segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Em São Paulo

São Paulo sempre é bom, mesmo quando o avião, descendo em Congonhas, me dá um susto ao arremeter (segundo o piloto, por segurança, o avião anterior ainda estava na pista, foi o que entendi). Isto depois da impossibilidade de fazer um mísero check-in on-line, a TAM "mudou o seu sistema" (a culpa é sempre do "sistema", esta entidade abstrata) e o site está com erros primários (saudade do meu tempo de analista de sistemas, eu não deixaria um site deste jeito ser liberado para os usuários, talvez por isso me estressava tanto). Tudo bem, estou em Sampa e hoje a programação é tranquila, apenas três ou quatro locais a visitar (e voltar rápido para o Rio antes da chuva que está fazendo estragos na cidade a cada final de tarde).
Nas Pinacotecas, dois importantes artistas portugueses:
No Projeto Octógono, na Pinacoteca do Estado, a instalação Deposição, de Pedro Cabrita Reis, de grande impacto. Na rotunda monumental do prédio projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo, o artista coloca duas pesadas vigas de aço em formato de um T apoiadas sobre uma mesa comprida, também de aço; o minimalismo da forma, solitária sob o peso do ar da rotunda, faz uma referência sutil às deposições de Cristo da cruz, as Pietàs, da história da arte. Sutil e monumental, dois conceitos que a obra do artista combina muito bem.
E na Estação Pinacoteca, grande exposição ocupa todo um andar com pinturas, videos, instalações e performance do artista Julião Sarmento. Conhecia pouco da obra do artista, e a vontade de conhecer mais foi o motivador desta minha ida a SP; neste ponto minha expectativa foi atendida, a exposição é bem abrangente; sinto falta apenas de um catálogo, um bom catálogo como os que a Pinacoteca fazia.
A utilização das várias midias pelo artista português não torna seu trabalho disperso, pelo contrário, cada suporte é utilizado de uma forma precisa para aquele trabalho específico. E em todos o artista fala, obsessivamente, dos mesmos temas: uma fragmentação dos corpos e dos objetos, uma presença ou uma ausência; uma sensualidade que coloca o espectador como voyeur; os recortes de gestos, de corpos, são de uma sensualidade que se concentra nestes fragmentos; um embotamento da percepção, que paradoxalmente aguça a percepção do espectador; jogos de linguagem (o título, a imagem da obra e textos na obra, que aparentemente não tem relação ou se contradizem)...
A performance: um homem, uma mulher, duas cadeiras, em um pequeno ambiente fechado e todo verde; um disco de vinil em uma vitrola portátil toca uma música obsessiva, a mulher dança sozinha, sensual; o homem se levanta e dançam juntos, uma sensualidade e ao mesmo tempo uma ausência, uma distância, gestos sensuais e ao mesmo tempo mecânicos dos pelvis que se juntos ao ritmo da música; e o espectador fica preso nesta teia até o final da música (que poderia se repetir ad infinitum), é feito refém como é feito voyeur das pernas e braços desenhados em telas quase monocromáticas, embaçadas; das mulheres sem cabeça que habitam uma estante ou um relógio de parede, nas esculturas/instalações; da stripper que, em um video, se despe para tornar a se vestir, incessantemente, interminávelmente; em outro vídeo, pernas de mulheres que andam interminávelmente por uma rua; ou um longo close nos pelos pubianos de uma mulher vestida, como a stripper, com meias e cinta-lliga; as pinturas com massas pretas sobre fundo branco, ou o contrário, onde o espectador/voyeur "de repente " jogos sexuais; e a partir daí não vê mais outra coisa, como obcecado, o sexo grita por entre os blocos de tinta, antes inocentes acrílicas preta e branca sobre a lona preparada da tela, pintura e obsessão.
Uma sensualidade infinita, incessante, interminável, como um Bolero de Ravel sem o clímax, e que se esprai por vários suportes, como se apenas uma midia fosse pouco ou nada para conter esta força que, sutil, permanece na retina do espectador como um langor post-copula.
Valeu o susto na descida no aeroporto!
