada", com 2x3,40m, que pela primeira vez sai da residência do colecionador João Sattamini.
A epígrafe da exposição é um texto do Ronaldo Brito, que diz muito sobre Jorginho e sua pintura: "Por uma questão de justiça poética, já que o artista partiu tão cedo, as telas de Jorge Guinle decidiram permanecer jovens. Fisicamente até, elas passam a impressão de tinta fresca. Irradiam sempre a mesma vontade de pintar, a mesma vontade de viver, continuam a provocar, a agradar e a desagradar."

E, em paralelo, a Galeria Mercedes Viegas abre no dia 22, próxima 3a.feira, uma exposição dedicada ao artista. Mercedes, que tem formação em museologia, consegue apresentar em sua galeria uma programação que eu diria institucional, intercalando com a programação mais de galeria mesmo, voltada para a arte contemporânea. Foi o caso da exposição do Amilcar de Castro, uma concisa retrospectiva do escultor, e agora certamente o da exposição sobre o Jorge Guinle, que complementará a grande exposição no MAM.

Leia aqui meus comentários sobre a exposição Belo Caos no MAM-SP

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

As bandeiras, uma série de pinturas, os perigos


Eu estava indo de São Paulo para São José dos Campos, uma manhã de outubro do ano passado, por uma das auto-estradas cheias de postos de pedágio, quando uma imagem me entrou pelos olhos e ficou gravada em meu cérebro.
Tudo muito rápido, o carro na velocidade máxima, meus companheiros de viagem conversando sobre a reunião que teríamos logo mais em São José, eu ainda meio sonado... quando, talvez sobre a porteira de uma daquelas fazendas, vi, muito rapidamente, uma bandeira. Simples. Branca, com dois retângulos vermelhos desalinhados.
Aquela imagem me perseguiu, e alguns dias depois, já de volta a Brasília, comecei uma série de pequenas telas (pequenas mesmo, 15x20cm) com estudos sobre o que me lembrava da bandeira, mesmo sem saber seu significado. 
Como que querendo, precisando, recapturar aquela imagem (que provavelmente nunca mais verei), para me libertar dela, extraí-la de minha retina, de minha memória, apagá-la para sempre daquela paisagem verde de uma calma fazenda na beira de uma auto-estrada.
Por trás da bandeira, nas minhas telinhas, aos poucos aparecem os crânios, os esqueletos, as vanitas, e assim se fez uma pequena série de pinturas, como sempre o tema apenas um pretexto para brincar com cores, com as formas, experimentar contrastes, texturas, escorridos, transparências... enfim, com a pintura, desta vez em um mínimo universo de apenas 15x20cm.
Depois, pesquisando na internet, cheguei a uma bandeira semelhante.
Não uma bandeira de um país, nem pavilhão de uma família nobre, de um clã ou de um time de futebol, e sim uma das bandeiras de sinais náuticos.
A Wikipedia, onisciente como sempre, define: "As Bandeiras de Sinais distinam-se à transmissão de mensagens à distência. Em meados do século XIX foi estabelecido um código internacional de sinais, em que existe uma bandeira específica para cada letra ou número, algumas das bandeiras significando letras podem também transmitir, por si, uma mensagem específica." 
As cores de uma das bandeiras de sinal náutico são as mesmas da minha bandeira apenas percebida na manhã de um outubro, o branco e o vermelho, mas os retângulos se transformaram em quadrados, e o fundo branco diminui (ou os quadrados vermelhos se expandem), e a bandeira passa a ser quatro quadrados com cores alternadas. Diferente da "minha" bandeira, mas com alguma semelhança. No alfabeto de sinais , ela representa a letra "U", identificada como "U-niform". E o mais incrível é o significado oculto na letra U, a mensagem específica deste sinal náutico, que poderia ser, ou não, o significado da bandeira guardiã de uma porteira de fazenda na beira de uma estrada no Estado de SP:

UniformVocê está indo em direção a um perigo
..-

Se eu tivesse um país ou um clã, esta seria a minha bandeira.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Rio, 4 exposições

