Marina Saleme é uma pintora paulista cujo trabalho acompanho há um bom tempo e que infelizmente expõe pouco no Rio, assim foi um prazer ter conseguido ver
Liquid Paper, a sua exposição individual na
Luisa Strina; e minha sorte maior foi ter encontrado a artista, em pessoa, na galeria, e ter conversado com ela, tirando algumas dúvidas e trocando ideias sobre seu trabalho.
As exposições da Marina no Rio foram em 1997, no Paço Imperial (esta eu vi, me lembro nitidamente de uma tela em verdes e azuis) e na Paulo Figueiredo (com a série
As Poças, esta eu lastimo não ter visto, vi
As Poças em reproduções e adoraria ter visto, adoraria ter uma delas comigo...)
Um catálogo muito bom sobre o trabalho da artista é exatamente o
Sobre Poças, de exposição no Centro Maria Antonia/Galeria Luisa Strina, com texto da Lisette Lagnado. Bem abrangente, mostra
As Poças, as pinturas (chuvas, gotas, figuras como que com burkas...), as pinturas com malhas e com losangos, instalações com pinturas sobre paredes... A leitura e releitura deste catálogo como que "me preparou" para enfim ver a exposição e conversar com a artista.
E que exposição! O conceito do
Liquid Paper é o do recurso do corretivo líquido, aquele fluido branco utilizado para correções em textos ou desenhos, em arte-final: recobrir, deixando transparecer algo do recoberto, criando camadas após camadas de cores e seu apagamento, uma pintura construída de camadas, brilhantes ou foscas, mais ou menos transparentes, opacas, uma pintura que o olho tem prazer em percorrer e em descobrir detalhes.
E o colorido, meu deus! os amarelos e o ouro de
Fortuna, sob um céu/nuvens roxo/vermelho escuro; os púrpuras/carmins/vermelhos/lilázes/rosas com as manchas e aparições de verdes de
Atados... Os arabescos que são recobertos e se tornam textura, impressão, memória, para renascerem como que caíndo do céu em nuvem de prata, do
Céu Despencando...
A tela grande (290x440cm),
Por trás disso tudo, um verdadeiro universo a ser descoberto, uma viagem por um mundo onde se pensa ver uma narrativa (três vultos, talvez figuras em burka, duas maiores e uma menor, duas mulheres e uma criança? uma paisagem, um céu tomentoso, arabescos que podem ser árabes ou azulejaria portuguesa, um rio verde esmeralda e três formas misteriosas como sangue, pontes, cordões umbelicais? a narrativa é aberta, fica para a imaginação do espectador), mas onde o que se vê realmente é pintura, da melhor qualidade, que joga com estas dubiedades para provocar o espectador e mantê-lo preso aos múltiplos significados do que é, em última instância, uma relação entre cores e formas no plano pictórico.
Pergunto à artista sobre os arabescos, o que vejo como azulejos (eu, minha infância em São Luiz do Maranhão, a cidade dos palácios de azulejos), se seriam uma herança árabe; ela me responde que é meio árabe (pai libanês) meio européia (mãe italiana); me fala que esta paisagem, estas figuras, arabescos, que eu vejo como tão árabes, ela trouxe para sua pintura a partir da contemplação de Giotto; os arabescos chegaram para ela como uma quase obsessão, após as malhas e os losangos, a princípio alguma coisa que ela era como que comeplida a fazer, mesmo sem saber em que iria chegar; e mesmo com a perplexidade dos que viam os novos trabalhos; até que os arabescos foram também se organizando nas estrutura dos quadros, em camadas, apagados e aparecendo em textura, reaparecendo (a ideia do
liquid paper)...
Excelente exposição, uma pintora sensível e séria, que também exerce atividade didática em pintura, enfim, para os cariocas, vale mesmo pegar uma Ponte Aérea para ver!
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