quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Diários de NYC - 1 ("crisis? what crisis?")


O voo cheio, a cidade cheia, ouve-se muito, muito mesmo, português, em todos os lugares; e também a cidade cheia de italianos, franceses, nórdicos e germânicos, e os onipresentes orientais.
Ah, e sem a palavra mágica: SALE (tudo bem para mim, não vim para comprar, mesmo).
Minha proposta neste "bate-e-volta" em NYC é: caminhar, caminhar muito (a vida sedentária em Brasília é fatal para minha hipertensão, e as caminhadas tem uma ação melhor que os remédios, sem os tétricos efeitos colaterais); e ver exposições, os Museus, as Galerias de Chelsea. Uma exposição em especial, claro, auto-retratos da coleção do Metropolitan Museum. Assim hoje, mal cheguei, mal dormido, deixei minhas malas no quarto do Hotel (aparentemente limpinho, não vamos exagerar no exame para não descobrir nada, o que os olhos não veem, também, pelo preço?) e fui, caminhando, até o Met. Quase 40 quadras de ruas, e dois quarteirões de avenidas, uma boa caminhada, e caminhei muito dentro do Museu.
Bom, se é para caminhar eu poderia passar uma semana em Santiago de Compostela, acho que sairia mais barato (pelo menos a hospedagem), mas certamente Santiago não tem um Metropolitan Museum e muito menos arte contemporânea.

Escolhi o Met logo no primeiro dia, mal chegado do voo, para aproveitar o dia lindo e ter a certeza de poder subir ao Roof Garden, antes que o tempo mudasse. Nos ultimos anos tenho tido a felicidade de poder ver as exposições que ficam até o final do outono, weather permiting, no terraco do Met; em 2007 maquetes arquitetônicas e esculturas do Frank Stella, como esqueletos de Moby Dick; em 2008 esculturas do Jeff Koons; falei no blog sobre estas duas instalações.
Este ano, o artista é Roxy Paine, com a instalação Maelstrom, um emaranhado de galhos de metal com acabamento brilhante, alumínio, que ocupam o espaço do terraço e parece que vão crescer e se projetar e engolir a paisagem lá fora, uma escultura, na verdade; mas que tem uma dinâmica de expansão.

E que paisagem! o Central Park, os edifícios que contornam o Park, dá para ver o Dakota e além, em uma linda tarde como estava, você pode ver para sempre, para o infinito; e a instalação, os galhos revoltos, dizem que mais que isso; eles vão dominar a Metrópole, vão se estender até o Hudson, e que nós, humanos espectadores, se ficarmos do lado deles, podemos ir junto; eu quero; estou aqui para isso.
Saindo do Roof, é tempo de olhar as exposições, principalmente as exposições especiais, acho eu, o acervo já não deve me trazer mais novidade... engano meu, dou de cara, em um meio de caminho, com um espaço que eu juro que nunca tinha visto, embora o Gubbio Studiolo, todas as fontes dizem, já está no Met há anos.

É o Studiolo do Duque Francesco I, de Médici, feito no Palazzo Vechio de Florença, e que os americanos compraram tudo e instalaram no Met; uma pequena sala; o estúdio ou local de trabalho do Duque. Com as paredes feitas em madeira, em trabalho de marqueteria, mostrando estantes em perspectivas, livros, gaiolas, pássaros; tudo o que pode circundar um Duque trabalhando; bom, hoje, pode ser visitado e também visto on-line em realidade virtual no site do Met. É lindo, e vale uma visita guiada como a que eu tive, por acaso.

Mas o que me trouxe ao Met foi a exposição dos auto-retratos. The Lens and The Mirror, Self-Portraits from the Collection (1957-2007). Muito interessante, fiz anotações, mas não fizeram catálogo, o que é uma lástima. Pois a memória se esvai, as anotações se perdem; o Met tem disso, eu acho; algumas exposições em que eles "não confiam", não ganham nem folder; e muitas vezes (no meu ponto de vista) estas são as melhores; mas em compensação está tudo no site, com as imagens das obras, para todas as exposições; o que talvez torne realmente desnecessário catálogo, em papel. Obras de Nahum B. Zenil (artista mexicano contemporâneo, Corazón, Corazón/Self-Portrait),Duane Michels (Self-Portrait as a Devil on Ocasion of My 40th Birthday), William Anastasi (9 Polaroid Photographs, engenhoso e recursivo), Robert Stivers (Self-Portrait in Water), Lucas Samaras (desenhos) e outros.