1- Na Galeria Mercedes Viegas, uma exposição com obras do artista Amílcar de Castro, duas dezenas de obras entre esculturas e pinturas, uma boa exposição, bem representativa da obra do artista.
É interessante ver as pinturas do Amílcar logo após ter visto as pinturas negras da Célia Euvaldo; tem a ver, o fazer deve ser muito semelhante; mas o resultado é bem diferente, os artistas enfocam problemas diferentes em suas pinturas:  as pinturas do artista mineiro, paradoxalmente para um escultor, são bem bidimensionais, leves, enquanto que as pinturas negras da artista paulista tem um peso, elas querem sair do seu suporte, mesmo dialogando com ele; estas, esculturas, relevos, dançam, se movem com a luz, que enfatiza as diferenças de textura, de espessura, de profundidade.
Embora as pinturas do Amílcar sejam muito bonitas, o forte de sua obra é mesmo sua escultura. Com formas simples, dobraduras precisas, repetições e rupturas, simplicidade e coerência, pesos e levezas, o artista constrói uma obra que vai se mostrando aos poucos ao espectador, que se revela aos poucos, recatada e desafiadora, como a paisagem mineira; obra que é perfeita tradução do concretismo, dos trabalhos gráficos do artista com o Jornal do Brasil nos áureos tempos, tradução do período desenvolvimentista, e que vem até nós, no terceiro milênio, renovada, atualizada, contemporânea...
E uma lembrança, a exposição Arte para Crianças, no CCBB/BSB, no início deste ano, com curadoria do Evandro Salles, que apresentou, em uma sala, 140 pequenas esculturas do Amilcar, com uma enorme ao fundo, inesquecível!

2- Aquarelas de José Alberto Nemer, na Galeria Anna Maria Niemeyer. O artista, também mineiro, com suas aquarelas, ao meu ver busca expandir os conceitos de aquarela. São aquarelas grandes, as maiores com 1,30 x 2m, o que já contraria a noção comum de um meio que se presta a trabalhos pequenos, delicados, imediatos. O perfeccionismo na técnica do artista chega a nos fazer duvidar de que se trata de aquarela, aquele meio que não aceita erro, que não permite consertos; pois as manchas de tinta se sobrepõem, se derramam, se entrecruzam; as tonalidades se combinam e se mesclam, para logo depois fluírem isoladamente; e fazer esta tinta líquida, mercurial e rebelde, seguir por grandes áreas de papel, obediente ao desejo e visão do artista, é um feito e tanto!
Além desta minha análise, afinal uma análise de quem também já brigou com a aquarela e entende as dificuldades que Nemer superou com maestria, mesmo os olhos de um leigo se encantarão pela beleza e força dos trabalhos. Vi duas exposições anteriores do artista, no CCBB em 2000 e depois em 2003, no Instituto Moreira Salles, e vejo um crescimento e amadurecimento na técnica e nos resultados.
3- Na Galeria Silvia Cintra, Divagações de um Fugu delirante, exposição de fotos de Miguel Rio Branco. O fugu é o peixe japones, equivalente ao que conhecemos como baiacu, e que, apesar de extremamente venenoso, é uma iguaria apreciada na culinária nipônica, e na verdade é o pretexto para o fotógrafo mostrar suas lindas imagens sobre Tóquio, onde expôs em 2004.
Em 2007, Miguel volta ao Japão para realizar seu segundo projeto no país, fotografando a capital japonesa enquanto o japonês Daido Moryama fazia o mesmo com a cidade de São Paulo, para uma grande exposição no Museu de Arte Contemporânea de Tóquio, em 2008, e parte da qual está sendo exposta na Galeria carioca. As fotos são excelentes, e ao serem apresentadas em conjuntos elas se agigantam, as cores saltam e se sobressaem em relação às formas, são quase abstratas em sua concretude de fotografias, são instalações, imagens de um caleidoscópio que apresenta a estranheza (para nós, claro) da cultura japonesa.
Sobre o Fugu, uma boa referência na Wikipedia, onde podemos ler sobre os cuidados para a retirada das partes venenosas do peixe, o treinamento e a prova pelos quais passam os chefs licenciados pelo Governo Japonês a preparar e servir o Fugu (na prova final o aluno come o Fugu que ele mesmo preparou, e a reprovação é a morte, o que é muito curioso mas, pensando bem, muito correto), e ainda que o prato mais popular é o tessa, um sashimi de Fugu, cortado em fatias tão finas que os desenhos do prato são vistos sob a carne crua; os pratos de tessa são decorados na forma de uma flor do crisântemo, que é, na cultura japonesa, um símbolo da morte...


