quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Exposições em Ipanema


Uma surpresa para mim que achava que as galerias cariocas estariam todas de recesso após o Carnaval: a oportunidade de ver as exposições das boas galerias no entorno da Praça General Osório.
Na Laura Marsiaj, uma excelente exposição de pintura, mais que isso, uma lição de pintura, nas telas da Lucia Laguna. A temática se volta para o interior do atelier (como antes, entre as Linhas Vermelha e a Amarela, a artista olhava pela janela do atelier para o exterior, para a paisagem urbana), mas é um interior "atribulado", muito diferente da calma e quietude de um interior de um Bonnard, por exemplo; na verdade a Linha Vermelha e a Amarela das paisagens urbanas "entra" pelo atelier, que vibra em cores e linhas; e a pintura continua com a qualidade já bem aprimorada pela artista, crescendo significativamente. Partes das telas tem tratamentos bastante diversificados, como que um enumerar de técnicas, de efeitos de pintura - escorridos, transparências, tinta espessa, texturas, mistura de pigmentos na tela, gestos soltos, marcas do desenho, mascaramentos com fita crepe... tudo, mas em um todo tão perfeitamente integrado que nada parece banal, nada parece demasiado, nada parece gratuito. São telas grandes (três na sala de exposições e mais duas no interior da galeria) e telas pequenas (25x25cm), que não deixam nada a desejar às grandes, tem toda uma força que extrapola a pequena dimensão. Uma exposição para ser vista e revista. O ano ainda está começando, mas certamente uma das grandes exposições de 2009.

Na amarelonegro, individual de Alê Souto, intitulada Tumulto. O artista trabalha com uma temática bem urbana, daí o título. Em texto que acompanha a exposição Alê diz sobre o tumulto urbano e podemos ver como este tumulto invade suas telas, construções e desenhos; mas que apesar do "tumulto" visual, tem bom acabamento, são "cheias" visualmente (em especial as telas) mas a paleta reduzida (vermelhos, amarelos) e o rigor formal dos trabalhos mostram uma visão prazerosa deste tumulto urbano, não uma visão desagradável ou negativa; é interessante comparar com os quadros da Lucia Laguna, em sua temática urbana (mesmo, como apontei, nos interiories do atelier): enquanto que o urbano da Lucia pulsa em vida, em caos, em um nexo que é atingido com partes desconexas, a pulsação do urbano do Alê vibra como que obedecendo a um ordenamento desconhecido, como se as estruturas cúbicas vazadas fossem uma trama regular onde se desenvolve um urbano. Um pouco como no texto, onde o artista contrapõe o tumulto urbano a uma ilha imaginária, para concluir "(...) bom por que? Imagina uma semana só respirando ar puro, peixe frto, água de coco, mas... sem leds piscando, promoções relâmpago, descontos e tarifas promocionais???" A imagem que me vem à cabeça (tudo a ver)é o Broadway Boogie-Woogie, do Mondrian, onde a placidez e a transcendência dá lugar ao cinético e urbano, porem com um sentido de celebração do urbano... O artista tem um blog, bem interessante.

Finalmente, nas Galerias Silvia Cintra e Box4, a Exposição de Verão, já tradicional (6a. edição) mostra das galerias com umo foco em artistas jovens. Participam: André Komatsu, Daniel Steegmann, Debora Bolsoni, Felipe Cohen, João Paulo Leite, Marcius Galan. A Debora Bolsoni trouxe as pipocas de cerâmica que estiveram na Paralela da Bienal, e o Marcius Galan transforma o espaço do Box4 em uma instalação com uma ruptura de espaços conseguida através de sutis mudanças de cor, em um trabalho que une arqutetura e artes plásticas, e que, ao meu ver, supera o apresentado no Nova Arte Nova, que já era inquietante, instigante... O artista também tem um blog.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Viagens na internet: NYC, Tate Liverpool

