Segunda-feira, tarde chuvosa no Rio. No Maracanã, Madonna deve estar repassando o som para o segundo show do Sticky & Sweet (eu vi ontem, adorei, mesmo com toda a chuva). Na calçada da Praça da Paz, Rupert Everett, de camiseta e bermuda pretas, se confunde com os muitos garotões cariocas das mais diversas idades que passam olhando vitrines. Para os detratores do Rio, nossa cidade é o eterno balneário, mas além das aparências (e apesar dos governantes), o Rio tem um movimento cultural muito intenso, totalmente inserido no circuito internacional.
Visitei três galerias, três individuais de artistas cariocas. Três artistas com trabalhos bem diferentes entre si, e todos bem contemporâneos, que poderiam perfeitamente estar em galerias de grandes metrópoles.
Na Novembro, Laura Erber com a exposição “O Funâmbulo e o Escafandrista”. Laura é poeta e artista visual, e este trabalho partiu de uma pesquisa, feita em Paris, sobre um poeta, Ghérasim Luca, chegando ao tema do suicídio, e ao suicídio por afogamento no Rio Sena (o poeta matou-se desta forma em 1994, e uma jovem desconhecida morta em 1901 tornou-se um mito como a “Desconhecida do Sena”, muito popular na primeira metade do século XX). A artista trabalhou utilizando alta tecnologia em uma instalação multimídia (alguns freqüentadores do Shopping onde fica a Galeria pensaram se tratar de uma Lan-house...), mas o conteúdo é arquetípico: a pulsão da morte, as ondas dos rios que levam os suicidas à eterna noite de um mar sem fim, animais que se transformam em outros, os escafandristas cegos que resgatam os mortos do leito sem fim do rio. O Sena da Laura Erber se transforma em um Aqueronte, o rio do infortúnio, o afluente do Styx, o rio do mundo dos mortos. Algumas imagens me remetem aos surrealistas (o peixe que dá a luz a um pequeno violino, os cabelos que flutuam e se afogam no Sena, as maçãs jogadas ao rio...), mas o tratamento das imagens, com alta tecnologia, projeção três aparelhos, outra sala com quatro monitores exibindo outros vídeos com uma linguagem mais documental, e um trabalho de filmagem e edição tão preciso e requintado, torna tudo muito contemporâneo e universal. O lirismo, a sensibilidade da artista, a beleza das imagens, conseguem um resultado que fala de um tema forte, pesado, sem morbidez, sem tintas carregadas. Sem drama, como uma realidade existencial. Laura Erber está também no CCBB, na exposição Nova Arte Nova, com uma projeção de vídeo com peixes dourados sobre um livro, um dos trabalhos inesquecíveis da coletiva.
Na Artur Fidalgo, “Antropologia Industrial Alienígena” exposição do Franklin Cassaro. O trabalho do artista tem momentos de alta criatividade, ele tem alguns trabalhos que são inesquecíveis, verdadeiros “achados” (a palavra “achado” pode dar a impressão de algo a que se chegou aleatoriamente, não é o sentido que eu quero dar, e sim de imagens que uma vez produzidas tem tanta força que acompanham o espectador para sempre, como se elas – as imagens – sempre estivessem “lá”, esperando o artista descobri-las, tornando-se imagens universais e atemporais: as Marilyn do Andy Warhol, os Puppy do Jeff Koons...). Os “achados do Franklin Cassaro são muitos: as caveiras (outras vanitas) feitas de papel-alumínio amassado; as vulvas metálicas; a gaiola com cubos voando como pássaros; os desenhos feitos de mordidas sobre folha de metal... Nesta exposição, surgem imagens novas, oriundas dos “folha de alumínio amassada”: são planetas, medusas, seres extra-terrestres, que se espalham pela galeria, em uma instalação onde os trabalhos mantém sua força como trabalhos individuais. Uma estética contemporânea, parente dos games, da toy-art, do Murakami... e por que não? nas medusas vejo algo da Maria Martins, as mulheres-anêmonas, só que transformadas em seres espaciais, alados, em brilhos e cores que os trazem ao século XXI. Os adolescentes freqüentadores do shopping ficam loucos, ao ver a galeria como uma vitrine, e a estética tão deles, tão atual, em uma galeria de arte... Uma exposição que poderia estar em Tokyo, em NYC, em Londres... e que chega ao hi-tech usando paradoxalmente uma coisa muito low-tech: amassar papel metalizado e ir construindo os alienígenas que parecem andróides, que estão esperando apenas um sinal para se mover na galeria e travar batalhas de guerra e de amor (o kama-sutra em um nicho especial no escritório da galeria) e conquistar o hiperespaço. Me chamem, tou a postos, minha pistola a laser está pronta...
Na Lurixs, José Bechara em “Sobremirada/O ar e a cega”. Pintura. Sem tinta, usando as oxidações para uma reconstrução dos campos de cor, e desta vez usando as oxidações de cobre chegando em azuis, verdes... ao lado das já tradicionais em seu trabalho, oxidações de ferro gerando marrons, ocres, terras... Para mim os azuis/verdes são uma referência aos céus, aos Turners, às ninféias de Monet, aos Ives Klein, aos Caspar Friedrich... impossível resistir a um azul, principalmente como os que o artista consegue através da manipulação controlada de oxidações, e que parecem não produzido por humano, por pincel, chegam ao espectador como produtos de reações químicas além do humano. Em outro trabalho, a oxidação é de cobre sobre madeira, a tonalidade é dos terra, e os azuis aparecem sutis, brilhantes como asas de borboletas da Floresta da Tijuca, e a madeira do suporte também aparece, seus veios, sob a oxidação que forma crostas, lembrando os troncos calcinados do Krajcberg. Em outro trabalho, uma instalação (o Sobremirada que dá o título a parte da exposição), panos de vidro, enormes, são vítimas das oxidações em listas horizontais, como venezianas ou persianas, e temos a sensação e a vertigem do ver/não ver, do opaco/transparente, do ar/oxidado, explicitando a dicotomia do oxigênio, como respiração, criação de vida, e como oxidação/destruição/expiração, o que ao meu vê dá uma leitura ao trabalho do artista. No anexo da galeria, um belo espaço, “A Cega”. As maquetes de casas com os móveis explodindo pelas portas e janelas, que já foram mostradas como maquetes e também como instalações, agora em alumínio, o que permite uma nova leitura, pelo menos me parece: os móveis estão explodindo da “casa”, ou a “casa”, cubos de alumínio, é um buraco negro que aspira o mobiliário, o real? Expiração/inspiração. Também: desenhos, com casas e grandes aguadas de pigmento azul ultramar, complementam a exposição. Aproveitando a visita, na reserva técnica, outra casa explodindo os móveis, feita em madeira e fórmica, com cores, reforça minha interpretação sobre A Cega. Enfim. O importante é que é uma boa exposição, de um artista cujo trabalho gosto muito, e que me sinto orgulhoso de ter um Anjo, uma pequena oxidação sobre tela 30x30 de 1995.
Bom, o Rupert Everett, vindo diretamente de Londres para o Rio, pode ficar tranquilo. Em uma tarde sem praia, ele pode fazer seu passeio nas galerias de arte cariocas e vai ver obras que ele poderia ver em seu passeio verpertino em Londres, Tokyo, Milão ou em Chelsea NYC.
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
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