4- Visões, exposição de José Tannuri, na Galeria Hugo Rocha. Um plus em minha visita à exposição foi vê-la na companhia do artista, podendo discutir com ele o trabalho, buscando um entendimento mais completo. José Tannuri utiliza o jornal como matéria prima para seu trabalho, mas nesta série que está exposta o jornal entra como meio, não como informação. Um pouco como o trabalho do Luciano Figueiredo, que utiliza as palavras e imagens do jornal como um elemento visual a mais na composição de um espaço pictórico, e diferente portanto do trabalho, por exemplo, do Antonio Manuel, onde a informação do jornal é tratada graficamente mas é a informação que o trabalho veicula.
Assim, Tannuri monta as folhas de jornal em grandes chassis; recobre-as com uma fina camada de tinta amarela, o que protege o frágil jornal e também dilui um pouco as palavras/imagens, coerente com sua proposta; sobre esta "tela", grava, com matrizes de serigrafia, imagens de "telas de arame", o que é outra camada de distanciamento; ao final pintando em silhueta partes de corpo feminino, pernas, pés, curvas; em algumas delas formas circulares como que vazadas, em diálogo com o vazado das redes; um diálogo de sobreposições, de cheio-vazio, de mostrar-se/cobrir-se, uma tensão erótica que aparece muito explícita em uma obra onde uma pequena tela de video, engastada em um suporte de jornal/tela de arame, mostra repetidamente uma dança adolescente e palavras/imagens de prostitutas.

Veja registros dos vernissages no site do fotógrafo Odir Almeida, http://www.soartecontemporanea.com/

Nova edição do Projeto Acervo

Convite para a nova edição do Projeto Acervo, iniciativa e curadoria do artista Leonardo Videla, na próxima 6a.feira dia 11 no Espaço Bananeiras. Desta vez os artistas participantes, um time fantástico, são: Ana Miguel, Álvaro Seixas, Geraldo Marcolini, Guga Ferraz, Joana Traub Csekö, Leo Videla, Leo Tepedino, Marcos Abreu, Ricardo Basbaum e Suzana Queiroga.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Um desenho do Vergara