Em seguida, visitei o Centro Cultural de SP, onde está a Mostra do Programa de Exposições 2009, com os artistas convidados Daniel Senise (com Eva, uma instalação onde blocos de tijolos, feitos pelo público a partir de material reciclado do CCSP, cobrem a escultura Eva, de Brecheret, do acervo do Centro), Rochelle Costi (apropriação de imagens do porão do CCSP, onde funcionam oficinas de restauração,gráfica etc.) e Ricardo Basbaum (câmeras de video captam, em tempo real, locais onde o artista interferiu com palavras escritas nas paredes ou chão do Centro Cultural).
E os artistas Ana Prata (pintura, figurativa, bem bonita), Carlota Mazon, Cris Bierrenbach, Grupo Hóspede, Letícia Ramos, Luiz Marchetti (A poética dos pequenos furtos, série de filmes bem interessantes, sobre pessoas comuns que furtaram objetos de desejo e os exibem: Nik roubou cachecol em Estocolmo...), Rafael Carneiro e Sofia Borges.
Além disso, Paradas em Movimento/Wonderland: Ações e Paradoxos, com curadoria de Pamela Prado e Rafael RG, com videos que "se relacionam pelo modo como transformam uma ação em obra de arte": remar, apagar, nadar, acender, despejar... Bem interessantes, os videos são de Antti Laitinen, Marilá Dardot, Laura Glusman, Cinthia Marcelle, Kika Nicolela, Renata Padovan, Rodrigo Castro, Lais Myrrha, Adriana Aranha e Paola Junqueira.
Finalmente, no Instituto Tomie Ohtake, Eternamente Agora, bonita exposição/tributo a Mário Cravo Neto, artista precocemente falecido em 2009, com curadoria de Paulo Herkenhoff e Christian Cravo. E uma exposição do importante artista norte-americano Robert Rauschenberg.
Organizada pelo próprio Instituto Tomie Ohtake, a exposição contou com a colaboração de Robert Rauschenberg Studio, da galeria PaceWildenstein e da ULAE Universal Limited Art Editions, trazendo 98 obras (23 peças únicas e 75 gravuras), e conseguindo dar um bom panorama do trabalho do artista.
Acho incrível como o trabalho de Rauschenberg consegue, no início da cultura de massa, ser tão premonitório em relação às estéticas que surgiriam depois, como a profusão infinita de imagens que cada vez mais e mais chegam, invadem, inundam, exaurem os espectadores; na época que o artista iniciou estes trabalhos, noas anos 1960, a mass midia ainda incipiente (mas já estudada por Marshall McLuhan, outro profeta, de quem hoje ninguém mais fala), as imagens chegavam apenas pelos jornais, TV e cinema e hoje, em fluxos exponencialmente maiores, pela internet, I-Phones, videogames, MTV, celulares, a cada momento mais e mais imagens descartáveis que Rauschenberg, como um arqueólogo do futuro, preserva sua falta de sentido e o transfigura em arte.
Estes trabalhos do artista são o zapping antes de existir o controle remoto nas televisões... e, pela longevidade produtiva do artista, evoluíram até 2008 (ano de sua morte), incorporando as sempre novas midias e novas tendências. Talvez fique faltando nesta exposição alguma coisa do trabalho inicial de Rauschenberg, o "Erased de Kooning Drawing", as "White Paintings", as "Black Paintings"; mas afinal não é uma retrospectiva, e faz acertadamente em focar nas colagens de imagens, obras que se tornaram as mais características do artista.
Volto para o Rio, antes da chuva que nem sei se acabou caindo mesmo. O motorista de táxi fala de uma "operação limpa bueiros", que tirou até um sofá de dois lugares de lugares por onde a água deveria escoar; um pouco o texto que a midia e os governos tem hoje, em devolver a culpa dos problemas à população (ela é culpada por sujar as ruas), esquecendo (de propósito) que o papel dos eleitores é pagar impostos e votar e o papel dos administradores é administrar bem, pagos com o dinheiro dos contribuintes. De volta ao Rio, vejo na internet que o Prefeito de São Paulo foi cassado pela Justiça Eleitoral. Não é nada, não é nada, não é nada.

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