Não estou lá, gostaria de estar, o tema é muito interessante. No New Museum, um seminário. Com Jan Verwoert, de 28 de fevereiro até 02 de março (datas que no Brasil ainda estão marcadas pelo final do Carnaval, nada acontece... )
Bom, o tema do seminário (isso me interessou muito) é: Why are conceptual artists painting again? Because they think it's a good idea.
Ou seja: Por que os artistas conceituais se voltaram à pintura? Por que eles acham que isso (a pintura) é uma boa ideia.
Um tema interessante, e que eu acho que está sendo muito discutido. A pintura, e suas mortes anunciadas, agora retomando ao mainstream, trazida exatamente por seus "penúltimos carrascos", os conceituais... dá samba...
Outras ideias que o seminario coloca (seguem sem tradução):
What is the future of medium-specific practices after Conceptualism? What is the future of Conceptual Art after the 1990s? How have the basic conditions of art practice changed and what words and models could we use to open up the potentials at the heart of these developments in art after Conceptualism?
Ainda, outra ideias, fortes e bem articuladas, são: The dominant models no longer satisfy. It makes no sense to melodramatically invoke the "end of painting" (or any other medium-specific practice for that part) when the continous emergence of fascinating work obviously proves apocalyptic endgame scenarios wrong. Yet, to pretend it were possible to go back to business as usual seems equally impossible because the radical expansion of artistic possibilities through the landslide changes of the 1960s leave medium-specific practices in the odd position of being one among many modes of artistic articulation, with no preset justification. How can we describe then what medium-specific practices like painting or sculpture can do today? Likewise, it seems, that we can still not quite convincingly describe to ourselves what Conceptual Art can be: An art of pure ideas? As if "pure" idea art were ever possible let alone desirable! An art of smart strategic moves and puns? We have advertising agencies for that. The social and political dimension of Conceptualism has been discussed, but often only in apodictic terms, not acknowledging the humour, the wit, the existential, emotional or erotic aspects, as well as the iconophile, not just iconoclast motives, that have always also been at play in the dialectics and politics of life-long conceptual practices.
Bom, enfim, vamos ler mais sobre estas novas ideias, que acho que estão no ar. Como exemplo, vemos o que acontece no outro lado do Atlântico: a Tate de Liverpool com uma individual do pintor Glenn Brown, uma festa de uma pintura contestadora, difícil, e totalmente baseada em ideias... o pintor traz à tona o kitsch, os problemas da pintura e da reprodução em si, ao se basear em pinturas da história da arte, mais ainda, em reproduções destas pinturas (com seus defeitos intrínsecos ao ato de reproduzir); re-pinta trechos de pinturas com fortes pinceladas; mas as pinceladas são recriadas em um tratamento liso, o que subverte a ideia da pintura expressionista e da pincelada única, a ideia do ato criador do pintor.
Com a internet, em uma 2a.feira de Carnaval, ao optar por ficar em casa, temos estas e outras, muitas outras, viagens ao alcance de um click do mouse...

Glenn Brown na Tate Liverpool

Mais estudos sobre Philippe de Champaigne



Continuando, em fevereiro, os estudos a partir da vanitas do pintor Philippe de Champaigne. Três telas, as de número XVI, XVII e XVIII. Estou gostando de fazer, pinto com muita liberdade, normalmente à noite, em meu pequeno espaço de morar em Brasília. O tamanho continua o 50x60cm, estou com telas menores (em Brasília) e maiores (já no atelier do Rio), mas acho que as mudanças em escala ficarão para março. Hoje tive um retorno positivo sobre estes estudos sobre a vanitas, vindo de minha amiga, a artista Virgínia Paiva, ela tem gostado muito do resultado.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Todos os Prazeres


