Ao meu ver é mais uma tentativa de ocupar bem o interior do prédio do Museu, que foi projetado pelo Niemeyer como um espaço monumental, sem nenhuma consideração prática com o que significa "mostrar obras de arte". As tentativas mais bem sucedidas, pelo que pude ver neste tempo em que acompanho as exposições no Museu, foram as que ocupam o mezanino; ou as que ocupam "as beiras" da cúpula, com painéis acompanhando mais ou menos as paredes circulares, deixando o espaço central, com seu pé direito gigantesco, para alguma projeção ou instalação "de efeito", ou mesmo um vazio. A rampa externa que liga o salão principal ao mezanino, e que possibilita uma vista linda da Esplanada dos Ministérios, raramente é usada, e nas últimas exposições está sendo radicalmente fechada.
Para não parecer que sou implicante, li no jornal de Brasília entrevista dos curadores com queixas, bem polidas, sobre esta dificuldade, citando inclusive o carpete cinza, que não pode ser modificado. Sim, eu vi o efeito do carpete contra a linda escultura Língua, do Tunga: as duas enormes peças onduladas de madeira repousam sobre pequenos Budas de bronze; isto eu sei, pois já vi a escultura antes, no Museu de Arte de Brasília; nesta montagem, os Budas simplesmente não são vistos, desaparecem entre os pelos do maldito carpete cinza.
Sem contar com a crítica de sempre: o que o Niemeyer tem contra árvores? Por que o Museu e a Biblioteca foram implantados em um enorme terreno todo acimentado, sem uma grama, um arbusto, uma sombra, apenas três ridículos espelhos d'água? Outra crítica, mas esta eu sei a resposta: por que não fazer um estacionamento subterrâneo? já que uma das laterais do terreno (a da via S2) fica a uns 4 metros abaixo do nível principal (logo perto, este desnível é utilizado para garagens subterrâneas em todos os prédios dos Ministérios, projetos do mesmo Niemeyer). Assim, o Conjunto Cultural da República oferece para estacionamento apenas as laterais das ruas internas de acesso aos prédios, insuficiente para os visitantes nos dias de semana.
Mas a minha resposta a esta pergunta surgiu no domingo passado, um domingo de sol, quando visitei a exposição, e vi que, para minha surpresa, o Museu estava cheio. Muito cheio. Famílias, crianças, casais, adolescentes, idosos... Olhando melhor o público, vi que é um público que, em grande maioria, não veio de carro; não tive dificuldade nenhuma para estacionar. Não vir de carro, em Brasília, tem uma significação diferente de em cidades como Rio ou São Paulo, com transporte urbano razoável; significa que este público veio de longe e enfrentou um transporte, ônibus ou metrô, super-precário, com horários que nos finais de semana são muito mais irregulares; saltou na Rodoviária e foi, em massa, visitar o Museu, talvez fazendo hora para uma ida ao Shopping (o Conjunto Nacional, outra pequena caminhada a partir da Rodoviária). Sim, este é o público do Niemeyer, e ele não precisa de vaga em estacionamento. Este é o público do Arruda e dos demais políticos de Brasília, e ele vai gostar do tal trem urbano que estão planejando para circular bem no canteiro central da Esplanada, destruindo a harmonia projetada pelo Lúcio Costa e por um Niemeyer com 50 anos a menos. Pareço elitista? talvez ranzinza. Mas eu gostei de ver o Museu cheio, muito melhor do que vê-lo vazio.
A exposição é bem interessante, e se propõe a reunir obras do acervo de instituições públicas sediadas em Brasília, como forma de ampliar o acesso do público a essas obras, ou talvez para mascarar o fato de que o Museu e a Biblioteca são cascas vazias, lindos prédios sem acervos. Engraçado, acho eu, é que a divulgação a apresenta como uma ideia do próprio Lula: "...nem sempre o público tem acesso a estas obras. Foi pensando nisso que o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sugeriu que se montasse uma mega-exposição para exibir, ao povo brasileiro, os destaques destes acervos". Bom, de metalúrgico a Presidente e agora Curador; ou talvez um reflexo do culto à personalidade que vivemos e que vimos, por exemplo, com o Grande Timoneiro Mao.
A partir desta diretriz, e considerando as dificuldades já citadas, os curadores Wagner Berja e Xico Chaves fizeram um bom trabalho; a exposição flui bem, por núcleos ou ilhas: “Montamos várias ilhas, sem seguir uma linha do tempo linear. Partimos das afinidades para revelar coisas que muitas vezes passam despercebidas”, explica Barja.
Algumas obras que não estão presentes, por não fazerem parte de acervos no DF, mas que seriam importantes na ilha (um manto do Bispo do Rosário, um Profeta do Aleijadinho), são substituídas por imagens impressas em computador, o que achei um recurso fraco, até por que a qualidade da imagem é péssima.
Algumas obras que não estão presentes, por não fazerem parte de acervos no DF, mas que seriam importantes na ilha (um manto do Bispo do Rosário, um Profeta do Aleijadinho), são substituídas por imagens impressas em computador, o que achei um recurso fraco, até por que a qualidade da imagem é péssima.
O melhor de tudo, certamente, são as obras do Museu de Arte de Brasília. O MAB, criado em 1985, tem um acervo que vem sido constituído desde a década de 1960, a partir de doações, contrapartidas e prêmios de aquisições, e assim conseguiu um impressionante acervo, com obras de, entre outros, Beatriz Milhazes, Daniel Senise, Iberê Camargo, Lygia Pape, Nuno Ramos, Waltércio Caldas... O prédio do MAB é totalmente inadequado (escrevi aqui no blog sobre isso após minha primeira visita a esse Museu), e as obras foram transferidas, felizmente, para a reserva técnica do Museu Nacional, mas permanece mal explicada uma tentativa de fusão das duas instituições, que na prática significaria apenas a extinção do MAB, ou seja, um espaço a menos (e um espaço que, embora precário, necessitando de reforma e adequação, é bem simpático).
Outros acervos importantes, presentes na exposição, são o do Banco Central, constituído, principalmente, por obras recebidas, nos anos 1970, como pagamento de dívidas de instituições financeiras em liquidação, o da Caixa Econômica, o do Ministério de Relações Exteriores (Itamaraty) e o da Universidade de Brasília (UnB). E é interessante saber, também pela divulgação, que o acervo do Museu Nacional já se iniciou com uma doação, feita pela Polícia Federal, com aproximadamente 200 peças, "obras de alguns dos maiores nomes do Modernismo no Brasil – Portinari, Volpi, Tarsila do Amaral etc." Não entendo muito bem por que a Polícia Federal teria quadros modernistas em suas paredes, mas tudo bem. E ainda da divulgação: "desde então, o museu vem montando uma coleção feita com outras doações, principalmente de representações diplomáticas". É aí que mora o perigo. Há uma política de acervo, um foco, um conceito que norteie a formação de uma coleção? ou é um pragmatismo do tipo "a cavalo dado não se olham os dentes". O Museu Nacional não deveria focar em arte brasileira? então por que receber doações de representações diplomáticas? Enfim, posso mais uma vez estar sendo ranzinza.
Mais no blog sobre o Museu de Arte de Brasília e o Museu Nacional, clique aqui e aqui
Mais no blog sobre o Museu de Arte de Brasília e o Museu Nacional, clique aqui e aqui
Um comentário:
Jozias: Excelente a crônica sobre os museus e coleções de Brasília. Quando visitei a cidade não havia o museu, mas concordo com as críticas à visão do grande arquiteto em relação ao exagero de cimento e a falta de vegetação. Um abraço Marcio
Postar um comentário