quarta-feira, 24 de dezembro de 2008
Um diálogo (a motivação do colecionador)
Quando eu já estava saindo do evento de abertura do Projeto Acervo, no Espaço Bananeiras, o artista Álvaro Seixas me faz uma pergunta, a queima-roupa: "Queria saber por que você comprou o meu quadro". Logo em seguida, se desculpa pela pergunta, acha que talvez tenha sido impertinente, mas eu acho a pergunta relevante e adio minha saída. Conversamos um bocado, a artista Gisele Camargo também participa da conversa, e eu tento verbalizar minha motivação para "ter" o quadro do Álvaro, a motivação do colecionador, o impulso irresistível para possuir determinada obra de arte, aquela, não outra...
Aqui no blog vou tentar escrever, de uma forma mais estruturada, meu pensamento que talvez não tenha ficado bem expresso no momento (depois da deliciosa caipirinha do Espaço Bananeiras as idéias se aclaram mas as palavras às vezes ficam mais obscuras).
A.S.: Por que você comprou o meu quadro?
J.B.: Em primeiro lugar vou dizer o porque não. Não foi para pendurar em uma sala combinando com o sofá. Não foi como um investimento, embora eu ache que é um bom investimento, A.S. é um artista jovem, com um trabalho de qualidade, vai dar continuidade a este trabalho e evoluir, e a tendência será uma valorização no correr dos anos; mas não foi esta a motivação primordial. Há uma diferença sutil: claro que para o colecionador é importante visualizar um futuro para a obra que estrá sendo adquirida, projetar se o artista terá uma carreira, uma evolução; e também se a obra adquirida será, futuramente, representativa no contexto geral do trabalho do artista; agora, se isso significa uma valorização monetária, um investimento, ao meu ver (pelo menos para mim) não é o essencial.
Vou falar do processo de compra. Fui à exposição, na galeria Amarelonegro, gostei da exposição como um todo e dos trabalhos individualmente, claro que gostei mais de uns e de outros menos, vi uma continuidade (conceitual e formal) entre os trabalhos, mesmo utilizando meios diferentes. Me fixei na pintura, isso é uma opção pessoal minha; como minha atividade artística é mais voltada para a pintura, as pinturas me atraem mais. E em pintura, o que eu acho do trabalho de A.S.: resultado bonito e com técnica impecável; gosto muito do minimalismo do preto e branco, da pouca cor; gosto das veladuras; gosto do mistério das formas, dos escorridos de tinta, das áreas de repouso e das áreas de inquietude para o olhar, das sugestões de paisagem ou de retratos, porém nada óbvios; gosto do diálogo com a tradição da grande pintura, atualizada em uma linguagem bem contemporânea. Gosto de ver que é uma pintura de qualidade que está ancorada por um conceito forte. Minha análise é que a pintura, após as tantas mortes anunciadas, consegue sua permanência no século XXI a partir desta ancoragem forte em um conceito; depois da pintura pela pintura da Geração 80, para mim os pintores que permanecem são os que tem um bom resultado visual com um forte conceito por trás.
Depois, dentro da pintura, minha opção era bem direta. Pintura tem a ver com grandes dimensões, o desafio que é o problema da escala; assim gostei em primeiro lugar das grandes pinturas do A.S., "paisagens", mas logo me volta o tal "espírito prático": "são muito grandes, muito caras, fora do meu orçamento, não tenho paredes..."
Até aí é um monólogo, eu comigo mesmo, em toda exposição que eu gosto. Saio da Galeria sem "dar bandeira" do meu desejo. Normalmente, como vejo várias exposições em sequencia, os desejos se anulam; como Darwin diria, os mais fortes sobrevivem.
No dia seguinte, e depois, acordo com as imagens em minha mente, e verifico que EU QUERO. Mais que isso, não poderei viver sem aquelas imagens me acompanhando, do meu lado. Dialogando comigo. Para o resto dos meus dias.
Voltam os pensamentos práticos, o orçamento, o limite do meu espaço.
Então, somei isso tudo e concluí: o EU QUERO TER ganhou. EU QUERO um A.S. para me acompanhar pelo resto dos meus dias. Dito de outra forma: Eu não poderei viver o resto dos meus dias sem ter uma pintura do A.S.
A próxima etapa é operacionalizar: As grandes, como falei, são maravilhosas, mas "fora do meu orçamento, não tenho espeço de parede..." Gostei de uma pequena tela, com tons de um rosa-salmão-carne discreto e imagens de explosão (continuo gostando e queria ter...), mas me fixo nas pinturas "de tamanho médio". O valor está dentro de meu orçamento, cabe na minha parede e as duas pinturas são lindas.
Por email, peço à galeria que me mande as imagens.
Bom, aí vem a grande dificuldade, para mim, a escolha de Sofia... Uma das pinturas (na minha interpretação) é masculina, a imagem é mais angulosa, retilínea; a outra mais circular, feminina... Vem de novo a incerteza, o desejo de tudo abarcar, e o orçamento que é uma restrição, e finalmente opto por uma das telas (a "masculina").
Hoje, ela está comigo. No lugar perfeito, em minha casa, acima de uma gravura do Nuno Ramos com quem dialoga pelo monocromatismo, pelo mistério. Ao mesmo tempo, fico triste de não ter podido ter para mim também a gêmea (a feminina) ou um trabalho grande. Claro, o colecionador sempre é insaciável, quem sabe?...
Não sei se ao descrever "o processo de compra" consegui esclarecer a pergunta do artista A.S. Acho que ainda falta dizer, ou enfatizar, o que eu disse a ele no Espaço Bananeiras: o desejo do colecionador é obsessivo; não sou um colecionador padrão, compro o que entra no meu interesse, diferente dos colecionadores que tem um programa (e um curador), e também diferente dos colecionadores que querem decorar um espaço; comprei pois não poderia viver o resto de meus dias sem TER; comprei o que eu quero ter, ver, segurar, cheirar... para sempre... Para mim este é o desejo que impulsiona O Colecionador...
Talvez esta obsessão do Colecionador seja o medo da morte, o desejo de permanência, de transcendência. Projeção do ego em objetos, fetiche. Prato cheio para meu antigo analista (ele também um artista e um colecionador). Enfim. O importante é que eu terei a tela do A.S., por mim escolhida, até o fim de meus dias (espero).
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