Conheci Mark e Beth Walton há muito tempo (final dos anos 1970), em Arraial do Cabo, RJ, onde tive por décadas uma casinha de pescador que aos poucos reformei; eles moravam perto de minha casa, na areia da Prainha, e Arraial ainda era uma cidadezinha tranquila, "um paraíso" como dizíamos, nadando nas águas tranquilas e mornas da Prainha ou nas águas agitadas e geladas da Praia Grande.
Mark e Beth eram professores de inglês em Cabo Frio (ela, carioca do Leblon; ele, um inglês bem inglês), e para complementar a renda, abriram o que no início era um restaurante caseiro, na sala de jantar e varanda da casa onde moravam. Serviam: Pratos feitos (PF) com peixe, arroz, feijão e batata frita; saladas; bolinhos de bacalhau, cerveja bem gelada; uma conversa interessante e culta; lembranças e fotos de viagens. Mark era fotógrafo, tinha feitos cursos no Parque Lage, o que era um ponto em comum comigo. Um lugar perfeito para um almoço tardio após uma praia deliciosa. E o nome do restaurante, um achado: Todos os Prazeres (às vezes escrito, claro: All the Pleasures).
Com o tempo, Mark e Beth foram ampliando a casa e o restaurante e também ampliando o foco de suas viagens (Grécia, Índia, Marrocos, Tailândia, Turquia, Jordânia, Bali...). Deixaram as aulas de inglês para se dedicar totalmente ao restaurante; e o restaurante cheio no verão (um trabalho extenuante para eles e a pequena equipe) possibilitava as viagens de 2 meses por destinos exóticos, de onde traziam receitas, temperos e histórias sempre interessantes. Com o sucesso da culinária, puderam melhorar o padrão do restaurante e torná-lo mais exclusivo: a primeiras "vítimas" foram as batatas fritas e os PF, substituídos pelas receitas novas e criativas. Começaram a trabalhar com reservas, a não aceitar aqules grupos grandes de mesas com muita cerveja e barulho e poucos pratos. De cozinheira, Beth se tranformou em uma chef, com muita pesquisa, estudo e experimentos, e sobretudo um bom gosto ímpar.
Como vizinho, amigo e frequentador de todos os finais de semana, logo me tornei o "cobaia" de receitas novas, o que era um ritual sempre renovado: no cardápio, um prato novo; pergunto detalhes, hesito, me decido, peço; provo, sentindo a expectativa da garçonete (querida Regina) e intuindo a expectativa da Chef no seu santuário; meu sorriso de aprovação é levado pela Regina, já aliviada em sua expectativa; e ao final da refeição, Beth vem à mesa me ouvir, discutir comigo minhas impressões sobre a novidade no cardápio. Alguns pratos saem do cardápio, mas para mim estão sempre disponíveis, pois são os meus preferidos e afinal eu sou amigo, vizinho, de casa...
E novidades inesquecíveis: moqueca de jaca mole (as línguas de jaca em seus caroços, o curry e o dendê, um prato de inspiração indiana em sincretismo com a Bahia); jabá com jerimum desconstruídos (finas lâminas de abóbora al dente com carne seca cortada bem fina, quase um carpaccio); coelho com molho de chocolate amargo; couscous marroquino; postas de peixe com molho de tamarindo; framarão (prato tipo um yakisoba, com pedaços de peito de frango e camarões enormes)... Bem, e estou falando dos anos 1980, hoje alguns destes pratos já são mais familiares, mas na época eram total novidade; ainda não havia a abertura para importações, assim alguns ingredientes eram trazidos nas malas das viagens do casal. Foi a primeira vez que comi o couscous fora do Marrocos; hoje vende em supermercados, mas na época eles trouxeram caixas e caixas, de uma viagem; e o prato ficou no cardápio só enquanto durou o estoque. Outros ingedientes eram improvisados ou pesquisados (por exemplo, a pimenta rosa, colhida por eles em Búzios)...
