Demorei para escrever sobre isso, esperei as imagens saírem do noticiário, hoje elas tem gosto de jornal antigo, de notícia de ontem. Mas elas me pareceram
erradas quando lançadas pela mídia; erros que no calor do momento não são percebidos, e que com o distanciamento ficam terrívelmente óbvios.
As imagens são emblemáticas. Analisando apenas as imagens, a superfície, encontramos signos que revelam o que está por baixo.
O abraço de Lula e Collor, neste 2009. Vamos analisar as aparências. Lula ainda veste vermelho; uma camisa vermelha é uma referência à estrela vermelha do PT, às bandeiras tremulantes, às passeatas, às festas de comemoração quando, enfim, ele foi eleito. O que imaginávamos? que se inauguraria uma administração renovadora, honesta, sem a velha política, sem os conchavos de uma elite que tripudia e se crê, ainda hoje, a donatária hereditária de um Brasil sustentado à custa da derrama dos nossos impostos; que imagina atender aos pedidos de netas e cunhados com empregos bancados pelos suados impostos extorquidos do Brasil real. Imaginávamos também que algumas bandeiras
difíceis estariam como prioridade de Governo: ecologia, energias alternativas, fim da energia nuclear, parceria homoafetiva, aborto livre, e outras. Uma verdadeira reforma agrária, uma inserção de populações marginalizadas como os índios... tanta coisa... a esperança, só por isso votamos na estrela vermelha, só por isso fomos para as ruas, só por isso fizemos festas para comemorar o
Lula lá.
A camisa vermelha simboliza isto tudo, um passado de lutas, de esperança... e nesta foto, onde está?
Abraçado ao Collor, que veste uma camisa preta. Com os cabelos mais brancos, mas o olhar é o mesmo olhar de louco. E ele veste uma camisa preta, a cor das camisas que foram vestidas pelos que foram às ruas, marchando, cantando, de roupas pretas, para retirá-lo da Presidência que ele manchou, apequenou, enlameou.
O Brasil se uniu, vestido em preto, respondendo ao desafio que ele lançou, de que o povo que o havia elegido saísse à rua em verde-amarelo para apoiá-lo; o que se viu: o povo brasileiro vestiu preto, saiu às ruas, cara-pintadas, até conseguir apeá-lo do cargo, em desgraça, o corrupto-mor que depois a Justiça restaurou e o tempo (Senhor da razão, ele disse, mas na verdade a entropia, Mnemósine, o esquecimento, as águas do rio Lete que até parecem o Amazonas ou o São Francisco pois permeiam toda a cultura política brasileira..) e os votos de cabresto trouxeram de novo ao palco.
Os detalhes mostram: os dois estão usurpando símbolos.
O Lula poderia arquivar a camisa vermelha, trocá-la por um terno jaquetão, símbolo da oligarquia, do status-quo que ele tanto está preservando, endeusando, protegendo, acobertando.
E o Collor, por favor, não use uma camisa preta, nunca, volte a suas camisas de grife e gravata Hermés, fica melhor assim. Deixe as camisas pretas conosco, os cara-pintadas que marchamos em preto, que torcemos pelo impeachment, que assistimos aquela sessão histórica contando cada voto, que não engolimos a queima de arquivo do PC Farias...
Imagem por imagem, prefiro esta outra, do histórico debate onde o Collor arrasou o Lula ao cobrar que a aparelhagem de som, o "3 em 1" do metalúrgico seria melhor do que a dele, herdeiro do patriciado... Uma imagem rígida, "feia", sem a expontaneidade, a leveza da outra, mas que revela um momento de esperança, de separação entre o bem e o mal; que na outra imagem estão diluídos; se o Lula abraça o Collor, se o Collor veste preto, então tudo é possível?
Sartre já respondeu esta questão filosófica em meados do século passado. Se Deus (o bem e o mal claramente definidos) não existe, então tudo é possível, é permitido? (não existe ética, é o vale-tudo?). A resposta existencialista: mesmo sem um Deus, o homem busca a sua ética, que justifica sua existência.
Esta lição os dois protagonistas de nossa foto não leram, não entenderam. Uma pena. Um dia, pode demorar, pode ser que eu nem esteja mais aqui para ver, teremos políticos éticos, e que respeitam a simbologia.
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