Domingo de sol no Rio, temperatura amena, em um 8º andar na Av.Atlântica, um apartamento com decoração
clean e nos janelões o visual mais lindo do Planeta: céu de um puro azul, praia sem o movimento feio dos dias de verão, o mar com pequenas ondas: céu de brigadeiro, mar de almirante... e um espumante geladinho...
O motivo do encontro: a inauguração de uma pintura (o
vernissage, a comemoração do último verniz que os pintores davam nos quadros, como que uma "festa de cumieira", quando se conclui uma construção).
Improvável, diria eu, estamos em 2009 no Rio ou na Itália no Renascimento, ou em Paris do início do século XIX?
Ainda mais, a pintura objeto da inauguração é um
retrato, isso em pleno fastígio das câmaras digitais, dos onipresentes celulares que fotografam e filmam, do fluxo crescente de imagens que são feitas, despejadas na internet e morrem, incessantemente, como uma metástase de imagens, de retratos, e que com isso se transformam em
commodities e perdem o valor que tinha um retrato da senhora Lisa del Giocondo ou do senhor Felipe II ou do próprio pintor com a orelha cortada.
Como
commmodities, as imagens, os retratos, hoje, no terceiro milênio, tem outras características: podem ser adquiridas a preço vil; o possível trabalho escravo que as possibilitou não é levado em conta, na verdade é um fator positivo pois reduz o preço, e o preço é o único critério na sua compra. Sim, e são perecíveis, morrem a cada
crash de um HD ou a cada
upgrade na tecnologia (o que faço com as minhas imagens guardadas em disquetes que nenhum notebook mais lê?).
Mas o encontro improvável aconteceu, e lá, como em eventos equivalentes na Renascença, estão as figuras mais importantes: O Mecenas. O Artista. Ah, sim, O Curador e a Comunidade, perante a qual se dá o ritual, e que o valida.
O Mecenas: meu amigo de longa data,
Marco Antonio, inteligente, vivaz, culto e com muita personalidade. Não é exatamente um colecionador de arte, embora tenha boas obras (entre outros, dois lindíssimos bambus da
Ione Saldanha, uma linda tela da
Wilma Martins e até mesmo um desenho e uma pequena tela do
Jozias Benedicto, eu, artista que escrevo este blog). Em meu entendimento ele procura "a obra certa" não para completar uma coleção, como o faz O Colecionador, e sim para completar o seu ambiente, no caso o ambiente do apartamento que ele vem "desenhando" e completando nestes anos, como fez os outros ambientes que eu acompanhei, o apartamento anterior em uma rua interna e silenciosa de Copacabana e também a hospitaleira casa em Arraial do Cabo.
O Artista: o jovem artista
Daniel Lannes, que conheci nas aulas do Chico Cunha no Parque Lage e que hoje consolida sua carreira como pintor, trabalha com a
Galeria da Laura Marsiaj e também estava na SP-arte com um bom trabalho no stand de uma Galeria de SP, a
Choque Cultural.
O Motivo: Marco Antonio é muito afeiçoado a um afilhado, João Victor, que hoje é um pré-adolescente; gosta muito de uma foto do afilhado quando este tinha seus 5, 6 anos; alguém menos antenado faria um poster ou multiplicaria a imagem da foto em chaveiros, camisetas, papel de parede; mas Marco quer mais que isso.
O Curador: Se o Marco Antonio tivesse perguntado a mim eu não saberia a quem indicar; mas ele se informou com um amigo comum, também artista, o pintor
Mário Reis, que indicou o Daniel Lannes como um possível executor para a visão do Mecenas. Foi uma indicação correta, perfeita, precisa. Com isso, excluiu possíveis acadêmicos, eventuais oportunistas, e indicou um artista de muito provável futura valorização; além do aspecto artístico, estético, que é impecável. Neste ponto o Curador, ao meu ver, foi também uma estrela do encontro improvável.
O produto deste encontro: Mecenas + Artista + Curador, foi enfim apresentado a nós, amigos, e à família do retratado, neste lindo domingo de sol em Copacabana. E, em minha avaliação, os resultados foram muito positivos.
A tela, 50x60cm, é linda. Daniel conseguiu, se atendo aos contornos impostos pela encomenda, um resultado que respira, brilha, e que mostra muito da personalidade do retratado; um certo clima
retro, como uma criança saída das ilustrações de um livro antigo; um ar de melancolia que o João Victor sempre teve, desde muito criança; e um brilho de pintura que mostra bem como o artista domina a técnica e viaja além desta para criar um universo todo seu.
Os amigos presentes gostaram, a família gostou, até mesmo o irmãozinho mais novo disse que também quer um retrato. O retratado, meio indiferente a tudo, não deixava os seus videogames; mas ele não sabe; foi perpetuado; daqui a anos, quando ele deixar de ser um pré-adolescente e for um homem, um adulto, depois um velho; como as crianças retratadas pelo Guignard; ele tem, ele terá, para sempre - o seu retrato que o eternizará, não mais como um espelho e sim como uma pintura; um espelho eterno; uma imagem do que há de eterno, de verdadeiro, no retratado; o melhor presente que o padrinho poderia ter oferecido, a eternidade; e também um objeto com a sua valorização própria, submetido às leis do mercado, como na Bolsa.
E o encontro improvável se tornou realidade.
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