Nos anos 1990, a cidadezinha cresceu, e creceu mal: favelização, escalada de violência, tráfico, invasões; o fechamento da Álcalis, a empresa em torno da qual Arraial começou, nos anos 1940-50, acelerou este processo: menos empregos para os moradores, em especial os jovens; invasões, condomínios imensos sem respeito ao meio ambiente, lixões, foram ocupando os terrenos que a Álcalis antes ocupava e preservava, manchando irreversívemente as dunas; e o populismo dos políticos; destruindo o maior patrimônio da cidade: sua beleza natural, sua tranquilidade; transformando a cidade perfeita para um turismo diferenciado em uma cidade para um turismo predatório.
Uma noite inesquecível: depois do Carnaval, findo o verão, a cidade esvaziava, era o período em que eu gostava de tirar férias e ficar os ainda longos e quentes dias ao sol, na praia quase deserta, lendo o meu Proust, tomando cerveja bem gelada. Em um destes dias, numa 2a.feira, o dia em que o restaurante não abria, o convite para jantarmos com Mark e Beth. Pela primeira vez subi as escadas que separavam o restaurante da área privativa do casal; e a noite foi de um menu degustação (também isto era uma novidade na época): dezenas de pratinhos individuais com pequenas porções das especialidades da Chef, algumas no cardápio, outras experimentais, outras feitas personalizadamente para os convidados. Vinhos fantásticos, também trazidos de viagens (nas férias eles sempre somavam aos destinos exóticos uns dias de Europa), outras bebidas diferenciadas (um cocktail feito por eles para mim exclusivamente, era o que chamávemos de "Limpol": um coquetel com cor e aparência verde brilhante do desinfetante com esse nome, um aroma de menta, e que tinha o poder mágico de secar minhas lágrimas), música de países distantes... Uma conversa sobre o futuro, sobre a preocupação deles com a transformação de Arraial, com as dificuldades com vizinhos que poluiam a praia, se sentem "espremidos", o Todos os Prazeres está ficando quase que como um ilha de calma e classe em meio a uma selva barulhenta e hostil... e os desejos de um futuro em outro lugar que se parecesse à Arraial de antigamente... Uma noite onde partilhamos, Beth, Mark, Sebastian e eu, de uma intimidade e de momentos mágicos, que pareciam eternos e que, depois eu compreendi, eram como que um prelúdio de um fim.
Alguns meses depois, Sebastian morre. Mais alguns anos e coloco à venda a minha casa, minhas idas a Arraial passam a ser bem espaçadas, agora quero conhecer outros lugares - Paraty, Ilha Grande, Penedo... Por amigos comuns sei que Mark e Beth conseguem vender o restaurante, um bom negócio, e saem do Brasil para sempre, com primeira parada em Londres, mas em busca de outros novos paraísos onde recomeçar o seu sonho.
O restaurante continua, o novo dono mantém o nome, o cardápio, a Regina e demais funcionários (uma preocupação de Beth e Mark); aos poucos, porém, teve que fazer adaptações. O livro de receitas acabou sendo só um projeto. Hoje, vejo na internet, o Todos os Prazeres é uma pousada.
Em 2006, antes de vir morar em Brasília, fui rever Arraial, depois de anos sem ir à cidade. Revi minha antiga casa (irreconhecível, pelo menos não cortaram as árvores), fui à Prainha; revi, de longe, o Todos os Prazeres...
E em final de 2006, a notícia chega a mim, atrasada e arrasadora: Mark e Beth haviam descoberto o novo paraíso, abiram seu novo All the Pleasures em Bali, na Indonésia, e estavam indo bem com o restaurante. Até que veio o tsunami de dezembro de 2004, devastando o Oceano Índico e fazendo centenas de milhares de mortos, deixando milhões de desabrigados... não sei de mais detalhes, apenas imagino em minhas noites de insonia, o que sei é que entre os mortos no tsunami estão meus amigos, Mark e Beth Walton, mortos ao trabalhar para reconquistar seu paraíso destruído. O paraíso que todos nós perdemos, e que hoje existe apenas em minha memória.

