domingo, 27 de junho de 2010

O Projeto Acervo (e a lua cheia)

O convite veio meio misterioso, sem data e local. Mas logo depois recebi email do Leonardo Videla esclarecendo: a primeira edição do Projeto Acervo que seria feita na casa do colecionador, um espaço privado, com isso não seria tão aberto como os anteriores, a maioria feita no fantástico Espaço Bananeiras.
Sou um fã do Projeto Acervo, sou um feliz colecionador de uma edição (apresentada no Bar do Mineiro, também em Santa Teresa), acho uma ótima alternativa para romper o viciado circuito artístico, veiculando trabalhos de qualidade para novos colecionadores. O trabalho que o Leo Videla faz, de colocar lado a lado os artistas e os colecionadores, sem interferência do mercado, mas ao mesmo tempo sem detonar o mercado e sim entrando em um nicho, em uma lacuna deste mesmo mercado, é ímpar. E os resultados estão aí: 2 anos de Projeto Acervo, uma fila de espera de pelo menos 6 meses, artistas que fazem a diferença, colecionadores que também fazem a diferença; e cada vez mais, ousadia.
Enfim, um táxi (eu que não vou mais de carro para a night, a Lei Seca é feroz e eu acredito nela) que nos leva do Corneteiro (aggrrhh) da Visconde de Pirajá até o Curvelo. O portão é misterioso, mas é o numero que eu tenho; o táxi não pode subir; OK, subo a ladeira, resfolegando, no meio da mata aparecem construções modernistas, meu deus, será que estou no parque da Glass House? mas a paisagem é linda, as árvores, um bosque, mata atlântica, bem mais viçosas que na Glass House.
Aqui estamos, é um sábado a noite, o táxi nos deixou na entrada, subimos a pé uma ladeira fatal para os cardíacos. No meio da mata, aos poucos, vemos uma casa, moderna, concreto, espaços. Como pronta, como a fazer, como um vir-a-ser, sobre o morro, vigilante, cúmplice da luz cheia, guardiã de uma vista que mostra, de um lado, o centro da cidade com a ponte Rio-Niterói e uma promessa de montanhas e Dedo de Deus em dias de céu claro e do outro, um Pão de Açúcar majestoso.
A casa é linda, maravilhosa; e a coleção do Projeto Acervo está lá, em frente de uma parede de concreto. Ah mas a inveja mata e enterra; eu sempre achei que a minha edição do Projeto Acervo era o máximo, quando vejo uma nova edição fico louco. Fico louco mesmo, de inveja, de ódio, de ciúme, todas as emoções... vendo o objeto do Fernando de la Rocque, vendo o objeto sonoro do Franz Manata e do Saulo Laudares, vendo o desenho do Pedro Varela... Claro que nesta hora eu rezo a Deus, peço perdão, me lembro de como minha edição também foi excelente; mas colecionadores são assim, nunca satisfeitos.
Beleza, vamos beber um vinho, vamos conversar, vamos olhar a lua cheia que está colocada exatamente na linha do projeto de arquitetura, na verdade parece que a luz cheia é um adereço da casa. Vamos conversar sobre arte, sobre desejos, sobre a vida.
Escrevi algumas vezes aqui no blog sobre o Projeto Acervo, que mantém sua proposta e a cada edição me surpreende. Feliz o colecionador, que leva trabalhos de alta qualidade por um valor bem menor que o mercado cobraria; e trabalhos que tem uma ligação, uma curadoria, que aparece na exposição mas que ao mesmo tempo não é excessiva
Estão eles lá: a casa, clean; a arte; o conviver. Melhor que isso só dois disso. Quero dois, quero mil, um milhão. Enfim.
É a casa do colecionador, é o Projeto Acervo em sua primeira edição na casa do próprio colecionador. E que edição. Os artistas: Alexandre Vogler, Ana Holck, Arjan Martins, Fernando de La Rocque, Franz Manata e Saulo Laudares, Guga Ferraz, Leo Videla, Luiza Baldan, Pedro Varela e Tatiana Grinberg.