Foi a primeira obra de arte que eu comprei, em 1971.
Ainda estava na Faculdade de Economia e já trabalhava com tecnologia, estagiário, no Centro do Rio, na Esplanada do Castelo, no imponente prédio do Ministério da Fazenda. Trabalhava com modelos matemáticos, na Assessoria Econômica do Gabinete do Ministro, bom, meu trabalho nada era de tão imponente assim, os brilhantes economistas que eram assessores tinham as ideias e eu os apoiava implementando os modelos em computadores que na época eram poderosos, mas que hoje equivalem a uma mísera fração deste notebook em que escrevo.
Era a época onde o "cara do computador" era meio o "gênio louco", mais informal que as outras opções profissionais para os economistas, e eu, 20 anos, meio hippie, cabelo grandão e barba, abracei este caminho, que me permitia flexibilidade de horário, manhãs nos pilotis da PUC, tardes no Pier de Ipanema e noites trabalhando. Como a informática era um mistério, os sacerdotes desta tecnologia futurista tinham salários altíssimos; mesmo eu, ainda estudante, minha bolsa era bem maior que a dos outros colegas, e ainda, como eu apoiava diversos economistas com trabalhos acadêmicos que tinham financiamento muitas vezes do exterior, eu era incluído nos projetos e recebia extras também significativos, tudo isso um garoto solteiro, com casa e mesada garantida pelos pais... uma vida boa, pagava minha Faculdade e ainda dava para outros luxos, a gasolina do fusquinha café-com-leite, os chopps com a turma no Amigo Fritz, de vez em quando um sapato novo no Spinelli, e ainda dava para uma reserva. Em paralelo, via exposições (quase chorei na exposição do Antonio Dias na Petit Galerie, ainda em Copacabana), frequentava o MAM, fazia minhas aulas com o Ivan Serpa.
Namorei uma menina, Priscila, cuja família colecionava arte, não esqueço os Krajcberg e os Volpi, e um coração enorme do Antonio Dias pendurado do teto e feito especialmente pelo artista, então um jovem artista, para a mãe da Priscila, D. Isabel.
Um amigo meu da Faculdade, Paulo, também estava muito bem, trabalhava na Bolsa de Valores e se beneficiava do primeiro boom da Bolsa, parte do Milagre Brasileiro que estava sendo articulado no Ministério do poderosíssimo Delfim Neto, e estava ganhando muito, com a valorização das ações.
Em uma conversa com o Paulo, ele falou sobre "diversificar, investindo em arte", bem o jargão da época; como ele sabia que eu gostava de arte, me pediu uma dica. Fui com ele ao MAM (bem antes ainda do incêndio), uma tarde de sol pela Pres. Antonio Carlos até o Aterro, e em uma pasta na lojinha do Museu escolhemos (eu escolhi) dois desenhos do Carlos Vergara.
Não me lembro do desenho que o Paulo comprou, não sei se ele ainda o tem, passou-se tanto tempo.
Mas o meu ainda está comigo, e me enche do mesmo prazer que tive ao retirá-lo da pasta escura na lojinha do MAM.
Vergara (com Gerchman, Antonio Dias e Roberto Magalhães) eram artistas jovens, e eu os conhecia pois era antenado, lia o JB, ia aos eventos no MAM, minha programação aos domingos à tarde era: visitar as exposições no MAM (o Salão da Bússula, Tropicalia, o Salão de Verão...), sessão de cinema de arte no MIS e depois um lanche no Bobs's da Pres.Wilson, eu e meu fusquinha...
Mas naquela tarde eu era poderoso, eu e Paulo éramos "avalistas" um do outro: se ele dizia que Arte seria um bom investimento para o futuro, eu estava tranquilo em gastar quase um mês de minha bolsa em um desenho; e se eu dizia que o Vergara era um artista jovem já consolidado e que só iria evoluir, o Paulo podia gastar o lucro de alguma ação naquele desenho que ele talvez nem entendesse direito.
Anos depois, um desenho da mesma série, com a mesma temática, na coleção do Gilberto Chateaubriand, foi publicado no pequeno livro da Funarte sobre o artista, isso me deu a certeza que tinha acertado.
Acertei mesmo. É um lindo desenho, e não me canso de olhá-lo, ele sempre me remete a um clima misterioso, de relações estranhas, de uma interrupção do tempo, onde a violência é uma ameaça presente, uma espada de Dâmocles, uma visão da época da ditadura militar, de momentos de terror que estão na obra de vários artistas da geração...

sábado, 5 de setembro de 2009

Diogo Mainardi x Vik Muniz

Acho que sou um pouco retardado, eu vejo os filmes depois que todos já viram, e quero conversar sobre eles como se fossem novidade; eu guardo uma pilha de jornais e vou lendo aos poucos, estou até hoje vendo fotos do ex-namorado da neta do Sarney quando me parece que todos esqueceram o assunto, hoje li um jornal de quando a Argentina estava cheia de mortes na gripe suína, e as pessoas desistiam de viajar para lá; aí vi em outro jornal, mais recente, que este campeonato o Brasil já ganhou, "nunca antes neste país tivemos mais mortalidade na gripe suína do que a Argentina ou os USA, a Europa se curva diante do Brasil, o campeão em mais uma modalidade esportiva, os óbitos pela gripe H1N1", enfim, eu não nego que sou meio retardado.
Então, só hoje tomei conhecimento de uma polêmica que esteve na mídia em maio, o texto do Diogo Mainardi sobre o Vik Muniz, e a réplica do artista, em carta publicada na revista.
Aí vão os textos, cada um faz sua própria análise e toma posição, ou não, apenas se diverte, como eu. E continuo lendo os jornais velhos de minha pilha, e depois vou ver a lua cheia, com uma taça de vinho ao lado, pensando em alguém que está em Paraty.
Thank's God it's Friday!!!