Outra exposição especial (esta com catálogos) foi a que juntou os Vermeers, em torno de A Leiteira, pintura do artista que foi emprestada pelo Rijksmuseum para esta exposição. A obra autenticada de Vermeer  é de apenas pouco mais de 30 telas; a Leiteira é uma delas; outras 5 ou 6 estão no Met, e foram deslocadas para esta exposição especial; e os curadores do Met se deram ao luxo de nem deslocar um dos Vermeers para a exposição, deixá-lo em seu lugar, em outra galeria, o que bem mostra o poder de fogo do Museu. Complementam a exposição obras de contemporâneos, como Maes, De Hooch, Metsu. Catálogos, calendários, reproduções, agendas...
Surface Tension, uma exposição de fotografias contemporâneas,  apresenta artistas que exploram a aparente contradição entre a fotografia como uma janela e como um objeto em si. Bem interessante, e ao lado de Gerhard Richter, Anselm Kiefer, Wolfgang Tilmans, Lucas Samaras, e outros, estão trabalhos de Vik Muniz e Miguel Rio Branco.
Pablo Bronstein at the Met apresenta o trabalho do artista, residente em Londres, que aborda a história e o futuro (ou "futuros") do próprio Metropolitan Museum. Utilizando desenhos, plantas, gravuras, o artista apresenta cenas de uma história mítica do Museu em construção; como se ele tivesse sido construído "inteiro" de uma vez, quando sabemos que passou e vem passando por uma série de expansões até chegar ao seu estado atual. E com desenhos feitos em computação gráfica, o artista apresenta futuros hipotéticos para o Museu: com os telhados tomados por restaurantes, com o andar térreo utilizado como lojas de um shopping center e outros. Bem interessante.

Outra exposição especial, Looking In: Robert Frank's The Americans, comemora os 50 anos de publicação de The Americans, o importante livro do fotógrafo Robert Frank, com fotografias em preto e branco feitas em uma viagem pelo interior dos Estados Unidos em 1955-56 e que, embora vistas como pessimistas quando o lançamento, logo passaram a ser consideradas obras-primas da fotografia de rua. A exposição apresenta todas as 83 fotos originais do livro, e também cópias de contato, com as marcas do fotógrafo indicando as edições, e é acompanhada de um bom catálogo.
Ainda interessantes, Watteau, Music and Theater, sobre o papel das imagens sobre música e teatro na obra do pintor Watteau; American Stories: Paintings of Everyday Life 1765-1915, que apresenta pinturas com conteúdo bem narrativo, como os meninos banhistas e os boxeadores de Thomas Eakins, cenas de quotidiano, de artistas em ateliês, de marinhas, de pintores americanos; Imperial Privilege: Vienna Porcelain of Du Paquier 1718-44, com uma mesa montada com as porcelanas da época e frutas e flores feitas de açúcar, e, luxo  é luxo, um catálogo que custa US$275 ! ; Arts of The Samurai: Japanese Arms and Armor 1156-1868, boa exposição, mas com o centenário da imigração japonesa no Brasil tivemos exposições melhores sobre o assunto; e outras.
Depois da caminhada, metrô. Um ticket de uso ilimitado por 7 dias, por US$27, não tem preço (ou por US$45, os mesmos 7 dias incluindo também ônibus sem limite). Engraçado, aqui todos seguem sempre aquela lei do bom senso, que determina que tem prioridade, sempre, quem sai de um lugar fechado, e não quem nele entra, é um corolário da 2a. lei de Newton. No Brasil sempre é o contrário, observo, em metrô, elevadores, os que querem entrar emprurram para dentro os que querem sair, tornando mais reduzido ainda o espaço para todos. Enfim, deve ter algum sentido para nós, brasileiros.
E me preparar para a maratona que serão os demais dias, uma viagem com tão pouco tempo e tanta coisa para ver!

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