A história da casa: recente, nestes primeiros anos no terceiro milênio, o casal procura uma casa para comprar, em Santa Teresa onde sempre moraram, em apartamentos alugados. Procura uma casa antiga, para restaurar, bem no clima do bairro. Não é fácil, um dia encontram um terreno, um super terreno que sobe por uma encosta e, a cavalo desta, tem uma face para o centro e outra para Botafogo: de um lado a Ponte Rio-Niterói e em dias limpos até o Dedo de Deus; do outro o Pão de Açucar; no terreno, uma ruína apenas; e um desafio: construir uma casa, uma vida. Um colega de trabalho vê em uma revista obras de um arquiteto paulista, mostra a revista; ele marca um encontro, o arquiteto vem ao Rio, sobe a Santa Teresa, anda pelo terreno, sente o cheiro das árvores, navega pelo visual. Semanas depois o arquiteto marca outro encontro, vem de carro e traz um objeto: uma maquete do que ele pensava como solução para a casa.
A maquete é um determinante, ela se impõe mais que um jogo de plantas, ela é uma promessa e uma esperança, e assim o negócio se fecha. Cercado de críticas: como uma casa de arquitetura modernista em pleno enclave de arquitetura colonial? Como uma casa de arquitetura paulista em pleno Rio de Janeiro? Como, como, como? As críticas dificultam o andar da obra, a comunidade de Santa Teresa reivindica um projeto mais dentro da arquitetura tradicional... mas o casal segue em sua tarefa, construindo o que para mim é um monumento, uma obra prima da arquitetura.
O Rio na verdade acaba tendo poucas obras-primas de arquitetura, e desfigura as que tem, em um processo autofágico. O Rio é maravilhoso, a paisagem é linda, a montanha e o mar; e confia nisso, não cuida de sua arquitetura, desmonta coisas que deram certo, deixa a pobreza e a irregularidade invadirem bairros interessantes (a Gávea, por exemplo) e depois tem soluções urbanísticas de quinta categoria. Neste processo louco, Santa Teresa é um bairro que resiste, muito por conta dos moradores, tudo contra todos. A luta pelo bondinho é um exemplo, o poder público adoraria desligar o bondinho, trocá-lo por linhas de ônibus que trazem mais caixa 2 para as eleições; mas aqui não, Santa Teresa resiste e o bondinho permanece.
Da casa podemos sentir, do lado direito, outra boa ocupação do morro que foi a Chácara do Céu, do Castro Maia, hoje um museu; abaixo, na direção do Centro da cidade, lembramos de outra boa ocupação de um terreno em Santa, a casa/ateliê do artista José Tannuri. Sem medo de ser feliz eu poderia dizer que são os pontos altos arquitetônicos deste bairro, tão carioca e ao mesmo tempo tão modernos ou contemporâneos.
Fico muito feliz de estar nesta casa, bebendo um vinho e tomando um caldinho de feijão, conversando com os simpáticos donos da casa, com o Leo Videla, com os artistas. Penso que a vida é isso, e que existem alternativas, fora do viciado circuito de arte, para veicular trabalhos artísticos. Que arte e vida estão juntas, e se completam, mas que é muito difícil cuidar disso agora, nestes anos 10 do terceiro milênio; que ser artista é isso, batendo nas grades, tentando expandir espaços, derrubando as grades que nos prendem, as grades que são mais fortes quanto menos visíveis. Uma arte que venha não para validar o que está aí e sim para questioná-lo, para ser uma fissura no estabelecido, para ser o que falta, o que mina as estruturas, o que pergunta.
A lua está cheia e seu brilho cai sobre a piscina como uma noite de prata. Os objetos de arte do Projeto Acervo adquirem vida própria e se espalham pela casa pós-moderna, como objetos, como náufragos, como coisas.
Respiro fundo, a noite é fatal. A casa fica, as obras de arte ficam, mas tenho que ir embora, é tarde e tenho compromissos para o domingo. Um adeus me diz que estive em um momento fora da minha realidade, e que esta é uma realidade em paralelo. Gosto. Gosto muito.
Respiro fundo, sigo a trilha de volta, no caminho para casa. Bom. E perfeito, é a vida.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Colecionando arte e esposas


