Em 2003 fiz o workshop Procedência & Propriedade, com o Charles Watson. Um trabalho de grupo, intensivo, voltado para romper bloqueios que impedem a criação.
Eu tinha feito o curso regular do Charles por um semestre, no Parque Lage, quando me reciclei e participei de discussões do mais alto nível sobre coisas em arte que eu estava acompanhando apenas superficialmente; mas o curso me tomava uma noite por semana, eu fazia em paralelo a outros cursos e outras atividades. Para o workshop, me preparei, tirei férias do trabalho, adiei atividades, tomei coragem, e lá estava eu.
O grupo passa um mês convivendo, de 2a. a sábado, 8 horas por dia, no atelier do Charles na Rua Mundo Novo (Rio), e sendo desafiado a cada momento, em um crescendo; palestras, exercícios, desafios, respira-se arte, criatividade; e mesmo nas horas de relaxamento, mais arte...
O método é extenuante: desenho, desenho, desenho, desenho, desenho... Cada pessoa escolhe um objeto (o meu foi um banco alto, velho, refugo do atelier), e disseca este objeto, desenha-o, convive com ele, tenta amá-lo, odeia-o... Os desafios são ferozes, e a crítica do Charles e do grupo é impiedosa. Para mim foi um início desgastante, desesperante. Eu estava bloqueado, e a cada vez que tentava com todas as minhas forças atingir o objetivo dos exercícios, mais o meu resultado era duro, pífio, convencional. Eu me rebelava, sentia inveja dos demais, achava que nunca ia nem conseguir entender o que o Charles queria ao propor cada exercício... e nada: continuava com um desenho travado, sem vida.
Um dia, lá pela segunda semana, depois de sofrer muito, eu pensei seriamente em desistir, ir embora do atelier, sumir. Pensando então no como desistir, falei para mim mesmo: eu já tinha arranjado todo um esquema para ficar liberado neste mês; já tinha tirado férias, e não ia voltar a trabalhar, se desistisse ia ter que passar o resto de minhas férias de bobeira em casa; já tinha pago e ia ser problemático receber meu dinheiro de volta; então o melhor que eu tinha a fazer seria continuar no workshop, sem tentar acertar, sem tentar ser "o melhor aluno", meio "alienado", até; pois quando acabasse o workshop, eu, fracassado, iria embora e nunca mais na vida precisaria olhar o Charles nem as pessoas do grupo, podia desistir de tudo; mas decidi que eu iria até o fim do workshop, assim, "alienado"(como me vi), agora sem exigência nenhuma para comigo mesmo.
A partir daí, como uma mágica, sem eu sentir, comecei a "acertar". Justo quando eu não me preocupava mais em acertar, lá estava eu, despojado, solto, sem a exigência que havia me paralisado anos... e finalmente entendendo, não com o racional mas com o corpo, com o traço que, livre, finalmente fazia desenhos!
O bloqueio era a exigência que eu me colocava, em "fazer perfeito".
Foi uma lição para minha vida. O resultado para mim foi fundamental. Consegui vencer os bloqueios que me colocaram em anos de silêncio. E vivenciei, tornei real, o mal que a "síndrome do primeiro aluno da classe", o excesso de racionalidade, de objetividade, fizeram para mim, por tanto tempo. Aprendi na pele, vivenciei, o que eu sabia apenas racionalmente: que o importante é a busca, a procura, não o resultado; que arte tem seu lado racional mas embricado neste racional temos o inconsciente, o corpo, falando...
Devo isso ao Charles (não só eu, muita gente que está atuante em artes deve muito ao Charles, desde os anos 1980 no Parque Lage, um dos pais da Geração 80, até os dias de hoje, quando a itinerância das palestras, workshops e viagens guiadas disseminam Arte no Brasil inteiro, e continua formando gerações de artistas).
malga | Santa Helena
Há 4 dias
Um comentário:
Jozias,foi muito importante pra mim ler o que vc escreveu .Cliquei o nome do Mestre e lhe encontrei.
E vc acabou me dando força.
Este ano fiz dois cursos com o Charles: Processo Criativo e Vídeos .
Tenho muita vontade de fazer Procedencia e Propriedade, mas resolvi que em 2010 vou participar do Grupo de Estudos uma vez por semana , no Atelier Mundo Novo.
Os cursos do Charles são maravilhosos. Fizeram-me lembrar de quem eu era e do que ainda posso ser.
Um grande abraço.Não sabia que vc estava em BSB.
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