domingo, 1 de março de 2009

Em SP (2) - Josef e Anni Albers


Na Pinacoteca e no Instituto Tomie Othake, exposições complementares sobre o trabalho de Josef e Anni Albers.
No ITO, a ênfase é na obra-prima, a mais característica, de Josef Albers, a série Homenagem ao Quadrado. São mostradas 45 pinturas da série, além de alguns estudos (me impressiona, como pintor, ver as tirinhas de papel com as anotações do artista, utilizadas para a testar a mistura das tintas na busca da cor perfeita, exatamente como ainda fazemos todos os pintores). A montagem é sóbria, não precisava de mais, bastam as pinturas, em sequencias, sempre as mesmas formas (três ou quatro quadrados uns dentro dos outros, com os centros deslocados para a base inferior) com as inúmeras variações nas cores, brilhantes, vivas; mesmo os pretos e cinzas são vivos; as cores que interagem umas com as outras, se modificam a partir da presença das outras. Até mesmo uma pintura com os quadrados em vermelhos sutilmente diferenciados: à primeira vista, uma pintura monocromática; mas à medida em que o olhar se detem, percebe-se leve diferenciação nas bordas, e os quadrados aparecem, ainda aparentemente iguais mas sutilmente distintos.

A epígrafe do catálogo é uma frase do artista: "A preocupação dos coloristas com quais cores combinam entre si demonstra não apenas um preconceito, como uma questão equivocada. (...) Acredito que qualquer cor 'funcione' com qualquer outra... e que a harmonização de cores seja apenas mais uma possibilidade de reuní-las, e não a única desejável."
Perfeito. Na série Homenagem ao Quadrado, ao meu ver, Albers vai muito além dos estudos de cor, de uma demonstração para esta tese, e avança pela pintura: há o painterly, mesmo em zonas de cor aparentemente chapadas, algumas cores brilham com textura de esmalte, em outras a tinta é mais rala, outras bem opacas, as ranhuras da tela (no caso o compensado, masonite, o que me acende uma precocupação com a durabilidade do suporte)...
Albers avança também por outras formas de fazer arte que foram desenvolvidas bem depois. Como os artistas conceituais que hoje estão redescobrindo a pintura (ver meu post de 23/02/09), Albers parte de um conceito simples, estabelecido, bem claro, para criar, não uma, dez, mil pinturas separadas, mas toda uma série, a obra é o conceito e o conjunto (embora os quadros estejam dispersos, claro, e provavelmente nunca foram vistos juntos). A visão de uma sequencia de quadros com pequenas variações de cor (na exposição, os amarelos, os verdes, os vermelhos) me remete também ao minimalismo, a Donald Judd... As obras de Homenagem ao Quadrado são muito exibidas na versões em serigrafia, e a serigrafia oferece talvez a rapidez no processo que permita ao artista experimentar milhares de vezes mais opções que as telas; porém vê-las em pintura tem um sabor especial, cada quadro tem uma presença, uma aura, inegável; e o conjunto pulsa de vida.

A exposição da Pinacoteca é mais documental, se volta para a vivência do casal de artistas no México, e a influência do país e sua arte sobre eles. Apresenta fotos, milhares de cópias em contato e dezenas de ampliações, todas preto&branco, tiradas pelos artistas naquele país: pirâmides, cerâmicas, paisagens; a arte primitiva mexicana colecionada pelos artistas; e estudos, desenhos, pinturas feitas pelos Albers, onde se vê claramente como foi forte aquela influência. Bem didática, bem montada, a exposição também apresenta uma boa cronologia, através do recurso de linha do tempo, e tem um catálogo muito completo e bem editado. O material documental é muito forte, em vitrines no espaço expositivo: cartas, recortes, publicações, anotações, esboços, fotos... e está bem representado no catálogo, que é um livro de referência para o assunto.

Os traços dos degraus das pirâmides marcados pela forte sombra do sol mexicano, vista em muitas das fotos, se transforma em traços que delimitam estudos de cor de Josef; e os tecidos mexicanos, com suas tramas, nós e padrões repetidos, aparece nos trabalhos de Anni, não só nos tecidos feitos pela artista, como em murais e pinturas. Os estudos de cor e de padrões repetidos com pequenos triângulos, em aquarela, tem a beleza de uma música de câmara; e nos estudos de nós, provavelmente iniciados a partir do ofício de tecer mas evoluindo para estudos de linha e cor, a artista transcende o tema chegando a resultados que ultrapassam em muito a proposta inicial.

Muito interessante uma série de pinturas de Albers que precedeu a Homenagem ao Quadrado: Variants/Adobe, pinturas com estrutura básica de fachadas de casas mexicanas em adobe (uma porta e uma janela, duas janelas, duas portas...), e as muitas variações de cores que depois o artista vai explorar, dentro da estrutura mais concisa e precisa dos quadrados. Os Adobe me fazem pensar em outros artistas, que partiram de fachadas abstraídas para estudos de cor, espaço, volume: os nossos Volpi e Ione Saldanha; e mesmo do contemporâneo Paulo Pasta, com sutilezas em cor e discussão de outras questões, como a escala e a pintura em si. Ao final da exposição, cinco quadrados são o aperitivo, o link da Pinacoteca para o ITO.
Imagino que algum dia uma crítica de arte ferozmente feminista irá discutir o trabalho do casal Albers para revalorizar a obra da Anni, talvez (como as que revalorizam Zelda, a verdadeira escritora, explorada por Scott) como a verdadeira artista do casal.
A minha impressão é que o trabalho dos dois era bem equivalente; a utilização por Anni de técnicas "femeninas" talvez tenha colocado seu trabalho como "inferior" ao do marido, dentro do modelo dos anos 1950; mas na perspectiva atual, até mesmo quando artistas homens incorporam técnicas como bordado (Leonilson, Walter Goldfarb...), não consigo ver uma supremacia entre os estudos de cor de Josef e os tecidos de Anni. Acho que o verdadeiro salto, que elevou Josef Albers à categoria de grande nome, indispensável, da arte ocidental, colocando-a acima da produção da mulher e também dos demais professores da Bauhaus, foi a série Homenagem ao Quadrado. Com esta série, Josef Albers garantiu seu lugar no cânon; e eu garanti bons momentos de fruição estética e intelectual ao navegar entre as salas do ITO e da Pinacoteca.

Ver também The Josef and Anni Albers Foundation

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