Escrevi aqui no blog que a minha visita ao Museu Thyssen-Bornemisza, em Madrid, me trouxe curiosidade sobre o Barão e a Baronesa, cujos retratos, de um kitsch imponente, se destacavam no hall do Museu; um pouco como se no meio da coleção Gilberto Chateaubriand aparecesse um retrato do colecionador não feito por um Glauco Rodrigues e sim por um pintor de rua da Feira Hippie de Ipanema (ou de Montmartre, dá na mesma). 
Afinal, como uma pessoa que viveu cercado de obras-primas desde criança (o pai já era um grande colecionador), não se fez retratar por um grande artista contemporâneo, um Warhol, um Sutherland, ok, um Bacon ou um Freud pode ser demais, mas há alternativas não tão radicais. A Baronesa, em especial, uma perua, com os cachorrinhos poodle com lacinhos cor-de-rosa combinando com seu vestido, é um triunfo do kitsch.
Também me lembrava vagamente de ter lido sobre ligações do Barão com o nazismo, com o Brasil, um casamento com uma brasileira, será esta a do retrato? poxa, ela poderia ter contratado pelo menos o Albery... Minha companheira de viagem lembrava de mais detalhes, quem era a brasileira, e de um divórcio rumoroso ou uma disputa pela herança.
Enfim, os melhores amigos do homem são o Google, a Wikipedia e o whisky, não necessariamente nesta ordem; chegando no Rio fiz minha pesquisa básica sobre o Barão, para complementar meu post sobre Madrid, imaginava um ou dois parágrafos, mas o assunto rendeu e aqui vai em um post próprio.
As histórias que circundam o Barão Thyssen-Bornemisza, morto aos 81 anos de um ataque cardíaco, em 2002, e de sua coleção de arte que deu origem ao Museu, tem aspectos bem interessantes e que aprecerem na midia não só nos cadernos econômicos e culturais, mas também nas revistas sobre o jet-set e nos tablóides de escândalos e fofocas, com cenas de traições, processos e brigas familiares, e com um capítulo importante contado nas colunas sociais brasileiras.
Conhecido como Heini, o Barão veio de uma riqueza e título nobiliárquio recentes, embora as biografias apontem a família Thyssen com raízes alemãs antigas. O avô, August Thyssen, era um produtor rural alemão que, a partir de um negócio de cercas para galinheiros, construiu um império em aço, ferro e armamentos, rivalizando com os Krupp, e se tornando amigo do Kaiser; colecionador tardio, encomendou esculturas a Rodin. Já o filho mais velho, Fritz (tio de Heini), amigo de Goering e Hitler, tornou-se um defensor ardente do nazismo, apoiando e financiando este regime até que um desentendimento com Hitler o levou a um campo de concentração; com a vitória dos Aliados ele também foi preso, e terminou seus dias na Argentina.
O pai de Heini, Heinrich, deixou a Alemanha e se fixou na Hungria, casando-se com a filha de um nobre, o Barão Bornemisza; herdando (ou comprando, para terror dos heterodoxos seguidores do Almanaque de Gotha) o título do sogro. Em húngaro, Bornemisza significa "que não bebe vinho"; posteriormente, Heini brincava que deveria ter modificado o título para Wiznemisza ("que não bebe água"). É bom este Barão, e a história está só começando...
Com a tomada da Hungria pelo governo comunista, em 1919, o Barão Heinrich se mudou com a família  para a Holanda, onde ganhou fortunas, como banqueiro e armador; formando então uma grande coleção de obras de arte, que ficava sob a guarda do filho Heini.
Os biógrafos (não-autorizados, claro) de Heini dizem que sua infância foi muito solitária, apesar de ter três irmãos; foi criado por uma governanta alemã, que depois suicidou-se; e raramente via seus pais, que se divorciaram quando ele tinha 8 anos; ninguém contou a ele sobre o divórcio dos pais até seus 11 anos. Ah, os ricos...
Com a morte do pai em 1947, Heini herdou as empresas e o título, mas seus irmãos reivindicaram na justiça a partilha da coleção, o que o marcou muito. Ele depois passou anos recomprando a maioria das obras e também comprando muitas outras, expandindo o gosto focado em arte do passado da coleção paterna ("Meu pai considerava lixo qualquer pintura feita após o século XVIII", dizia Heini), e transformando-se em um dos colecionadores mais obsessivos e ecléticos, e também muito preocupado em que sua coleção não se dispersasse no futuro. Estimativas são que o Barão gastava cerca de 60 milhões de dólares anuais na compra de obras de arte, e declarava: "Gosto de pintura porque é um assunto que nunca rende conversas desagradáveis", bem ele nunca frequentou como artista uma escola de arte senão teria ouvido muitas conversas desagradáveis sobre pintura.
Tornou-se o segundo maior colecionador particular de arte, só perdendo no ranking para a Rainha da Inglaterra; mas ele observava que a "a Rainha talvez não fosse exatamente uma colecionadora".

