terça-feira, 3 de março de 2009

Em SP (4) - Aquarelas de Margaret Mee


Ainda na Pinacoteca, uma exposição comemora os 100 anos de vida da ilustradora botânica inglesa Margaret Mee, com cerca de 100 obras, sendo 59 aquarelas dedicadas à espécie das Bromeliáceas, e ainda 17 obras da coleção Roberto Burle Marx e desenhos inspirados na caatinga brasileira, além de folhas de cadernos que Margaret usava durante as viagens que fez ao Brasil, com anotações que registram detalhes de cor, textura e aspecto de cada flor.
Mas não pude deixar de fazer algumas reflexões sobre a ilustração botânica após o advento da fotografia.
Se a invenção da fotografia representou uma ameaça (e depois uma libertação) para a pintura, para o gênero da ilustração científica deve ter sido muitas vezes mais fatal; e é curioso que dos sub-gêneros da ilustração científica, me parece que apenas a ilustração botânica tenha sobrevivido ao século, e esteja em pleno Século XXI com espaço no circuito cultural e de mercado. Talvez também alguns outros tipos de ilustrações de fauna bem específicos: beija-flores, borboletas...
Qual a relevância de enfrentar viagens para registrar, com pincéis e aquarelas, bromélias, orquídeas... quando a parafernália tecnológica disponível em fotografia e vídeo consegue resultados muito mais precisos e de disseminação mais universal? (haja visto o National Geographic Channel, 24 horas por dia de "ilustração científica" em movimento e em cores)
Suspeito que esta sobrevida se deve a dois fatores.
O primeiro, intrínseco ao gênero, é a capacidade da ilustração em apresentar o icônico, o geral; enquanto que a fotografia tende a apresentar o indivíduo, o particular. (No National Geographic, cada suricata do documentário tem um nome, uma relação de parentesco com as demais; já nas aquarelas de Margaret Mee, cada bromélia, soberana em um fundo em branco, com seus detalhes destacados ao pé da página juntamente com o título em latim, é "A Bromélia" daquela espécie).
E o outro fator é a capacidade deste tipo de ilustração em "resvalar" para o campo da Arte, com A maíusculo. Elas se apresentam como arte, e são entendidas como tal pela massa, até por que isto atende a interesses do mercado, porém nada mais diferente de uma exposição de ilustrações em aquerela de uma outra exposição de aquarelas de, por exemplo, Fayga Ostrower, Pedro Varela, Xul Solar, Gonçalo Ivo...
Margaret Mee, em minha opinião, utiliza com maestria, além dos recursos da aquarela, estes dois fatores: a capacidade de uma visão icônica (herança da tradição inglesa dos aquarelistas botânicos) e a capacidade de se colocar como arte. E, o que eu acho importante ressaltar: dentro de uma tradição e de uma visão inglesa, européia, herdeira dos colonizadores. A temperatura que se sente em suas bromélias é a de Kew Gardens, não a da Amazônia: onde estão o calor, a umidade, a selva? as bromélias foram retiradas do seu habitat e estão, ícones da espécie, em um gabinete de curiosidades europeu qualquer. Isto para mim é tão mais evidente como em ilustrações de alguns membros da Missão Francesa do início do Século XIX, por exemplo Rugendas e Von Martius, podemos "sentir" o peso da foresta tropical, o calor, a grandeza da paisagem, mesmo quando eles destacam icônicamente os objetos de seu registro.

Na exposição, a única aquarela que tenta mostrar a bromélia em seu ambiente demonstra bem esta contradição: o fundo em branco é substituído pela imagem da Floresta Amazônica, o Rio Negro está visível... mas o tratamento desta paisagem é desfocado, monocromático, esmaecido... de novo a bromélia poderia estar em Kew Gardens e não no Rio Negro... Na verdade eu acho que esta é a obra mais fraca; quando Maragret se atém ao repertório e à linguagem do seu gênero, consegue soluções bem interessantes e esteticamente agradáveis; quando tenta entrar no campo da paisagem, porém, o resultado fica em um meio-termo que não convence.
Mas é uma exposição agradável de ver, e os objetos de viagens, presentes recebidos por tribos indígenas, pequenos troncos, bússola, material de pintura, expostos, dão uma visão humana da Margaret, qie afinal deve ter sido uma pessoa muito interessante e dedicada a seu ofício, com bons resultados dentro de sua proposta!
Ah, sim, e em 2009 (outubro) se comemora os 100 anos, também, do pintor irlandês Francis Bacon.

Um comentário:

Anônimo disse...

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