(Escrevi este post em fevreiro de 2009. Agora, em início de 2010, um email trouxe um desfecho inesperado para a história, clique aqui para ler o novo post sobre esta reviravolta)

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Leonardo Videla e as churrasqueiras


Recebi e-mail do artista Leonardo Videla, com imagens de seu trabalho chamado Churrasquinho no Quartinho de Empregada, já apresentado no barracãomaravilha. Sem sair da temática da arquitetura, o olhar do artista se volta agora para uma “arquitetura móvel (...) fotografando churrasqueiras de quintal ou de laje feitas e desfeitas de tijolo”.
Neste e-mail, Leonardo se refere à entrevista da crítica Glória Ferreira com o Bechara no Blefuscu (nesta entrevista é feita uma referência pelo Bechara aos trabalhos do Leonardo na série Acrílico sobre Tela), e à questão do vazio (a arquitetura, segundo Bruno Zevi, citado na entrevista, é como uma “escultura esvaziada”, onde o homem penetra no interior, onde vive; enquanto que na escultura há o tridimensional mas o homem está “fora”; e na pintura, as diferentes dimensões existem em sugestão apenas). Estes conceitos podem ser exemplificados ao se analisar o conjunto de trabalhos do Leonardo Videla, como coloquei em meu post, onde “as plantas-baixas se transformam em dobraduras, e a pintura invade o espaço: a planta-baixa - na verdade uma representação gráfica do "chão" dos espaços - vai para a parede ao se tornar pintura, salta da tela ao se tornar um objeto-pintura, e na dobradura invade o espaço tridimensional, de uma "pintura de canto" a um objeto com dobraduras em MDF”.

Para Leonardo: “o que quero dizer com isso é o quanto é poderoso esse assunto na produção do fazer e pensar arte atualmente, no decorrer das transformações que vivenciamos, a pintura saindo da parede, a escultura saindo do chão, as instalações, os vídeos, as performances, enfim, vivemos um alargamento dos conceitos de arquitetura (...)”

Nas Churrasqueiras, creio que o artista, além das questões mais formais (as linhas que marcam as plantas-baixas reaparecem na construção das churrasqueiras, estas podem ser vistas como instalações, e também podemos ver as fotos não só como registros mas como pinturas, com referências ao neoconcretismo), enfrenta um alargamento do foco, abordando outras questões: questões sociais tão profundamente brasileiras ("o churrasco" como evento de união e socialização, o “quartinho de empregada”, invenção tão nossa quanto o “elevador de serviço”), o papel da arte e da arquitetura frente uma arquitetura-popular ou uma arquitetura-povera, o kitsch na arquitetura e outras. As dobraduras dos trabalhos anteriores do artista, após invadiram o espaço, com as Churrasqueiras ampliam esta invasão do espaço, incorporando outras questões e outros significados ao seu trabalho.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A arquitetura fantástica de Pedro Varela


Minhas observações sobre a exposição do artista cubano Garaicoa, no CCBB-BSB, me remeteram a abordar neste blog o assunto de artistas que utilizam a arquitetura como tema e referência. Assim, ontem escrevi sobre o artista Leonardo Videla, e hoje escrevo sobre outro artista carioca que desenvolve um trabalho forte e coeso sobre cidades fantásticas, é o Pedro Varela.
Com um desenho preciso e sutil, e grande apuro técnico, Pedro cria espaços amplos, paisagens panorâmicas onde se espalham visões de cidades flutuantes, de uma arquitetura fantástica: futurista, de comics, modernista; cabanas, torres mouriscas, prédios ecléticos, bizantinos, sci-fi, iglus, castelos; florestas psicodélicas topicais e pujantes; palafitas e guindastes... São aglomerados de prédios formando ilhas entre uma névoa apenas sugerida pelo branco-transparente do papel de arroz utilizado como suporte; ou seriam campos de gelo ou de vazio? Os aglomerados desta urbanização delirante deixam para o espectador imaginar a presença de habitantes e de uma vida que talvez pulse escondida nos interiores ou que esteja extinta.

Em trabalhos mais recentes, o artista constrói maquetes de papel, leves e sólidas ao mesmo tempo, algumas flutuam em suspensão no espaço real da galeria, transfigurando-o, criando um novo espaço, fantástico e infinito. Também em trabalhos recentes o desenho se transforma em pintura, as canetas coloridas são acompanhadas de aquarela, o linear se torna mais e mais pictórico, e Pedro utiliza também tinta acrílica sobre tela ou sobre delicados cortes de cambraia montados em bastidores de costura.