Como colecionava obras de arte, o Barão também colecionava mulheres bonitas, em 5 casamentos (com divórcios crescentemente mais caros, afinal colecionar é uma obsessão crescente). Em 1946, casa-se com uma Princesa, Theresa de Lippe, e tiveram um filho, Georg Heinrich.

Em 1953 começa um caso com Nina Dyer, uma linda modelo inglesa, casando-se com ela em 1954 após o divórcio, para descobrir que Nina o traía com "um ator francês empobrecido" (segundo Danuza Leão, que, em seu livro "Quase Tudo" alega também ter sido paquerada por Heini (será?), o amante de Nina era Christian Marquand; entrega ainda Danuza que Marquand era amante de Marlon Brando; apaixonado, Brando batizou  seu primeiro filho com o nome de Christian). Enfim, Heini e Nina tiveram um divórcio ainda mais caro que o anterior; depois Nina casou-se (e também se divorciou) do Príncipe Sadruddin Aga Khan , irmão do Aga Khan IV, convertendo-se ao islanismo com o nome "Shirin", que significa "doçura", suicidando-se em 1965, tudo muito rápido como as bolhas de champagne que bebiam.

O Barão insiste nas modelos inglesas, casando-se em 1956 com Fiona Campbell-Walter, e um divórcio ainda mais caro, em 1964. Fiona depois se envolveu com um homem muito mais novo, Alexander, filho do armador Onassis, que morreu com 24 anos em um acidente de helicóptero.
Heini e Fiona tiveram dois filhos, FrancescaLorne Freiherr, que se converteu ao islamismo, não casou e é produtor/diretor de cinema). Já Francesca se casou muito bem, com Karl Habsburg-Lothringen, o herdeiro do extinto Império Austro-Húngaro, filho do Arquiduque Otto. Os avós de Karl, Karl I e Zita de Bourbon-Parma, foram os últimos Habsburgos reinantes, por pouco menos de 2 anos, até o final da Primeira Guerra, quando Karl I foi deposto (não abdicou, detalhe sutil); posteriormente Karl I foi beatificado (um passo antes de ser declarado santo) pelo Papa João Paulo II, em 2004; e o processo para beatificação de Zita também está correndo no Vaticano. Chiques, não? E outra conexão brasileira: o milagre atribuído a Karl I foi a cura, inexplicável pela ciência, das veias varicosas que tornavam inválida uma freira brasileira.

Mas a fase brasileira do Barão só começou em seguida, casando-se com Denise Shorto, riquíssima, frequentadora, com sua irmã Charlene Shorto, de todas as colunas sociais brasileiras e do jet-set internacional na época. Viveram juntos por 17 anos, com um filho (Alexander), até um divórcio muito mais caro e conflituoso, com acusações mútuas de sonegação (ele) e roubo de jóias de família (ela).

Uma fofoca interessante (traduzo livremente uma entrevista do colecionador e marchand Eugene V.Thaw, publicada na Architectural Digest em fevereiro de 2008, e que está na internet, clique aqui) é que "em algum estágio do casamento Denise tinha, com o consentimento do Barão, um amante, Franco Rapetti, que se tornou um grande fornecedor de obras de arte para Heini: pinturas de grandes mestres e do barroco. Ao mesmo tempo, as obras do período modernos eram adquiridas em NYC de marchand Andrew Crispo, que logo se tornou famoso de um modo negativo, envolvido em um caso de assassinato ligado a sadomasoquismo, conhecido como Máscara da Morte? E mesmo o Rappetti acadou caindo ou sendo jogado de um apartamento em Manhattan. Ele sabia demais, já que havia muita coisa envolvida na batalha por acesso ao Barão, marchands em amplas redes de intermediários e comissões super-lucrativas ..."

Outras histórias interessantes, para quem lia a Interview brasileira, são as que envolvem Charlene Shorto, irmã da baronesa Denise, e seu marido, o lindo modelo Cacá de Souza, e o estilista da haute-couture  Valentino Garavani. Cacá tinha 18 anos quando conheceu Valentino; companheiros inseparáveis; até que Cacá conhece Charlene e esta paixão falou mais alto, casou-se com a jovem linda (e rica, claro); as fotos do casal na praia de Ipanema, mesmo em preto e branco na antga Interview são inesquecíveis, o sorriso aberto de Cacá e a sensualidade loura de Charlene. Segundo publicado em revistas sobre o jet-set, Valentino deixou de falar com o antigo protegido, até que um telefonema insistente teve que ser atendido: era Cacá comunicando o nascimento de seu primeiro filho, Sean; e o convite para que Valentino fosse o padrinho da criança. Irresistível, vem o perdão, e Cacá e Charlene trabalham para o costureiro, Cacá é o relações-públicas, mesmo depois do divórcio Charlene (hoje Charlene de Ganay) continua tendo tarefas na maison de Valentino; e Valentino é o padrinho de Sean e de Anthony, os dois filhos do casal, e herdeiros de toda a fortuna do estilista. O amor é lindo, e todas as pessoas desta história são lindas, Cacá não é mais aquele jovem de sorriso aberto das fotos da Interview mas continua lindo em seus cabelos grisalhos; tem um sítio em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, em uma Casa Vogue antiga tenho fotos do sítio, dele e de Sean e Anthony, dois belos rapazes.

