sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Projeto Acervo, no Espaço Bananeiras, Santa Teresa, Rio

Abertura da 7a. edição do Projeto Acervo. Não conhecia o Espaço Bananeiras, e mesmo Santa Teresa, que já frequentei tanto nos anos 1970 e 80, é como um bairro novo para mim: mais bonito, bem cuidado, muitos estrangeiros e pessoas bonitas nas ruas e no bonde (bem, isso sempre teve, pessoas bonitas), os restaurantes e bares deixaram aquela aura hippie de pé sujo e se tornaram cult. E o Espaço Bananeiras é mágico, visto da rua (Ladeira do Castro) é uma casa simples com um porão habitável (tudo muito silencioso, eu achei que tinha errado o dia do evento); entra-se pelo que me parecia ser a porta do tal porão, e que é a entrada para espaços que se desdobram, até se chegar a uma galeria com grandes vidros, em outro nível abaixo outra grande galeria, tudo isso entre jardins com, claro, bananeiras; descendo mais um pouco um bar, um espaço que poderia ser de projeção de filmes ou vídeos, e mais além outro jardim; dos níveis inferiores ao se olhar para cima se vê que a tal casa simples, na verdade, como um origami em câmara reversa, se desdobrou em um prédio do início do século XX com quatro andares, pelo menos dois anexos e os tais jardins com as onipresentes bananeiras.
Na primeira galeria (a dos grandes vidros), o trabalho da artista residente Marie Fleur Lefebvre. Desenhos sobre papel translúcido, montados nos grandes vidros, podendo ser vistos dos dois lados, poéticos e muito bonitos. Em duas grandes telas, cada uma dialogando com uma pequena fotografia, as linhas volteiam orgânicas sobre o linho cru, como hastes coroadas por um fruto maduro de tinta pesada. Um bom trabalho, muito sensível e delicioso de se ver, e que ficou bem exposto no salão com vidros rodeado de jardins de floresta tropical (tudo a ver).


Na galeria do nível abaixo, as dez obras do Projeto Acervo. A colecionadora é a artista Lucia Laguna, artista que tem um trabalho que fala por si próprio. A felicidade da Lucia é muita, e é fácil de entender, pois ela vai levar para casa uma seleção de obras de alto nível. Em uma leitura da esquerda para a direita:
Rafael Alonso: Gostei da exposição do Rafael na Amarelonegro: listras de fita colante ou de elásticos, fotos de listras de fita colante ou de elástico, e, no que para mim o é o arremate, pinturas de listras de fitas colantes. No Projeto Acervo, uma “paisagem” horizontal com fitas com azuis dominando.
Arjan: Vi e gostei da exposição dele na 90 Arte Contemporânea, o desenho é forte, tem um traço fluido e expressivo. Na individual a soma dos desenhos, o ambiente, reforça cada um dos trabalhos, aqui é um desenho só, mas muito bonito e quase ascético (se é que posso falar em ascetismo em um desenho tão visceral) em sua moldura-caixa branca.
Felipe Barbosa: Uma lixa, comum, de loja de material de construção. Ao lixar uma superfície, a marca da mão do artista fica gravada na lixa, como uma monotipia, a partir da aderência do material da superfície lixada. Emoldurada, é uma obra de arte, e vemos (salta aos olhos e ao intelecto) a beleza da monotipia e também, principalmente, o conceito que gerou o trabalho.
Guga Ferraz: O artista recobriu seu rosto e pescoço de band-aids, apenas os olhos estão de fora, tristes? irônicos? Uma foto, e este é o trabalho: instigante, perspicaz, escrutinador, um diálogo que passa a se fazer entre o artista e o observador, como uma monalisa do século XXI, torturada, doente, sobrevivente.
Gisele Camargo: Duas pinturas, muito bonitas. Conheci o trabalho de Gisele na exposição do CCBB, Arte Nova Arte, e também na Amarelonegro. Acho interessante que o trabalho dela funciona “em massa”, ou seja, cada pintura é muito bonita, e funciona de per si, mas a apresentação das pinturas em série faz com que se pense no conjunto como uma obra, não em cada pintura isolada. Sim, e as delimitações do espaço, as perspectivas, as sobreposições de campos de cor, dialogam com o trabalho da Lucia Laguna, o que é um plus do Projeto Acervo.
Leonardo Videla: Um díptico “de esquina”, duas pequenas telas com os motivos arquitetônicos e de dobradura de caixa que são ícones na obra do Leonardo, com um bom tratamento de pintura, e que se articulam nos 90 graus de uma quina de parede. Um bom trabalho, gosto muito deste enfrentamento com a arquitetura e com a pintura, com a rigidez do desenho arquitetônico e a fluidez da pintura, e acho que o Leonardo é bem feliz com os resultados desta série... embora para mim, claro, seu momento mais feliz é a série Janelas...em outra postagem falarei sobre as Janelas...
Alexandre Vogler: O artista faz uma interferência em um dos morros que cercam a pacata cidade de Nova Iguaçu, Grande Rio: um tridente, pintado em dimensões gigantes sobre a pedra nua. Os moradores reagem contra “a obra do demo”, e o prefeito bonitinho marca uma cerimônia de desagravo. O trabalho no Projeto é uma foto dos evangélicos exorcistas, o prefeito midiático ao centro. O trabalho deverá ser emoldurado no formato do tridente. E uma republicação, feita pela artista, de revistas evangélicas, mostra o desenlace da proposta pelos olhos da midia religiosa.
Marcos Abreu: O artista está trabalhando com bandeiras de nações inexistentes, improváveis ou impossíveis. No Projeto Acervo, uma foto institucional da entrega da bandeira do Mediterrâneo pelo artista a curador de um museu em Barcelona. A bandeira, projetada pelo Marcos, executada por uma empresa que fabrica bandeiras, é uma bandeira nacional “real” de uma nação impossível, o Mar Mediterrâneo, que banha e banhou tantas nações desde tempos imemoriais. No Acervo, a bandeira do Mediterrâneo, em seus azuis e pretos, dialoga com o trabalho do Rafael Alonso.
Brígida Baltar: Um bonito desenho. O trabalho de Brígida tem sempre um clima de sensibilidade e interiorização, presente em seus trabalhos mais conhecidos, como as Coletas (neblina, orvalho, maresia ), os trabalhos com pó de tijolos. A artista esteve em Brasília este ano, no Centro Cultural da Caixa, com uma instalação sonora, ao lado de outra instalação sonora do Paulo Vivacqua, e voltará a Brasília em março, com um trabalho realizado no Cariri. Com um trabalho marcante, Brígida também é uma pessoa muito especial.
Daniela Mattos: Um lindo trabalho, "Procura(r)-se", de 2005, uma série de fotografias montadas como stills de um filme. A artista trabalha com vídeo e performances.
Na saída, o artista Álvaro Seixas me faz uma pergunta, a queima-roupa: "Queria saber por que você comprou o meu quadro". Mas este diálogo vai ser tema de outra postagem.

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