quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Um prato para comer frio

Dois filmes que vi recentemente abordam o tema da vingança; porém, como não podia deixar de ser em se tratando de cineastas tão diferentes, a abordagem e as conclusões são bem diversas. São eles Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds, 2009), do Quentin Tarantino; e Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos, 2009), do Pedro Almodóvar.

Bastardos Inglórios tem tudo de violento, irônico, politicamente incorreto, a marca registrada do Tarantino. Um filme de "E se?": e o que aconteceria se as vítimas se vingassem, punindo o carrasco em seus próprios termos, com violência desumana, desmedida? A partir desta frase está definido o roteiro; uma inversão nos papéis; agora os nazistas são enfrentados em seu próprio campo (a França dominada) por um esquadrão assassino que os massacra com o mesmo sadismo que, sabemos, lemos, vimos em milhares de cenas de cinema, os nazistas massacraram os judeus. Um "olho por olho e dente por dente" com todos os detalhes escatológicos. Nos primeiros dez minutos de filme (quando as cenas ainda são meio arrastadas, embora violentas) ainda consigo pensar coisas como "mas se o agredido utiliza a linguagem do agressor ele não está incorporando o mal que existe no agressor e se transformando, ele, no próprio agressor?" ou "como combater o mal sem se igualar ao mal?"; mas a trama segue, se acelera, se abre e se encaixa em trilhas de um enredo perfeitamente construído, e esqueço a vã filosofia para embarcar no mar de sangue, de vingança, de escalpos, que termina por reescrever a História. Catarse, cinemão, seja lá o que for, mas o filme funciona.

Já Abraços Partidos, como não podia deixar de ser, apresenta a vingança como um leitmotiv dentro de um pano de fundo de complexas relações amorosas e existenciais, onde a arte (especificamente, o cinema) tem papel da maior importância. O filho quer se vingar do pai, homófobo, filmando um documentário que o desmascarará. O marido traído descobre a traição através da investigação de cenas filmadas; e a sua maior vingança é truncar o filme, o fruto da traição. E para o amante que tudo perdeu, terminar o filme, mesmo às cegas, é se vingar da tragédia, da morte, da escuridão. Entre ameaças e risadas, sexo casual, paixões avassaladoras e amores silenciosos, relações pai-filho, de amizade, de amor/ódio, e entre cenários lindíssimos e cenas grandiosas (a queda de Lena na escada tem a força de uma Scarlet escada abaixo em ...E o Vento Levou), Almodóvar constrói outra pequena obra-prima. E diz ao que veio: apenas a Arte tem o poder de transcender a morte, de vingá-la, de vencer.

Embora, para mim, a melhor representação de vingança ainda está na música imortal de Lupicínio Rodrigues ("Eu gostei tanto / tanto quando me contaram...").

Ainda:

Site oficial do Almodóvar

The Quentin Tarantino Archives

Linda Batista canta Vingança, uma versão maravilhosa 

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