E a história segue, estas histórias paralelas caberiam em um blog inteiro, assim volto ao Barão. Uma boa fonte para este underground do mercado de arte e do sadomasoquismo no jet-set são os números antigos da Vanity Fair. Sobre o crime da Máscara da Morte, alguns artigos na internet, clique aqui e aqui. E sobre a morte do Rappetti, um colunista do NYT que o conheceu bem (e que também detalha no artigo outras fofocas sobre o Barão e suas esposas) diz que teria sido um suicídio causado pelo excesso de cocaína, clique aqui.

Bom, em 1981 o Barão conhece uma antiga Miss Espanha 1961, Carmen Cervera, ou Tita, ex-mulher do ator Lex Barker, antigo Tarzan e um dos muitos (ao todo 7) ex-maridos de Lana Turner, a "Garota do Suéter", a inesquecível mulher fatal de The Postman Allways Rings Twice. Lex foi casado 5 vezes e estava noivo da futura 6a. esposa quando um enfarte fulminante o levou, caminhando nas ruas de NYC poucos dias depois de completar 54 anos, muito jovem e ainda charmoso.

Lex era um galã, alto e muito bonito, e Lana um símbolo sexual; um casal perfeito de Hollywood; mas o casamento  acaba quando Lana, com um revolver, expulsa Lex de casa; ele havia estuprado Cherryl Crane, filha de Lana, então com pouco mais de 12 anos; em uma sequencia de abusos que, segundo a autobiografia de Cherryl, se iniciara há algum tempo. Pobre Cherryl, poucos anos depois, com 14 anos, foi a vez dela usar uma arma, desta vez uma faca, e matar o gangster Johnny Stompanato, guarda-costas e amante de Lana, que, extremamente ciumento,  extorquia e espancava a atriz, ameaçando desfigurar seu rosto. Cherryl foi absolvida, posteriormente assumiu seu lesbianismo, trabalha como corretora de imóveis em Palm Springs e foi um apoio para Lana em seu período de decadência, devido principalmente ao alcoolismo da atriz. Ufa!

Em menos de 6 graus de separação, portanto, vamos do Barão Thyssen-Bornemisza a Johnny Stompanato e ao submundo de gangsters da California (o filme L.A. Confidential coloca Johnny Stemponato como um personagem secundário), como fomos do Barão a John Kennedy via Onassis.

Abro parênteses:
A teoria dos 6 graus de separação é muito interessante, e serve como base para os vários sites de relacionamento a partir do Orkut. Segundo esta teoria,  são necessárias no máximo seis "laços de amizade" para que duas pessoas, no mundo inteiro, estejam ligadas. Assim, A é amigo de B (1 grau), B é amigo de C (2 graus)... Se pegarmos duas pessoas quaisquer do Planeta Terra, elas podem ser ligadas em uma rede menor que 6 graus. 
Quaisquer pessoas, pensei agora em um exemplo meio louco, a Madonna (sim, a superstar) e a Dona Deusa, a auxiliar de minha mãe em Teresina, Piauí. Não me pergunte como seriam todas as redes possíveis, mas vou tentar uma delas:
Madonna  ---  Jesus Luz  ----  D.Christiane, mãe de Jesus Luz  ---  minha amiga Virgínia (sim, a mãe de Jesus Luz trabalhava em um salão de beleza em Ipanema como tinturista e cuidava da cor do cabelo de minha amiga e de muitas outras pessoas no Rio)  ---  eu  ---  minha mãe  --- Dona Deusa.
Fácil, exatamente nos 6 graus de separação, com possíveis simplificações: ir direto da Madonna para a sogra D.Christiane e de Virgínia para minha mãe, e chegamos a 4 graus de separação entre a Madonna e Dona Deusa. Faça a brincadeirinha, é engraçado.
Esta teoria inspirou uma peça e um filme muito interessantes. No filme, que se passa em NYC, um rapaz (interpretado pelo Will Smith) que se diz filho de Sidney Poitier, entra na vida de um casal rico, o marido é marchand, e a partir daí vai entrando na vida de pessoas da elite americana.
Eu tenho uma sub-teoria, a de que ao se analisar a elite, o jet-set, a realeza, o patriciado, em qualquer época; e se usar para os "graus de ligação" um conceito mais restrito, o de "parentesco de sangue ou sociedade em negócios ou conhecido no sentido bíblico" (veja que o conceito usado na teoria original é muito amplo, o que é "amigo" parece mais com "amigo virtual" ou apenas "conhecido"), as ligações, todas elas, se fazem em bem menos que 6 graus, talvez 4.
O jet-set é muito incestuoso, sempre foi, haja visto os Habsburgos, os Bourbons, o círculo em torno de Napoleão, e mesmo os Césares de Roma com o monte de Julias e Otávias.
Fecho os parênteses.

