terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Um "puxadinho" do Niemeyer


A polêmica está no ar (seco, apesar das chuvas de janeiro no Planalto), e da discussão depende o futuro da perpectiva monumental idealizada por Lucio Costa e Oscar Niemeyer para a Esplanada dos Ministérios, em Brasília (na imagem deste post, em uma visão do pintor Glauco Rodrigues). Um dos cartões postais mais bonitos da Capital, a visão de quem está na Rodoviária para o lado Leste sofre a maior ameaça já sofrida nestes 48 anos de Brasília. A visão que, na concepção original de Lucio Costa, teria o homem simples, ao olhar, da Rodoviária (para ele o verdadeiro "centro" do povo) para a direção do nascente: o gramado central do Eixo Monumental; a Catedral à esquerda; os Ministérios enfileirados; ao fundo o Congresso, com as cúpulas em simetria horizontal e as torres gêmeas do anexo, pensadas para serem a elevação máxima da Esplanada (como a dizer que, mesmo com a hegemonia dos Poderes corporificada no triângulo equilátero da Praça, no fundo todo o poder emana do Povo). Lucio Costa fala desta visão: "Eu queria que a Praça dos Três Poderes fosse um Versalhes, não um Versalhes do rei, mas um Versalhes do povo, tratado com muito apuro."Uma ameaça veio durante a ditadura, a construção do mastro da Bandeira Nacional, projetado pelo Sérgio Bernardes, bancada pelos militares e que teve a oposição dos criadores de Brasília e dos intelectuais (principalmente cariocas), por perturbar esta perspectiva tão perfeita. Outra ameaça veio com a explosão populacional dos condomínios do Lago Sul, que "mancham" o verde que era o pano de fundo para a perspectiva; e tornando obsoletas as palavras de Lúcio Costa sobre a visão monumental para a Praça dos Três Poderes: "Meu objetivo era acentuar o contraste da parte civilizada, de comando do país, com a natureza agreste do cerrado."
Sintomaticamente, as ameaças seguintes não vieram mais dos militares ou do populismo, e sim do próprio criador: Oscar Niemeyer.
A ocupação dos grandes espaços contíguos à Rodoviária era pequena, deixando grandes espaços a serem ocupados no decorrer do tempo, apenas dois projetos do Niemeyer: no terreno do lado Norte, o Teatro (lindo, com a laterais com os relevos do Athos Bulcão que foram retirados para uma restauração que já demora tanto tempo); e no lado Sul, o antigo prédio do Touring (sempre achei inexplicável a ocupação de área tão nobre por uma instituição privada, a menos pelo fato que o falido Touring sempre foi reduto de militares reformados).
Quando cheguei em Brasília, há quase três anos, vi o final da construção do projeto do Niemeyer para o espaço entre o Touring e a Catedral, o Complexo Cultural da República, com a Biblioteca e o Museu. Apesar da beleza das construções, alguns problemas me chamaram a atenção. O primeiro é a inadequação da forma dos novos prédios em relação aos já tradicionais da Esplanada (Catedral, Ministérios, Congresso): a forma de cúpula do Museu repete a cúpula do Senado, no complexo do Congresso Nacional, esvaziando portanto o seu impacto e criando um "eco" totalmente assimétrico que desequilibra a monumentalidade da Esplanada; e de quebra reduz a imponência da própria Catedral, meio que a esmagando. Ao meu ver este segundo problema poderia ser resolvido com outra distribuição dos prédios no terreno (por exemplo, colocando o Museu contíguo ao Touring e a Biblioteca mais perto da Catedral e em posição paralela, não perpendicular, ao Eixo); mas a solução do primeiro problema teria que passar por uma mudança na própria solução de cúpula. Outros problemas, aí mais de funcionalidade (bom, mas o Niemeyer NUNCA é funcional): por que tão pouco estacionamento, por que não fazer logo um estacionamento subterrâneo, com entrada pela S2 (já em nível mais baixo)? por que não ter um jardim, uma graminha, e só aquele inóspito chão de concreto com uns pífios laguinhos? sem contar com a inadequação total do interior do belo Museu para exposições de arte.
As ameaças seguintes ficaram em projeto apenas, a construção de um monumento à paz em pleno gramado, e um local para shows, no terreno contíguo ao Teatro, que foi vetado pelo IPHAN por superar o gabarito permitido (neste projeto aparecem duas outras cúpulas, menores, talvez seja a solução do arquiteto para ecoar a forma de cúpula na Esplanada).

Agora aparece, já como um plano do Governo do DF para os 50 anos de Brasília, em 2010, o que ao meu ver é a a pá de cal na perspectiva monumental: a construção, no terreno central (entre os Eixos N1 e S1), exatamente onde, na pintura do Glauco Rodrigues é a testa do índio (só que muito maior), de uma Praça da Soberania, com "memorial dos presidentes", um prédio semi-circular com três andares, e um obelisco em forma de chifre, de 100m (equivalente à altura do mastro da Bandeira e do prédio do Congresso, na Praça dos Três Poderes, na verdade mais alto que eles, já que o terreno do obelisco esta em uma cota acima do terreno das outras edificações), o que eu vejo como um "puxadinho", mesmo projetado pelo genial arquiteto Niemeyer. Ah, e a nova praça será totalmente de concreto, sem verde; e no subsolo será construído um estacionamento para 3000 automóveis (que acho que deveria ter sido projetado no subsolo do Complexo Cultural).

Um artigo da Prof. Sylvia Ficher (arquiteta, doutora em história e professora da Universidade de Brasília), com o título Oscar Niemeyer e Brasília: criador versus criatura, publicado na revista de Arquitetura e Urbanismo MDC, analisa bem a questão, lançando a tese de que "coitada de Brasília. Niemeyer não gosta mais dela". Acho bem pertinentes os argumentos da Prof. Sylvia, e tenho visto na internet comentários em apoio ao artigo, um deles o publicado por Elio Gaspari em sua coluna de 18/01 em diversos jornais de circulação nacional. Espero que o debate sirva para repensar algumas coisas e que se preserve as intenções originais da cencepção do genial Lucio Costa.

artigo da Prof. Sylvia Ficher

artigo do jornalista Elio Gaspari

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