segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Um desenho do Vergara


Foi a primeira obra de arte que eu comprei, em 1971.
Ainda estava na Faculdade de Economia e já trabalhava com tecnologia, estagiário, no Centro do Rio, na Esplanada do Castelo, no imponente prédio do Ministério da Fazenda. Trabalhava com modelos matemáticos, na Assessoria Econômica do Gabinete do Ministro, bom, meu trabalho nada era de tão imponente assim, os brilhantes economistas que eram assessores tinham as ideias e eu os apoiava implementando os modelos em computadores que na época eram poderosos, mas que hoje equivalem a uma mísera fração deste notebook em que escrevo.
Era a época onde o "cara do computador" era meio o "gênio louco", mais informal que as outras opções profissionais para os economistas, e eu, 20 anos, meio hippie, cabelo grandão e barba, abracei este caminho, que me permitia flexibilidade de horário, manhãs nos pilotis da PUC, tardes no Pier de Ipanema e noites trabalhando. Como a informática era um mistério, os sacerdotes desta tecnologia futurista tinham salários altíssimos; mesmo eu, ainda estudante, minha bolsa era bem maior que a dos outros colegas, e ainda, como eu apoiava diversos economistas com trabalhos acadêmicos que tinham financiamento muitas vezes do exterior, eu era incluído nos projetos e recebia extras também significativos, tudo isso um garoto solteiro, com casa e mesada garantida pelos pais... uma vida boa, pagava minha Faculdade e ainda dava para outros luxos, a gasolina do fusquinha café-com-leite, os chopps com a turma no Amigo Fritz, de vez em quando um sapato novo no Spinelli, e ainda dava para uma reserva. Em paralelo, via exposições (quase chorei na exposição do Antonio Dias na Petit Galerie, ainda em Copacabana), frequentava o MAM, fazia minhas aulas com o Ivan Serpa.
Namorei uma menina, Priscila, cuja família colecionava arte, não esqueço os Krajcberg e os Volpi, e um coração enorme do Antonio Dias pendurado do teto e feito especialmente pelo artista, então um jovem artista, para a mãe da Priscila, D. Isabel.
Um amigo meu da Faculdade, Paulo, também estava muito bem, trabalhava na Bolsa de Valores e se beneficiava do primeiro boom da Bolsa, parte do Milagre Brasileiro que estava sendo articulado no Ministério do poderosíssimo Delfim Neto, e estava ganhando muito, com a valorização das ações.
Em uma conversa com o Paulo, ele falou sobre "diversificar, investindo em arte", bem o jargão da época; como ele sabia que eu gostava de arte, me pediu uma dica. Fui com ele ao MAM (bem antes ainda do incêndio), uma tarde de sol pela Pres. Antonio Carlos até o Aterro, e em uma pasta na lojinha do Museu escolhemos (eu escolhi) dois desenhos do Carlos Vergara.
Não me lembro do desenho que o Paulo comprou, não sei se ele ainda o tem, passou-se tanto tempo.
Mas o meu ainda está comigo, e me enche do mesmo prazer que tive ao retirá-lo da pasta escura na lojinha do MAM.
Vergara (com Gerchman, Antonio Dias e Roberto Magalhães) eram artistas jovens, e eu os conhecia pois era antenado, lia o JB, ia aos eventos no MAM, minha programação aos domingos à tarde era: visitar as exposições no MAM (o Salão da Bússula, Tropicalia, o Salão de Verão...), sessão de cinema de arte no MIS e depois um lanche no Bobs's da Pres.Wilson, eu e meu fusquinha...
Mas naquela tarde eu era poderoso, eu e Paulo éramos "avalistas" um do outro: se ele dizia que Arte seria um bom investimento para o futuro, eu estava tranquilo em gastar quase um mês de minha bolsa em um desenho; e se eu dizia que o Vergara era um artista jovem já consolidado e que só iria evoluir, o Paulo podia gastar o lucro de alguma ação naquele desenho que ele talvez nem entendesse direito.
Anos depois, um desenho da mesma série, com a mesma temática, na coleção do Gilberto Chateaubriand, foi publicado no pequeno livro da Funarte sobre o artista, isso me deu a certeza que tinha acertado.
Acertei mesmo. É um lindo desenho, e não me canso de olhá-lo, ele sempre me remete a um clima misterioso, de relações estranhas, de uma interrupção do tempo, onde a violência é uma ameaça presente, uma espada de Dâmocles, uma visão da época da ditadura militar, de momentos de terror que estão na obra de vários artistas da geração...

2 comentários:

Paulo Mendes Faria disse...

Parabéns pelo desenho e pelo texto ... me fez relembrar uma feira de arte que aconteceu no MAM mais ou menos nessa época ... e fico pensando como seria importante reativar aquele espaço com feiras de arte como aquela , do tipo SP-ARTE ...

Luciene Viana disse...

Expressar através da ARTE; como vejo as coisas: como são, como parecem ser ou como sinto? vejo o lixo (questão ambiental), vejo o que poderia ser, de onde veio? Traduza em arte a imagem. Participe!