Terminando de ler Questões de Honra, do escritor Louis Begley, outro escritor que me faz sentir o tal "prazer da leitura" sobre o qual falei aqui no meu blog em relação ao Monteiro Lobato de minha infância e ao Bernardo Carvalho dos anos 1990.
É o oitavo romance do escritor, que, judeu nascido na Polônia, sobreviveu à Guerra, radicando-se com a família nos Estados Unidos, onde, após cursar Harvard, tornou-se brilhante advogado, um membro da elite americana; e que iniciou sua carreira literária ao se aposentar aos 57 anos, com um livro fantástico, Infância de Mentira, que narra a estratégia de sobrevivência de sua família ao se esconder dos nazistas na Polônia ocupada.
O novo livro também tem fundo autobiográfico, o autor se divide entre dois dos personagens principais, Sam (o narrador) e Henry; a ação se inicia no primeiro dia de Universidade (Harvard, claro) e prossegue na medida em que Sam, Henry e Archie, companheiros de alojamento na Universidade de elite, e Margot, da Universidade-irmã Radcliff, vão se conhecendo, amadurecendo e também seguindo caminhos diferentes. Sam transforma-se em um escritor conceituado e Henry, judeu polonês que emigrou com a família após a guerra, em um competente advogado internacional.
O livro é interessante e li as quase 500 páginas de um só fôlego. Mas ao meu ver não é certamente o melhor livro do autor.
Louis Begley é excelente ao mostrar o mundo dos bem-nascidos, dos ricos, da elite financeira e intelectual internacional; como um Proust globalizado, como uma Edith Wharton no terceiro milênio. Quanto a este aspecto, Questões de Honra nada deixa a desejar: todos são ricos, os não tão bem nascidos conseguem ascender; é um mundo de martinis e bordeaux, em NYC e em Paris. Mas minha opinião é que os melhores livros do autor são os que acrescentam a este mundo borbulhante um lado negro, decadente, mortal. É o caso do que eu acho talvez o melhor, O Homem que se atrasava, que seria apenas a descrição, facilmente esquecível, das viagens de um rico advogado e de como ele se atrasava ao tomar as suas decisões; mas ao mostrar as consequencias do seu "atraso" em assumir a mulher que era o amor de sua vida, a narrativa ganha outro peso, torna-se inesquecível. Da mesma forma a doença e a proximidade da morte em O Olhar de Max e Despedida em Veneza (neste último, ainda, a presença da Veneza decadente e afundando bem como, claro, a referência ao Thomas Mann e sua obra-prima), o terror em Naufrágio; e mesmo no primeiro Schmidt (Sobre Schmidt), com o contraponto entre a aposentadoria (degraus rumo à morte) e a vida pulsante, erótica; aspectos que se perdem na continuação, Schmidt Libertado, que, sem este "lado negro", se torna uma historinha piegas.
(Falando em Schmidt, o livro foi vítima do que talvez seja uma das piores adaptações de um bom romance para as telas, o About Schmidt. Imagino que tenha rendido um bom dinheiro, mas o que se fez foi transformar o Schmidt original, um rico advogado com uma polpuda aposentadoria, morando nos Hamptons, em um operário classe média com uma aposentadoria medíocre e viajando em um trailler, ainda mais interpretado por um Jack Nicholson imitando seus próprios trejeitos e caretas do As Good As It Gets, além de fazer crescer um personagem secundário para mostrar uma ridícula Kathy Bates exibindo pateticamente os seios mal cuidados de hippie velha... O roteiro e a direção são do Alexander Payne , que além desta bomba fez outro filmezinho chato e supervalorizado, o Sideways. Os atores J.N. & K.B. foram indicados ao Oscar. Enfim. )
De certa maneira, Questões de Honra retoma os temas "autobiográficos" já tratados nos demais livros do L.B., e traz temas novos (talvez nem todos autobiográficos): a amizade, que pode ser maior que os laços familiares; as manobras para sobrevivência de uma família judia na Guerra; a busca das origens; o "atraso" em assumir o amor de sua vida; o risco nas manobras das altas finanças internacionais; a depressão, o alcoolismo, o suicídio; o abandonar uma vida estruturada; só que neste livros o lado negro é meio desfocado, estas questões são "narradas" de uma forma meio episódica. Ao final o leitor tem a impressão de haver acompanhado a narração de algumas vidas, interessantes sim, uma marcha do Brooklin a Avignon passando por NYC e Paris, mas não de haver um verdadeiro mergulho nas pulsões e contradições humanas, algo além dos episódios e do racional, como o autor mostrou em alguns dos outros livros com o "lado negro". Continuo esperando o próximo livro do Louis Begley.
quinta-feira, 30 de abril de 2009
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