Com o casamento com Tita, Heini adota Borja, um filho que Tita teve como produção independente, complicando mais ainda sua sucessão. As relações entre o Barão e seus filhos se agravam a partir do casamento com Carmem, a quem a filha Francesca descreve como "a madrasta má". A partir de um derrame, Heini entrega o controle das empresas ao filho Georg; posteriormente o Barão e a Baronesa (na verdade a Baronesa, comandando o Barão já parcialmente inválido) acusam Georg de negligência nos negócios; a Baronesa até mesmo, como tentativa de tirar o controle dos negócios de Georg, alega que este não seria filho do Barão e sim de seu cunhado. Após uma longa disputa judicial, um acordo é assinado. 


Uma grande preocupação de Heini era a de não dispersar sua coleção, e para tal entra em negociações com várias instituições e governos. Inicialmente a Suíça, país onde morava e onde já estava a coleção; mas a proposta do governo suíço, para ele, foi insuficiente. A Disney acenou com a possibilidade de abrigar a coleção em Orlando, na Flórida, e os governos da França e da Alemanha entraram na disputa. Margaret Thatcher, na época primeira-ministra da Inglaterra, escreveu várias cartas ao Barão, informando-o de que investiria 220 milhões de dólares para erguer um museu em Londres, e o lobby inglês se completou com uma visita do príncipe Charles ao magnata. O barão declarou ter se divertido com o assédio, mas declinou gentilmente as propostas. 

Sua escolha finalmente foi pela Espanha, onde passou seus últimos anos de vida, e atendendo também ao desejo da Baronesa para se firmar socialmente de forma mais completa, como benemérita diretora de uma Fundação importante em seu país. O que a princípio seria uma doação acaba como uma cessão com custos; por cerca de 350 milhões de dólares, o governo espanhol arrendou 830 obras da coleção, para sediar a coleção reforma o antigo Palácio de Villahermosa, construído entre o final do século XVIII e o início do século XIX, em Madrid.  Mais tarde, outras peças da coleção Thyssen-Bornemisza ganharam exibição permanente num monastério medieval perto de Barcelona, no antigo Mosteiro de Pedralbes. E assim a coleção, como o Barão queria, ficou coesa e aberta para o público, que pode, como eu fiz, admirar as obras-primas em uma tarde ensolarada em Madrid.


Leia ainda: Obituário do Barão no Telegraph

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Madrid em maio

Uma viagem com tempo curto, uma programação intensa e muita disposição: nada mais que 12 dias do mês de maio, entre Madrid, Bilbao e Paris, para conhecer o Guggenheim de Bilbao, os novos (para mim) espaços de arte em Madrid e Paris e, como motivação maior, 2 exposições em Paris: "Vanités (C’est la vie)" - claro, meu tema preferido - e a retrospectiva do Lucien Freud. O planejamento inicial evoluiu, incluindo uma ida a Metz para conhecer o recém inaugurado (ainda com cheiro de tinta fresca) Centre Pompidou-Metz, e o resultado foi melhor que o planejado, conto aqui no blog.

Talvez eu seja muito americanizado, como Carmem Miranda e a bossa nova. O fato é que nos últimos anos (décadas) privilegiei viagens para meu playground artístico predileto, NYC, deixando a Europa de lado. Este ano tomei coragem, e com as prestações da última viagem (NYC em outubro de 2009) pagas e um passaporte novo, cá estou andando na Gran Via de Madrid que está completando 100 anos e que, juro, já se chamou, nos tempos franquistas, Avenida José Antonio (não confundir com a paulista Brigadeiro Luiz Antonio, o de Madrid é barra-pesada, é o fundador da organização fascista Falange).