Diogo Mainardi
Mister Maker


"Vik Muniz reproduz a Mona Lisa com pasta de amendoim e a Última Ceia com calda de chocolate.
Em vez de ganhar um programa no Discovery Kids,
ele tem suas obras compradas pelo MoMA"
Mister Maker tem um programa no Discovery Kids. Ele ensina a pintar coelhos e paisagens marinhas usando materiais insólitos como balas de goma, embalagens de ovos e tampinhas de garrafa. Vik Muniz é o Mister Maker do MoMA. Ele reproduz a Mona Lisa com pasta de amendoim e a Última Ceia com calda de chocolate. Em vez de ganhar um programa no Discovery Kids, ele tem suas obras compradas pelo Museu de Arte Moderna de Nova York.
Aleijadinho? Portinari? Hélio Oiticica? Lygia Clark? Ninguém é páreo para Vik Muniz. Ele é o artista brasileiro mais festejado de todos os tempos. Ele está para a arte brasileira assim como Leonardo da Vinci está para a arte italiana. O que já diz tudo sobre a arte brasileira. Vik Muniz valorizou as técnicas mais desprezadas da história da arte: a cópia e o trompe-l’oeil. Primeiro, ele copia, fotografando. Em seguida, reconstrói a imagem colando sobre ela elementos de uso cotidiano, como molho de tomate, geleia de amora e soldadinhos de plástico, em forma de mosaico. O resultado se assemelha às telas de Arcimboldo, o pintor maneirista que compunha figuras humanas a partir de legumes, frutas e livros. Além de ser o Mister Maker do MoMa, Vik Muniz é o Arcimboldo cearense. O Arcimboldo pau de arara.
Nos últimos anos, os artistas brasileiros se espalharam por museus e galerias dos Estados Unidos e da Europa. Vik Muniz é o mais popular de todos. Mas há outros na cola dele. Em particular: Cildo Meireles, Beatriz Milhazes e Ernesto Neto. Inicialmente, eles eram patrocinados pelo Banco Santos, do fraudador Edemar Cid Ferreira. Assim como as mulheres dos deputados, os artistas brasileiros iam a Veneza, Berlim ou Nova York com todas as despesas pagas pelos contribuintes. Agora isso mudou. Eles ganharam o mercado mundial. Em 1891, Paul Gauguin abandonou Paris e foi retratar os selvagens no Taiti. Um século depois, os artistas brasileiros percorreram o caminho inverso: eles representam os selvagens do Taiti indo retratar Paul Gauguin em Paris. Vik Muniz é aquela taitiana com o seio de fora. Ele é aquela taitiana de cócoras. Ele é aquela taitiana segurando uma fatia de melancia.
A meta de Vik Muniz é "romper a hierarquia da arte". É o que ele faz quando pendura uma cópia de Rafael ao lado de uma cópia de Bosch. O mesmo discurso populista e popularesco é estendido ao público de suas obras. Segundo ele, tanto faz se o espectador é um curador de arte ou um bilheteiro. Vik Muniz sempre diz que é um produto do Brasil. E é mesmo. Nós rompemos a hierarquia das ideias, dos valores, dos gostos, dos costumes, das leis. Os outros fizeram a Mona Lisa. Nós a lambuzamos com pasta de amendoim.