É imenso o prazer que temos em seguir com o olhar as paisagens e cidades flutuantes do artista. O olho passeia incansávelmente pelos detalhes arquitetônicos, pelas ruas e viadutos de cidades mágicas, retorna a uma visão de conjunto e volta aos minúsculos pedaços coloridos da cidade ou da floresta, a cada momento descobrindo novos detalhes e novas belezas; e o espectador se transporta irreversivelmente ao cenário fantástico, sente-se alado e poderoso, volta a ser a criança que voava para mundos secretos usando apenas sua imaginação...

Mais: MySpace do Pedro Varela

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

As janelas de Leonardo Videla


Após escrever sobre a exposição do artista cubano Garaicoa, que tem a arquitetura como tema e referência, imediatamente me lembrei de outro artista que utiliza a arquitetura como referência, de uma forma bem diversa da utilizada pelo cubano, e com resultados muito bons, o artista carioca Leonardo Videla.
Leonardo utiliza como tema para seu trabalho: plantas-baixas, arquitetônicas, de apartamentos padrão, simbolos de uma especulaçao imobiliaria que vem destruindo o Rio e outras cidades do Brasil em escalada crescente desde os anos 1970. O resultado: bonitas pinturas, com uma "pictoriedade" que me muito agrada; outras telas com acabamento neutro, campos de cor homogênea, uma pintura lisa conseguida com tinta automotiva ou color-jet, com as linhas das plantas-baixas bem marcadas; algumas vezes as telas se agregam em polípticos, onde o destaque é o contraste no enfileiramento das cores fortes. Uma evolução destas pinturas é a série Acrilico sobre Tela, onde a pintura é substutuida por placas de acrílico, montadas sobre um chassis como se fossem telas, e as plantas-baixas são vazadas no acrilico com um corte preciso e industrial a laser. Segundo o artista, estas obras provocam um conceito em pintura que ele chama de "pós-vida da pintura".

Em outras séries, as plantas-baixas se transformam em dobraduras, e a pintura invade o espaço: a planta-baixa - na verdade uma representação gráfica do "chão" dos espaços - vai para a parede ao se tornar pintura, salta da tela ao se tornar um objeto-pintura, e na dobradura invade o espaço tridimensional, de uma "pintura de canto" a um objeto com dobraduras em MDF como os expostos na Galeria Sérgio Porto. Um pouco como se o chão representado pela planta-baixa, subvertendo seu papel de base para a construção, resolvesse ele mesmo se dobrar e ser chão, paredes, teto, caixas de morar, úteros frios de uma arquitetura árida e desumana.

Mas para mim a série mais interessante do Leonardo é a das Janelas. O artista partiu das grades de serralheria que, devido à escalada de insegurança, cada vez mais e mais são utilizadas para proteger as janelas de residências urbanas, e que tentam disfarçar a função de "separar" se utilizando de padrões geométricos repetidos, na maioria das vezes com distante inspiração floral. Sobre suportes de aço inox ("...que tem essa superficie espelhada difusa, não tem a nitidez de um espelho..."), Leonardo cola adesivos com o padrão repetitivo característico destas grades e trabalha com pistola e tinta automotiva: "...inicialmente: primer (branco), que é a tinta que torna uma superficie metálica preparada para receber tinta automotiva, daí usei tinta automotiva branca, tem diferença de branco de uma tinta (primer) pra outra (automotiva), nesse caso, acetinada branca; até ai nada de pincel; misturo numa lata - tinta com mais e em outra lata menos solvente - e jogo no suporte, manipulando a superficie com concentrações mais aqui mais ali, criando pequenas espessuras (velaturas). Só algum tempo depois, via observação, entro com pincel nas pequenas figuras geometricas, com tinta oleo de tubo, é o toque final. E retiro as proteções (adesivos) que deixaram o desenho na superficie original do aço inox."
O resultado é misterioso e inegavelmente muito bonito: as Janelas refletem o ambiente onde estão colocadas, mas a referencia de janelas da pintura renascentista é invertida, pois ao se olhar para os quadros, o olhar fica na superfície brilhante do padrão da grade, que reflete o ambiente e o espectador, e o "além da superfície" é uma pintura fosca, painterly e não representacional; que discute com o reflexo distorcido do entorno, que também perde a característica de puro reflexo em espelho. Fundo e figura trocam de lugar continuamente, o olho passeia pelas obras, a repetição da forma da grade impõe um ritmo ao olhar, que é quebrado pela liberdade da pintura abstrata. Ricas, plenas, são estas pinturas do artista.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Um email do Gonçalo Ivo