Agora um parênteses no meu texto. Minha primeira viagem a Madrid foi há longos anos, em plena ditadura do Generalissimo Francisco Franco e também em plena ditadura no Brasil, assim eu flanei pela Avenida José Antonio e fui em excursão ao principal passeio turístico, o tal Valle de Los Caídos, um bosque e uma igreja incrustada em uma montanha de pedra, e que são na verdade um monumento fascista em homenagem aos mortos da Guerra Civil espanhola; uma marca dolorosa para o povo espanhol, pois foi construído com exploração do trabalho dos vencidos na Guerra Civil.
Quando voltei a Madrid alguns anos depois, o Rei Juan Carlos garantia os primeiros passos da nova ordem, uma monarquia parlamentar; o fascismo era algo a ser totalmente esquecido, e a Avenida voltou a ser Gran Via; e bem que tentei rever, sem segundas intenções, o Valle de Los Caidos, mas os guias turísticos me olhavam com suspeita, disfarçavam, mudavam de assunto, o passeio não fazia mais parte de nenhuma programação turística, era como se o Valle nunca tivesse existido ou fosse um produto de minha imaginação.
Bom, hoje, em 2010, talvez a Espanha tenha chegado na um tempo sem radicalismos, o fato é que ao final dos menus de passeios turísticos, provavelmente o passeio mais brega, lá está o Valle, agora com um plus: o ditador F.F. também está enterrado lá (não sei se isso é um plus ou um minus, enfim). Fechar parênteses.

Realmente outros tempos (a velha piadinha sem graça, "a Espanha finalmente entrou para a Europa"). Madrid é uma cidade linda, bem conservada, muito limpa, pujante na nova arquitetura que é feita sem destruição do antigo; os serviços funcionam muito bem, o Aeroporto foi reformado e está lindo e funcional (e ligado ao centro da cidade por metrô, que diferença dos nossos); a vida noturna é íntensa e mais barata que em Paris; e a vida cultural também bombando.
É o que me interessa, fui lá para isso, e muito fácil, os principais museus todos em uma mesma linha, um passeio para se fazer a pé. Ou pelo tour do ônibus regular de turismo, 17 euros por um dia de viagens ilimitadas em duas linhas, podendo saltar em qualquer ponto e retomar o passeio, vale à pena, até para um entendimento melhor da geografia da cidade.
Ah sim, filas grandes nos museus, compensa comprar um passe para todos os museus, pelo menos se evita as filas; embora em alguns museus o passe não dá direito às exposições temporárias.

Primeiro, o Prado. Um clássico, modernizado com uma ala nova para exposições temporárias (expondo as releituras do Richard Hamilton sobre Las Meninas, as de Velasquez, de Goya e as do Picasso), mas o bom mesmo é visitá-lo como a um clássico: Las Meninas, claro, pelo menos uns 10 minutos de êxtase diante desta obra-prima, e os outros Velasquez, as infantas e os reis; e os Goya, e o Saturno devorando seu filho (o mesmo Prado tem também uma outra versão do mesmo tema, de Rubens, vale a pena ver e comparar, o expressionismo de Goya é mais ao gosto contemporâneo, mas a visão da mordida e da cara de pavor da criança no quadro do Rubens não tem preço, a criança do Goya é meio um boneco destroçado mas a do Rubens é uma criança viva, como eu, como nós todos); e, ainda do Goya, o "Perro Semihundido", este tão contemporâneo e que me faz lembrar a visita ao ateliê da Lucia Laguna e um tela dela, um estudo a partir do Goya, desconstruindo-o, que foi fundamental para o desenvolvimento de sua pintura. E o Jardim das Delicias e outros Bosch, e os El Greco, e mais, muito mais.

Museo Reina Sofia. Um espaço maravilhoso, amplo, uma junção perfeita da arquitetura antiga (o edifício do antigo hospital projetado por Hermosilla e ampliado por Sabatini) com a nova (a expansão feita pelo Jean Nouvel). Um jardim interno delicioso, na ala Sabatini; e uma praça agradável com um bar muito gostoso, na ala Nouvel, são os espaços de convivência.  Perfeito? não tão perfeito assim, achei o museu com um fluxo meio confuso, algumas exposições ou obras se perdem completamente; mas nada que um bom design não possa remediar. A dica: entre pelo predio principal, o Sabatini, nós entramos pelo Nouvel e ficamos meio perdidos até nos situarmos.
Um museu de primeiro mundo, com muito espaço disponível, um acervo monumental (Guernica finalmente em seu pouso, eu a vi pela primeira vez no MoMA, "asilada" segundo orientações do próprio Picasso, aguardando a redemocratização espanhola, e depois no Prado) e exposições temporárias de peso.
Sim, as exposições temporárias. As principais:
1- Retrospectiva do artista alemão Thomas Schütte, nascido em 1954 e que foi aluno do Gerhard Richter.Eu conhecia pouco o trabalho do artista, assim foi muito bom ver uma retrospectiva tão extensa e bem montada, com esculturas, cerâmicas, projetos/maquetes, desenhos, pinturas e principalmente instalações, combinando as demais midias; uma obra forte, coerente, política (uma série fantástica de esculturas, Dirty Dictators, são bustos de ditadores com fisionomias contraídas, esgares, caretas) e também poética, frequentemente em grandes escalas e bem ancorada em conceitos muito precisos e execução primorosa.