E a réplica do Vik Muniz, na seção de cartas do leitor da revista na semana seguinte:
"Eu gostaria de agradecer a Diogo Mainardi pelo interesse e tradicional eloquência com que me criticou (ou elogiou, até agora não sei) o meu trabalho. Agradeço, pois, ao Diogo, que, apesar de pessoalmente ser uma pessoa formidável, intelectualmente é um gabiru recalcado cuja única contribuição para a cultura local tem sido uma constante e enfadonha reinvenção da demagogia como forma de entretenimento. Muito obrigado por me comparar ao Mister Maker. Adoro e recomendo o programa, especialmente para o Diogo, que, como crítico de arte, demonstrou ser confuso e não enxergar um palmo além de parcos estereótipos."

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Rio, Zona Sul, exposições


No Rio, lindos dias de uma primavera precoce, e uma boa programação cultural.
Hoje, duas aberturas de exposições em galerias no eixo Ipanema-Leblon, além da festa de abertura da Casa Cor, na Gávea. Sim, decoração também é cultura, e além do mais a Galeria de Arte da Casa Cor deste ano está sendo produzida pela Belvedere, curadoria do artista e arquiteto Alessandro Sartore, com 7 programações diferentes durante o período do evento; na abertura, coletiva dos artistas João Magalhães, Daniel Lannes e Bruno Miguel, uma ótima escolha, artistas que tem em comum trabalhos de grande qualidade.

Na Galeria de Arte Ipanema, a artista paulista Célia Euvaldo expõe telas em grandes dimensões, monocromáticas, com texturas fortes e vigorosas. São as "manchas negras", telas recobertas de tinta negra com apenas pequenas partes do suporte branco à mostra; o ritmo é dado pelas texturas, pelo ato de "esfregar" a tinta em direções diferentes, criando diferenças na "tonalidade" das áreas pretas na medida em que elas refletem de forma diferente a luz ambiente. E as telas brancas, inclusive algumas pequenas, onde a tinta usada é branco sobre o suporte também branco, e a diferenciação das áreas de textura vem da sombra. Segundo Ronaldo Brito, que assina a apresentação do catálogo, "a obra de Celia Euvaldo é austera e casual. A artista varre a tinta espessa, o óleo preto ou branco, e raspa com o rodo certas áreas do quadro até deixá-las lisas e compactas. Duas e só duas operações resumem, portanto, o seu labor, a um tempo bem físico e ascético". Sim, ascticismo é bem a palavra para descrever a exposição, além de austeridade, vigor e precisão.

Já na exposição da artista Rosana Ricalde, na Galeria Arte em Dobro, uma das palavras também é certamente precisão, vinda de uma execução minuciosa, delicada, perfeita, precisa; porém a outra palavra é lirismo, uma visão holística de forças da natureza e do homem, uma visão poética em arte visual e uma poesia que é visual: as palavras são linhas que formam as ondas de mares azuis; e estas palavras, lidas, descrevem verbalmente os mares que visualmente desenham. É um trabalho de forte cunho conceitual, porém nada frio e sim impregnado do lirismo, da beleza, dos azuis; e onde o conceito é conceito e é também matéria; a palavra é o que significa e o que é visualmente. Os livros com mapas são "desidratados", e os mapas perdem os oceanos, que são recortados, e se transformam em terras compactas formadas por sobreposição das folhas dos diversos mapas; ou, pelo contrário, são as terras que são eliminadas, e a sobreposição dos oceanos das diversas folhas também forma ondas, chegando a uma representação tridimensional de um mar que é a soma, a síntese de todos os oceanos daquele mapa. Outra palavra seria sinestesia, a percepção do mar se torna mais completa pois "vemos" as ondas e "lemos" seus nomes; e neste ir e vir (como as ondas), o trabalho cresce ao dialogar com o espectador e lhe propor sempre novos significados.