Por estes dias, recebi um email, de Paris, do pintor Gonçalo Ivo, meu amigo de longa data:
(...) Adorei ler seu texto, fluido como o Rio de Janeiro da minha juventude, em que os amigos se reuniam, viam as novidades no cinema, vc se lembra? The Police, chopp, Ipanema...
Li ontem e o contraste com a neve e a rigidez parisiense era enorme...
morri de saudades (...)

Esta Rio que o Gonçalo rememora era nos anos 1980, íamos ver umas sessões especiais de meia-noite no cinema do Centro Cultural Cândido Mendes, que passavam em primeira mão vídeos (VHS mesmo) de conjuntos que estavam aparecendo na cena musical, foi aí que vimos e ouvimos pela primeira vez o The Police... Depois voltávamos a pé até meu apartamento na Vinícius de Moraes, onde Gonçalo havia deixado o carro estacionado, tomávamos uma saideira no Nelson ou em um pé sujo, e ele voltava para seu apartamento em Santa Teresa, tudo tranquilo, sem violência, bonde, arrastão... e muitas discussões sobre arte, música, cinema, pintura, aquarelas (Gonçalo dava aulas de aquarela no MAM, um dia me chamou para mostrar meu trabalho para os alunos e depois me deu um presente, uma linda aquarela da série das bandeiras).
Farei um post especial sobre esta amizade.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Garaicoa, no CCBB-BSB: arquitetura e ruínas


Carlos Garaicoa é um artista cubano nascido em 1967, com uma obra já reconhecida internacionalmente, e que tem a arquitetura como um dos temas recorrentes. Com estreitas ligações com o Brasil, o artista já participou da Bienal de SP, de coletivas como “Arte de Cuba” no CCBB em 2006 e teve uma individual na Gentil Carioca, no Rio. O CCBB de Brasília está mostrando uma boa exposição individual de Garaicoa, uma ótima chance para conhecer um pouco da trajetória do artista.
Havana, uma cidade com um passado pujante de construções coloniais e da primeira metade do século XX, que os anos de regime fechado e de descaso transformaram em ruínas, e a inventividade da população remendou com os escassos recursos da extinta União Soviética.


Estas imagens que se tornaram tão comuns na midia são a matéria prima para o artista Garaicoa, que as transfigura em seu trabalho; e se tornam imagens universais, a falar de ruínas não só cubanas mas da arquitetura mundial, e mesmo ruínas do ser humano, no sentido mais existencial, zen, como na instalação Jardim Japonês: pó - construção - ornamento arquitetônico - ruína - pó.
A busca de espaços utópicos: maquetes de construções ultra-modernas no meio das ruínas de Havana; a proposta de "clonar" prédios, subvertendo o conceito eugenico de clonagem, ao utilizar como matriz não "o melhor da raça" e sim um prédio industrial decadente, meio abandonado, meio ruína. Em uma instalação, a partir de uma mesa, traços de construções em perspectiva, feitos em linha de costura presa por alfinetes, com panorâmicas de cidades reais em pequenos monitores de vídeo, se projetam na parede em uma cidade utópica, modernista, com direito até a um zepelim sobrevoando, tudo feito em linha com os alfinetes, frágeis construções como que a falar de um futuro-passado lírico porém frágil (do pó ao pó).
A vinculação crítica com a arquitetura, com o modernismo, com o Brasil, a arte brasileira, o concretismo e também, claro, com Brasília, fica muito evidente em uma instalação chamada De como minha biblioteca brasileira se alimenta de fragmentos de uma realidade concreta: Livros de arte e de arquitetura brasileira, presos em blocos de concreto como construções "concretas" modernistas, formam o qe se percebe ser um muro, ao ver que o verso está crivado de cápsulas de balas...
Arquiteturas ideológicas e políticas: uma maquete com a proposta de uma estátua equestre do "governante de plantão"; sem cabeça, a estátua equestre está complementada por rampas e cabeças sobressalentes para que a população substitua pela cabeça dos novos líderes, cabeças que se enfileram nas rampas. cada qual com seu pombo de bronze, à espera de serem colocadas em função no tronco do herói equestre.
Uma boa exposição, e a crítica à arquitetura e ao modernismo ganha, ao meu ver, outra visão ao ser vista em Brasília e no meio do tiroteio sobre a enfim abortada Praça da Soberania, onde apareceu todo um subtexto de ideias sobre o poder mágico da arquitura e do arquiteto, a função da utopia, o desgaste das construções e das ideologias que fizeram estas construções, a ruína... ideias estas que Garaicoa utiliza de maneira precisa, competente e estética, em seu trabalho.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Osmo Rauhala, no MAM-Rio




