domingo, 8 de março de 2009
Fábio Cardoso, "Pas Toi"
Na Lurixs (Rio), a abertura da exposição "Pas Toi", do artista Fábio Cardoso, e conversas com o artista sobre o processo de trabalho utilizado para chegar ao belo resultado. Inicialmente, o nome da exposição é uma referência a um distanciamento, como um "você não", um "isolar"; e por paronímia, o "patuá", os amuletos.
O processo de trabalho é bem interessante. O artista trabalha com tinta a óleo (eu imaginava que ele utilizasse pigmentos a base d'água, pela fluidez e escorrido da tinta sobre a tela), bastante liquefeita com aguarrás; os objetos são colocados portanto sobre as telas impregnadas da tinta diluída, e suas formas ficam "impressas" na superfície da tinta; não é um processo de monotipia, e sim que pode ser mais relacionado a uma "fotografia", uma vez que as marcas geradas pelos objetos são trechos onde a tinta a óleo não oxida, ou seja, não solidifica, e portanto é eliminada em lavagens subsequentes. É uma pintura sem pincel, e praticamente monocromática.
Em série já apresentada antes, também na mesma galeria, o objeto "impresso" nas telas era o próprio chassis, com isso as telas eram abstratas, com um toque forte de metáfisica a partir do formato das retas em cruz do chassis; só que o que ancorava esta pintura abstrata era um conceito em relação ao próprio suporte. Uma referência para mim: a pintura inicial do Frank Stella, quando o abstrato (neste caso, abstrato geométrico) era obtido a partir de um conceito rigoroso de utilização do suporte (Stella marcava as linhas brancas sobre fundo preto a partir da espessura do chassis).
Na série "Pas Toi", os objetos "impressos" ainda se relacionam ao processo da pintura, mas não mais o próprio suporte e sim objetos do atelier: pinceis, espátulas, trinchas, martelos, tesoura... até uma corrente... E uma vez pronta, a tela em preto e branco é enclausurada em uma cápsula de acrílico colorido. O acrílico produz esta sensação de estranhamento, do "você não", e também leva a cor à pintura; os brancos brilham fortes, na cor da cobertura de acrílico, como se houvesse uma iluminação própria por dentro da tela; o resultado é lindo, lembra um pouco as radiografias em caixa de luz de consultórios médicos, e a força do monolito de cor com os fantasmas dos objetos é muito grande; o resultado final conquista o espectador.
Segundo o artista, os objetos utilizados no ofício de pintar ficam como que presos em blocos de cor, "como aqueles insetos presos em âmbar"; a referencia arqueológica para mim é também outra: em uma tela grande, amarela, a impressão dos panos utilizados no atelier adquirem a configuração de uma escrita, como uma pedra de Roseta que trouxesse mais mistérios ao invés de esclarecê-los.
Assim, vejo algumas subversões no trabalho: a pintura sem pincel; a pintura que é fotografia, no sentido de impressão da luz; a pintura sem cor; a cor vem da caixa de acrílico, que em última análise é como uma moldura; a moldura que tradicionalmente serve apenas para delimitar, neste trabalho é parte integrante, ao fornecer a cor e trazer o fechamento, o significado, para a tela enclausurada.
Uma subversão que é semelhante, embora sejam trabalhos bem diferentes na concepção e no resultado, à subversão do Leonardo Videla em suas pinturas Acrilico sobre tela. E a partir destes dois sentidos do acrílico (a tinta e a placa), uma outra subversão que é um inside joke para pintores: ao usar tinta óleo e tinta acrílica, aprendemos todos que o acrílico é base, o óleo vem sobre o acrílico; o artista coloca o acrílico sobre o óleo, de uma certa forma violando esta regra...
Enfim, pelos resultados e pelo processo que leva a este, uma boa exposição.
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