Nestes dias no Rio, um período pródigo em feriados, além do feriado nacional de Tiradentes, dia 21, o dia de São Jorge, 23/04, feriado apenas no Rio. Não vou poder aproveitar todos os feriados, mas consegui um final de semana com um bom sol e uma praia gostosa, e também uma programação cultural interessante:
1. Na Galeria Silvia Cintra, Contos, mostra de pinturas da Cristina Canale, pintora que surgiu na Geração 80 e hoje mora na Alemanha, com uma carreira bem consolidada. São imagens de cenas quotidianas, interiores, com cachorros; a narrativa é, na verdade, apenas pretexto para a excelente pintura. Penso em Bonnard, os cachorros tem o "at-ease" que os cachorros e as mulheres nos banheiros do pintor francês, envoltos pelo ambiente caseiro, com seus padrões e cores, cena capturada pelo pintor em um ângulo meio estranho, que ressalta a sua presença, o olho do pintor/observador, e coloca o espectador do quadro como um voyeur. Melhor ainda, consegui ir na abertura e pude rever amigos, vários artistas da Geração 80 lá estavam. O fotógrafo Odir Almeida estava lá, registrando para o seu site Só Arte Contemporânea , vai ser bom rever o movimento do vernissage nas fotos
2. Na Galeria Mercedes Viegas, a coletiva Trabalhos sobre papel. Uma marca das coletivas da galeria tem sido o alto nível de todos os participantes; só há, na exposição, trabalhos bons; e os contemporâneos, como Daniel Murgel e Marta Jourdan, estão lado a lado com Tarsila, Ismael Nery,Ivan Serpa, Antonio Dias, Tunga...
3. No Instituto Moreira Salles, se encerrando hoje, ainda consegui ver os desenhos e aquarelas do Samson Flexor; os desenhos e gravuras de Claudio Mubarac ("Idéias de fabricação: pequeno atlas") e as fotos de Otto Stupakoff. Três belas exposições. O IMS é um oásis de tranquilidade e beleza, um pedaço de Mata Atlântica cada vez mais sitiado pela Rocinha que se expande e que breve destruirá a Gávea e o Rio de Janeiro (espero não estar sendo apocalíptico). Um bom catálogo acompanha a exposição do Mubarac; eu gosto muito do trabalho do artista: um desenho preciso, uma utilização fantástica de várias técnicas de gravura, a temática de investigação do corpo, e o resultado são lindas gravuras com um pathos próprio, onde o contemporâneo e o arcaico se combinam e se completam.
4. No MAM, três exposições, além de mostra do acervo (meu Deus, não me canso de olhar os Iberê!).
A primeira é do contemporâneo BobN . Conheci o BobN no Parque Lage, ele era assistente do José Maria Dias da Cruz e eu aluno; depois fiz um curso, no mesmo Parque Lage, Arte Hoje, onde BobN e Márcio Botner se voltavam mais para a arte bem contemporânea, novas midias, os exercícios eram coisas como propor uma forma de veicular um trabalho usando a internet (daí surgiu este meu blog e meu outro, o Thesouro da Juventude). Pode parecer contraditório, este mesmo Bob que em um trabalho "invade" uma instalação do artista Ducha e se põe a "comer grama" ao lado de um equino; e que nas aulas do José Maria nos colocava para, incessantemente, combinar as cores à perfeição em obsessivos exercícios de misturar tintas, e que dava para os alunos as dicas práticas de pintura. Na verdade, ao montar um lounge no MAM, ou interferir em pinturas magistrais do acervo com molduras berrantes em impressão sobre plástico (nos livros de assinaturas na exposição pessoas reclamaram das intervenções como gratuitas), o Bob tem um embasamento teórico e prático que sustenta isso tudo. Pena que não pude estar na abertura, mas nas fotos do site do Odir pude ver que foi um evento...
"O lugar do ar", exposição da artista Carla Guagliardi. A artista é carioca, teve a formação artística na cidade, mas há quatro anos não expõe por aqui. A exposição é bem interessante, são esculturas ou instalações, nas quais o tempo é um dos agentes: vergalhões enferrujando dentro de recipientes de plástico com água; elásticos cedendo ao peso de placas de ferro; balões sustentando precariamente pesadas táboas, ou se sustentando a si mesmo na diferença de peso entre o ar e o gas hélio. O paradigma da escultura é o bronze, o mármore, o eterno; a artista rompe com este paradigma ao fazer como que uma escultura-povera, pela transitoriedade; mas que ao mesmo tempo tem a precisão, a imponência, da grande escultura. Boa exposição. E, ainda no MAM, a exposição que comemora os 50 anos do movimento Neoconcreto. Só o poder ler, na íntegra, os manifestos do Ferreira Gullar (Manifesto Neo-concreto e a Teoria do Não-objeto) já vale; e mais ainda ver os recortes de jornal da época, os catálogos, e os trabalhos dos artistas que estiveram neste momento seminal do neoconcretismo.
5- No Centro Cultural Candido Mendes de Ipanema, agora Galeria Maria de Lourdes Mendes Almeida, pinturas abstratas, interessantes, de Rogério Tunes. Lembro muito dela, D.Maria de Lourdes, a entevistar os artistas, entrevistas intermináveis, na verdade meio desconfortáveis para o artista, uma curadora quando as galeiras e a crítica eram ainda bem incipientes no Brasil, e que com isto, o personalismo, a condução do trabalho dos artistas, fez do CCCM nos anos 1970 e 80 um espaço de primeira linha, revelando artistas jovens e mostrando artistas fora do circuito como o fotógrafo Alair Gomes e outros.
6- Cruel, da Companhia Deborah Colker. O início é um pouco diferente do que se imagina da Deborah Colker (acrobacias, uma dança quase ginástica, dançarinos em aparelhos grandiosos, a marca de Vulcão, Velox, Rota); o início é soft, bailarinos vestidos com roupas sociais, bailarinas em vestidos vaporosos e sapatos altos, minha lembrança é um pouco do "Nine Sinatra Songs", da Twyla Tharp, que esteve no Municipal do Rio no início dos anos 1980, e que infuenciou meu amigo o pintor Chico Cunha em uma série de lindas pinturas. "Coisa de menina", eu penso, cadê a parede de alpinista, cadê a roda gigante, cadê os saltos mortais, cadê a crueldade? Mas aos poucos o clima vai mudando, o amor-romance dos primeiros momentos vai deixando entrar a crueldade das relações, o sexismo, as mulheres com o prato de comida entregue pelos homens como uma escravidão do dia-a-dia, e que acaba sendo jogado, quebrado; as roupas finas vão caindo e os bailarinos ficam mais corpo, pulsão, amor-ódio. Uma dançarina com uma roupa que é clássica, um espartilho, como uma puta de Proust, dança com facas, que brilham rubras; as facas são enterradas em uma mesa gigantesca, que é palco para cenas de sexo-ódio, amor-violência. Finalmente, as construções tão características da coreográfa, desta vez são paredes móveis, de espelhos, com escotilhas, onde os bailarinos parecem flutuar. O final é um sorriso de esperança, de uma bailarina sozinha, como se depois de tanto ódio, tanta crueldade, ainda houvesse uma esperança, um pouco um anti-climax. Um bom espetáculo, de uma coreógrafa que tem se renovado e que é uma referência na dança brasileira contemporânea.
malga | Santa Helena
Há 4 dias
Um comentário:
Obrigado pela visita ao meu BLOG. quando estiver no Rio e quiser visitar o meu aelier de Petrópolis , será benvindo !"
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