Depois, o Shopping se transformou em Shopping dos Antiquários, e estão todos lá; e os brechós; e a loja de objetos moldados em gesso. E, surpreendentemente, duas ótimas Galerias de Arte, Artur Fidalgo e a Novembro (esta, para minha tristeza, soube que mudando para São Paulo): espaços de arte e cultura do mais alto nível no meio do burburinho do local.
E com a exposição do Iran do Espírito Santo, a galeria se transforma em um verdadeiro enclave zen, um espaço onde a tônica é a precisão, o silêncio cheio de significados, uma estética concisa e eficaz, uma poética que vai direto ao alvo, uma transcendência contida e intensa.

Uma parte da exposição são objetos. Simples objetos, um copo com água, uma caixinha de filme fotográfico, uma lâmpada, um espelho de parede, uma lata de fermento em pó Royal. Só que não são os "simples objetos", e sim a ideia platônica destes objetos, ou os objetos transfigrados em zen: a caixinha de filme é esculpida em mármore cinza, maciça, com peso; a lâmpada é cromada; a lata de fermento em pó tem o dobro das dimensões da lata original e é moldada em aço maciço, é pesada, a tampa não abre; e o copo não contém água, é esculpido em cristal, maciço, o que parece água é o cristal e portanto ele tem um brilho muito mais intenso que teria o copo com a água; mas não são símiles, não tentam passar pelos objetos reais, eles são mais reais que os reais.

Outra parte da exposição explora as gradações de cor, na verdade de tom, de um branco total pelos cinzas a um preto total, também uma ideia zen.
Um trabalho, que para mim seria a chave destes trabalhos sobre as sequencias cromáticas, é uma ampliação fotográfica, preto e branco; para quem como eu já trabalhou em laboratório fotográfico (dos analógicos, claro), é fácil entender o processo: uma máscara sobre o papel fotográfico, a cada exposição a máscara se move, de forma regular; ao final, temos uma série do preto (a parte que ficou mais exposta) ao branco (a última parte onde a máscara parou). O artista refaz este conceito em quatro desenhos, usando uma caneta marcadora, em linhas rigorosamente paralelas; ao iniciar, as linhas são negras, e à medida que a caneta se gasta, surgem os cinzas, até um branco final; o resultado é pintura, um chiaroescuro; minimalista sim, mas uma referência ao barroco.
E o ápice das sequencias de tom é a instalação que ocupa as maiores salas da galeria: duas paredes com as listas verticais em gradações perfeitas, do branco ao preto e do preto ao branco. Apenas isso, ou tudo isso.
Uma excelente exposição.
E para mim, como bônus, a conversa agradável com o Artur, me contando sobre o artista, a produção da exposição, o rigor do trabalho e, além do trabalho, a preocupação com as tudo que faz parte da feitura, da embalagem, da veiculação, do trabalho.

Como quando eu subia a espiral para a missa dos domingos, ver a exposição e pensar sobre ela me trouxeram uma sensação renovada de transcendência, que me acompanha pelos outros momentos de corre-corre do meu dia de trabalho.