Registros dos vernissages no site Só arte Contemporânea, do fotógrafo Odir Almeida

Imagens de jornal (um abraço)


Demorei para escrever sobre isso, esperei as imagens saírem do noticiário, hoje elas tem gosto de jornal antigo, de notícia de ontem. Mas elas me pareceram erradas quando lançadas pela mídia; erros que no calor do momento não são percebidos, e que com o distanciamento ficam terrívelmente óbvios.
As imagens são emblemáticas. Analisando apenas as imagens, a superfície, encontramos signos que revelam o que está por baixo.
O abraço de Lula e Collor, neste 2009. Vamos analisar as aparências. Lula ainda veste vermelho; uma camisa vermelha é uma referência à estrela vermelha do PT, às bandeiras tremulantes, às passeatas, às festas de comemoração quando, enfim, ele foi eleito. O que imaginávamos? que se inauguraria uma administração renovadora, honesta, sem a velha política, sem os conchavos de uma elite que tripudia e se crê, ainda hoje, a donatária hereditária de um Brasil sustentado à custa da derrama dos nossos impostos; que imagina atender aos pedidos de netas e cunhados com empregos bancados pelos suados impostos extorquidos do Brasil real. Imaginávamos também que algumas bandeiras difíceis estariam como prioridade de Governo: ecologia, energias alternativas, fim da energia nuclear, parceria homoafetiva, aborto livre, e outras. Uma verdadeira reforma agrária, uma inserção de populações marginalizadas como os índios... tanta coisa... a esperança, só por isso votamos na estrela vermelha, só por isso fomos para as ruas, só por isso fizemos festas para comemorar o Lula lá.
A camisa vermelha simboliza isto tudo, um passado de lutas, de esperança... e nesta foto, onde está?
Abraçado ao Collor, que veste uma camisa preta. Com os cabelos mais brancos, mas o olhar é o mesmo olhar de louco. E ele veste uma camisa preta, a cor das camisas que foram vestidas pelos que foram às ruas, marchando, cantando, de roupas pretas, para retirá-lo da Presidência que ele manchou, apequenou, enlameou.
O Brasil se uniu, vestido em preto, respondendo ao desafio que ele lançou, de que o povo que o havia elegido saísse à rua em verde-amarelo para apoiá-lo; o que se viu: o povo brasileiro vestiu preto, saiu às ruas, cara-pintadas, até conseguir apeá-lo do cargo, em desgraça, o corrupto-mor que depois a Justiça restaurou e o tempo (Senhor da razão, ele disse, mas na verdade a entropia, Mnemósine, o esquecimento, as águas do rio Lete que até parecem o Amazonas ou o São Francisco pois permeiam toda a cultura política brasileira..) e os votos de cabresto trouxeram de novo ao palco.
Os detalhes mostram: os dois estão usurpando símbolos.
O Lula poderia arquivar a camisa vermelha, trocá-la por um terno jaquetão, símbolo da oligarquia, do status-quo que ele tanto está preservando, endeusando, protegendo, acobertando.
E o Collor, por favor, não use uma camisa preta, nunca, volte a suas camisas de grife e gravata Hermés, fica melhor assim. Deixe as camisas pretas conosco, os cara-pintadas que marchamos em preto, que torcemos pelo impeachment, que assistimos aquela sessão histórica contando cada voto, que não engolimos a queima de arquivo do PC Farias...
Imagem por imagem, prefiro esta outra, do histórico debate onde o Collor arrasou o Lula ao cobrar que a aparelhagem de som, o "3 em 1" do metalúrgico seria melhor do que a dele, herdeiro do patriciado... Uma imagem rígida, "feia", sem a expontaneidade, a leveza da outra, mas que revela um momento de esperança, de separação entre o bem e o mal; que na outra imagem estão diluídos; se o Lula abraça o Collor, se o Collor veste preto, então tudo é possível?
Sartre já respondeu esta questão filosófica em meados do século passado. Se Deus (o bem e o mal claramente definidos) não existe, então tudo é possível, é permitido? (não existe ética, é o vale-tudo?). A resposta existencialista: mesmo sem um Deus, o homem busca a sua ética, que justifica sua existência.
Esta lição os dois protagonistas de nossa foto não leram, não entenderam. Uma pena. Um dia, pode demorar, pode ser que eu nem esteja mais aqui para ver, teremos políticos éticos, e que respeitam a simbologia.