Recebo convite para uma exposição coletiva em Ouro Preto, a abertura foi hoje, dia 6 (5a.feira), não pude estar lá, claro...
Mas é interessante pensar e escrever um pouco sobre o trabalho de um dos artistas da coletiva. Artista jovem, cujo trabalho estou acompanhando há algum tempo e que, em minha avaliação, tem crescido muito e poderá ter uma trajetória de mais crescimento e consolidação, é o
Jimson Vilela.
Na coletiva o artista está expondo telas grandes, em brancos e pretos, quase minimalistas.
Há alguns meses, na coletiva
arte3, na Galeria Anna Maria Niemeyer, Jimson colocou uma tela grande, com sóbrios quadrados pintados em uma tinta que só apareceria com iluminação especial. No Projeto Apartamento, em Copacabana, o artista pintou nuvens em uma parede ao lado da janela, em tinta fotossensível, a imagem das nuvens só vai aparecendo à medida que é exposta à luz das manhãs. E em trabalhos que vi em seu ateliê, Jimson já mostra uma vertente mais engajada; são cenas de guerra, de violência, de morte; só que recobertas de filme de radiografias, o negror do filme mascara a violência do tema mas ao mesmo tempo o realça; a uma delas, uma
vanitas, não consegui resistir e trouxe para minha coleção, e não canso de descobrir novos significados naquelas imagens tão escuras e pouco nítidas.
Em conversas virtuais com Jimson, pelo Facebook, eu com uma indefectível taça de vinho tinto, pude discutir com ele minhas análises sobre seu trabalho, o que me mostrou duas coisas:
1- estou na trilha interpretativa certa;
2- ele pensa sobre o trabalho, entende, não são achados gratuitos, é um trabalho pensado, elaborado, com consistência. Enfim, aqui vão alguns pontos do diálogo:
J.B.: Jimson, eu acho que você trabalha no limite entre o que o espectador percebe e o que ele deixa de perceber; tem um conteudo político, como no caso do teu trabalho que está na minha coleção; às vezes vai para o existencial, o filsófico, para a discussão da linguagem... mas na verdade a coisa que une todas as vertentes do teu trabalho é a
percepção: Como o espectador pecebe ou deixa de perceber a tinta que só aparece em iluminçao especial, o negro da radiografia que cobre a imagem e faz com que só se veja a imagem, o tema, com grande esforço visual... E nestas telas grandes, me parece que você envolve o espectador com uma imagem que aparentemente é fácil de perceber mas que oculta segundas e terceiras percepções, que são o verdadeiro tema das telas.
J.V.: Meu trabalho parte de um interesse pelo que é deixado de lado ou nao percebido... é estranho pois não percebemos as coisas, mas a imagem das coisas... É, por exemplo, o buraco preto sobre a tela, mas quando o espectador se aproxima, a borda pintada transforma a coisa em um objeto... É a imagem do jornal de todo dia, só que velada... E você espera da arte
algo novo quando na verdade ela te dá aquilo que você deixou de ver...
J.B.: Sim eu estava analisando por aí, mas era importante para mim te perguntar, até para saber se eu estou indo na direção certa...
J.V.: Sim! Você sabe que eu estou na vespera de fazer minha monografia, não é? Pois estou lendo muito sobre arte moderna em especial, sobre a coisa do olho, do corpo versus obra, e da memória sobre o objeto, tenho me interessado muito sobre a escala intimista da pintura, sobre o deslocamento do objeto e sobre a condição psicologica do sujeito... Pois o que tenho sentido das leituras é que o que o pessoal que vem com a pop art e depois dela faz é ampliar essas questoes e "aliá-las" à vida...
J.B.: Sim... mas eu acho, minha opinião, que esta coisa da percepçao que falamos, que é uma coisa muito forte em teu trabalho, e explica muitas coisas, e te aproxima de uma tradição da arte como percepção, as brincadeiras com ilusionismo, com o "
tromp-d'oeil"(mas um "
tromp-d'oeil" às avessas, que não quer levar o olho a perceber como real algo que é imagem, e sim levar o olho a não perceber nem a imagem)... E os textos do Merlau Ponty, mas de uma forma prática, não teorica, como um trabalho que questiona este ilusionismo da arte e a subjetividade da percepção.
J.V.: Tenho me interessado muito no zen-budismo... na experiencia do
Fluxus e do
mono-ha, dois grupos que pegam essa questão da percepçao passando pela vertente do perceber ao redor, perceber as sutilezas e potencialidades da vida, da rotina... Ponty diz que a tarefa da pintura sempre foi a da percepção das coisas ou algo parecido, e também o Wittgenstein, tem muito a ver com o que estou procurando em minha pintura. O Wittgenstein me interessa muito pela questao da palavra, a possibilidade da imagem pela palavra, você já viu minhas telas que sao apenas frases?
J.B.: Sim, vi no teu ateliê, gosto.
J.V.: Ali o jogo é a imagem no observador, literalmente falando...
J.B.: Mas, em minha opiniao, nestas telas o assunto fica mais disperso, pois já se pensa em Kosuth, nos conceituais, o que é outra historia...
J.V.: Confesso que o meu pânico ao escrever minha monografia é conseguir amarrar todos esses fios soltos... Na verdade nessas telas lido com fragmentos de percepção, com a memoria do observador...
J.B.: É realmente um paradoxo, pois nas telas com frases, palavras, o referecial é o conceitual, os anos 1970; já nas telas com tinta invisivel, ou no trabalho do Projeto Apartamento, a situacao da percepção fica mais evidente, mais limpa, eu acho.
J.V.: Não penso em um questionamento de bases conceituais sobre o objeto... o que está em jogo, para mim, é a imagem, aliás sempre esta em jogo, em meu trabalho, a imagem e sua percepção... Sobre esta questão de identidade plástica que discutimos, acho que o que está presente nos meus trabalhos não é a visualidade que os torna coerentes e sim a poética... o rastro de construção... percebo neles um interesse em relaçao ao "como", a fatura, a mostra ou o processo de formação de imagem se desenvolvendo no embate com o observador
J.B.: Sim, mas os teus trabalhos com palavras remetem diretamente ao conceitual... quando você nao usa palavras, ou submerge as palavras em negro, na minha opiniao, está transitando mais no teu assunto verdadeiro... E a fatura influencia sim, muito, a percepção, mas se o artista nao tem um conceito forte, a fatura por si só fica vazia, cai no decorativo... por outro lado, se o artista só usa o conceito, e não usa a técnica, a fatura, o trabalho fica frio, melhor seria utilizar aquelas coisas frias do conceitualismo dos anos 1970.
J.V.: Se bem que seria bonito uma cadeira velha com cara de gasta encostada no canto de uma galeria branquinha, do
White Cube, seria bonito perceber os desgastes da cadeira em relação a pureza e à permanência desse branco da parede... talvez bem piada infame...
J.B: Jimson, mas aí já estamos na dança das cadeiras, a do Gauguin, a do Van Gogh, a do Matisse com a odalisca, as de design do Philippe Stark... o importante é que esta instalação que você imaginou e descreve (a cadeira velha no Cubo Branco) também é um exercício de percepção, coerente com o restante do teu trabalho, o que você acha?
(...e o diálogo prossegue...)