No MAM, até 01/março, "O surgimento da compreensão", exposição individual do artista finlandês Osmo Rauhala. São 5 instalações com vídeos e 10 pinturas em grandes formatos, todas marcadas pelo que Rauhala chama de "memória genética", uma visão quase que arquetípica de sua terra natal. O artista, que reside em NYC desde a década de 1980, retorna todos os anos à sua fazenda na Finlândia, onde se "recarrega" com as energias da terra natal; segundo ele, a experiência de estudar, desenvolver seu trabalho e morar na metróple o fez mais analítico sobre sua própria cultura, influenciando seu trabalho, que joga com elementos da natureza nórdica - cervos, florestas, pássaros, rios, uma natureza quase que virgem, porém dentro de uma linguagem absolutamente contemporânea, tanto nas videoinstalações como nas belas pinturas.

Site do artista Osmo Rauhala

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Minhas Pinturas de Brasília



Enquanto continua a polêmica sobre a Praça da Soberania, coloco aqui minha homenagem à paisagem desta cidade modernista, duas pequenas pinturas (série "A cidade modernista", 20x20cm, 30x30cm, 40x40cm) que fiz nos meus primeiros tempos em Brasília, quando a beleza e a estranheza da paisagem me faziam sentir um alienígena total, um ser de uma cidade humana abduzido para uma cidade extra-terrestre.
Tópicos sobre a Praça da Soberania: Niemeyer diz que o Plano Piloto é elitista, e sugere uma "comissão de notáveis" (algo mais elitista?) para definir o futuro da Praça e do Plano; Maria Elisa Costa, filha do Lucio Costa, diz (um tapa com luva de pelica sobre a crítica de elitismo do projeto urbanístico) que a Praça deveria ser construída em Taguatinga; e finalmente o Governador Arruda dá (espero) a pá de cal no projeto, ao declarar que é interessante, obra de gênio sim, mas... falta dinheiro para executá-lo...

Ver também:
estudos sobre o Plano Piloto
Outras pinturas da série "A Cidade modernista"

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Mais estudos (vanitas de Philippe de Champaigne)






Continuando os estudos a partir da vanitas do pintor da escola francesa Philippe de Champaigne, as telas número XI a XV. Principalmente estudos de cor, trazidos das aulas que tive com o grande mestre José Maria Dias da Cruz. E flutuações em relação à composição: em algumas telas os coadjuvantes (o fundo escuro, a mesa) se agigantam e deixam em segundo plano os protagonistas da pintura do de Champaigne: o esqueleto, o vaso com a flor brotando, a ampulheta. A pintura passa a ser um diálogo, um debate, entre o fundo e a mesa, cores complementares, uma forma abstrata; apesar da perspectiva da mesa, o ilusionismo desaparece; e os objetos sobre a mesa passam a ser fantasmas, linhas dissolvidas na presença maior da pintura, da cor. Em outras, o contrário; quase desenhos, em um gestual feito diretamente do tubo da tinta ou com o carvão. As tintas metálicas, o ouro envelhecido e o prata, que transformam pinturas "expressionistas" em "ícones russos", bidimensionais, brilhantes, preciosos. Estou gostando. Encomendei mais telas, e também em outros tamanhos, uma das propostas de fevereiro é estudar as mudanças na escala.