As primeiras imagens que vi, no site do Olheiro da Arte, uma boa vitrine para jovens artistas, foram as que me nocautearam. O breve currículo diz apenas: "É bacharelando do décimo semestre em Artes Plásticas pelo Instituto de Artes (IdA) da Universidade de Brasília (UnB)."
Depois, no blog e no flickr, pude ver mais imagens. Pinturas, retratos, grandes dimensões, de um realismo até meio retrô, virtuosísticas, mas nas quais se sente forte conceituação como base. A questão do conceito sustentando a pintura fica mais clara ao ver que o artista é o mentor de algumas performances que vi pelos jornais aqui em Brasília: intervenção na Catedral com uma luz cor de rosa; Telúrico, polêmica escultura para espaço público no campus da UnB.
Como tenho sorte, o artista participa de um Salão juntamente com uma artista amiga minha, faz-se o contato, primeiro por email e depois, ao vivo, na abertura de uma coletiva em Brasilia; uma exposição heterogênea, mas onde os trabalhos dele se destacam. Enfim vejo "ao vivo" as pinturas, continuo gostando delas, e gosto mais ainda do artista, um jovem motivado e antenado, que escolheu como meio de expressão a velha e já tantas vezes anunciada como morta, a pintura; um artista que está participando de muitas exposições e salões pelo Brasil afora, com premiações, e que é uma aposta para o futuro.
A série Narrativas Privadas se desdobra em pequenos trípticos. Uma pintura de nus que elimina a sensualidade da carne; a carne e o azulejo tem o mesmo tratamento pictórico; e o azulejo é na verdade mais sensual que a carne; como se o artista "dissecasse" os corpos, ao invés de apenas "expô-los". Mas não é um tratamento frio, distanciado; pelo contrário, a pintura é espessa, exuberante, pinceladas, espátulas, óleo; a cor é muito variada, a pele tem tonalidades de carne, de ocre, de marfim, de verde, marrons, azuis; mas a voluptuosidade é da tinta, da pintura, não das pessoas; estas estão tranquilas tomando seus banhos, os sexos e as celulites, as dobras de gorduras, as varizes, os cabelos do corpo, à mostra; como se vistas, em movimento (dado pelo enquadramento dos trípticos), observadas por alguém escondido, vistas através de um basculante, o voyeur-espectador; e o erotismo está todo nele, no pintor, no espectador, que ao ver a cena erotiza não só a carne mas também os azulejos, as gotas d'água, as torneiras de metal gasto, os aparelhos de gilete e os box de plástico.Erotização feita não pelo tema (nus banais), e sim através da pintura; a marca do pincel do artista é a marca que o olhar do voyeur-espectador busca, e extrai de uma cena de quotidiano, de homens e mulheres de meia idade em uma tarefa corriqueira, um banho talvez meio corrido para não perder o horário do trabalho, ou cansado depois de um dia de luta; não o banho de quem se prepara para o amor ou de quem, saciado, se limpa dos fluidos e secreções de uma cópula; não; apenas isso: um prosaico banho.
Não são jovens, os corpos não são os malhados que a midia vende como os desejáveis, eles talvez não conheçam mais a intensidade do desejo já há tanto tempo perdido na rotina dos dias. Não são Madonas, não são Jesus. Mas o artista os retira de seus banheiros anônimos, e nos faz desejá-los, e nos faz, a nós, iguais a eles, desejados; como objetos de um desejo perverso polimórfico, como objetos de uma sensualidade pagã, como objetos de desejo para o voyer-artista.Engraçado, Narrativas Privadas não é um trabalho erótico, carnal; ao optar pelo erotismo do voyeur, pelo fetichismo, eles se tornam menos crus, podem participar de exposições, não tem a pulsação de outros trabalhos do Fábio, que são explícitos e tem o vigor de um erotismo rebelde, uma série erótica da qual mesmo o artista fala com certo cuidado. São as Apropriações Textuais: uma versão sangrenta, menstruada, da Origem do Mundo, de Courbet; um enorme empalado com o rosto do artista e genitais bem desenhados, que tem de um Cristo clássico, de Goya (Esto es Peor) e de Vlad Tepes; Decapto, onde (como nos Caravaggio) a cabeça decaptada é um auto-retrato - mas o jovem carrasco está nu e seu vigor erótico é explícito.
Outros trabalhos do Fábio também tem esta forte carga de erotismo, que aparece até mesmo nos trabalhos de cunho conceitual. Telúrico é um obelisco que é uma árvore fálica em pleno campus da UnB; a rejeição ao trabalho acabou por derrubá-lo, o que irônicamente não desfez a semelhança, apenas destruíu a ereção.
Da mesma forma, ao pintar com luz a Catedral de Brasilia o concreto se torna carne, vibrante em cor de rosa, uma gigantesca vulva multifacetada. Talvez estes trabalhos mais explícitos sejam muito chocantes (pois Brasília, embora Corte, é uma Província) e estejam guardados, protegidos, para serem mostrados aos poucos, como véus que se abrem. Mas ao "domesticar" o erotismo através do fetiche, do voyeur, das Narrativas Privadas, Fábio consegue, sem prejuízo da qualidade, "se infiltrar" e "nocautear" o espectador desavisado, como eu naquela noite em que navegava na internet. Veja mais trabalhos do artista em seu Blog e em seu Flickr, com mais fotos da construção e da derrubada de Telúrico, e a repercussão na imprensa.




2 comentários:
Olá Jozias: Sigo seu blog.Já que você procura blog de artes na internet gostaria de sugerir os admiistrados por mim: http://marciofo.blogspot.com
http://cacadordeobjetos.blogspot.com
wwww.imagemsemanal.blogspot.com juntamento com a Brenda Valansi. Gostei muito da sua última postagem. Um belo texto com a divulgação de um ótimo artista. Pedirei para ser incluído na sua lista do Facebook. Um abraço Marcio Fonseca
obrigada por me apresentar um trabalho tão vigoroso e um artista tão jovem, mas já pronto!!!!
beijos,
Vivi
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