2- Martín Ramírez, Marcos de reclusión. Morto em 1963, mexicano que passou a maior parte de sua vida internado em hospitais psiquiátricos na California, construiu uma obra pessoal e obsessiva. Eu tinha grande curiosidade pelo seu trabalho, muito badalado em termos de outside art, mas ao ver uma grande exposição como esta me decepcionei um pouco, achei um tanto repetitivo, e com resultados que não chegam aos de um Bispo de Rosário.

3- "Desvíos de la deriva. Experiencias, travesías y morfologías", com curadoria de Lisette Lagnado e Maria Berríos, apresenta projetos arquitetônicos/urbanísticos utópicos (a maioria dos quais não chegou a ser construída) brasileiros e chilenos. A exposição tem para nós, brasileiros, portanto, um significado especiais, mostrando o trabalho de artistas bem conhecidos nossos: Flávio de Carvalho, seu traje de verão, os projetos para prédios e palácios não construídos e também o de sua casa na Fazenda Valinhos (com páginas de revistas de época, O Cruzeiro, Casa e Jardim...); Lina Bo Bardi; Sérgio Bernardes e outros modernistas utópicos brasileiros. E também, claro, para conhecer trabalhos chilenos na mesma linha, que conhecemos tão pouco: Juan Borchers, Roberto Matta...

Andando um pouco, chegamos na CaixaForum Madrid para La solitude organisative, uma exposição do artista Miquel Barceló. Adoro, é um de meus pintores prediletos, a partir da exposição que vi em 2003 na Pinacoteca de SP. E agora fico  muito feliz em poder ver outra exposição grande deste pintor, que, segundo falou Martin, um jovem espanhol que jantou conosco, não é muito bem visto no meio artístico espanhol atual; talvez muito comercial; não sei; a partir deste comentário tentei ver a exposição com olhos mais críticos mas acabo gostando mais ainda do Barceló e de suas pinturas, desenhos e esculturas extremamente matéricos.
O espaço da CaixaForum também é lindo, os arquitetos aproveitaram um prédio antigo e acima dele construíram espaços de exposição, com um muro vivo, de plantas, e os muxarabies, janelas que os espanhóis herdaram dos mouros, a reclusão a partir de treliças colocadas nos balcões; mas os arquitetos fizeram um muxarabie de terceiro milênio, em aço córten com textura cortada a laser.
Na entrada, uma escultura do Barceló, um imponente elefante equilibrado apenas em sua própria tromba. E no espaço expositivo, a obra do artista aparece, distribuída em sete módulos; são os desenhos (destaque para as aquarelas feitas às centenas na África), pinturas (os mares, as bibliotecas, os vegetais e os seres marinhos, as "paisagens para cegos"  que parecem "pintadas em braille"; as cabras, os crânios, os gorilas, os retratos e auto-retratos...), esculturas, cerâmicas, uma obra múltipla e que celebra a vida e arte, uma pintura que se impõe no espaço a partir de um peso interno e da forte matéria pictórica.
Um bom catálogo também, com um resumo da trajetória "nômade" do artista e de suas casas: Maiorca, Barcelona, Madrid, Paris, Portugal, Genebra, NYC, além das muitas temporadas em pequenas cidades na África.


E o Museu Thyssen-Bornemizsa. Lindo, instalado em um Palácio do Século XVIII-XIX especialmente reformado para abrigar a coleção, o Palacio Villahermosa, um excelente acervo com uma visão sequencial da história da arte ocidental, do medieval ao modernismo, complementa exatamente o espaço entre o Prado e o Reina Sofia bem como as coleções destes outros museus: o primeiro com a pintura mais antiga e um acervo extenso, e o segundo com foco nos modernistas, artistas espanhóis e arte contemporânea.
Uma exposição temporária, muito boa, Monet e a Abstração, aborda o trabalho de Monet como  importante no desenvolvimento do Expressionismo Abstrato e outras formas de abstração. Monet, que nas primeiras décadas do século XX teve seu trabalho em ostracismo, voltou a ser valorizado a partir dos anos 1950 com o Expressionismo Abstrato. Assim, obras de Monet, em especial algumas da série das ninféias, são colocadas junto a obras de Pollock, Lee Krasner, De Kooning, Rothko, Helen Frankenthaler... e de outros artistas onde se pode ver abstração embora não sejam expressionistas abstratos, como Turner, Gerhard Richter, Cy Twombly e mesmo o surrealista Andre Masson.
Se o Museu Thyssen-Bornemizsa impressiona, me trouxe também curiosidade sobre a vida do Barão e da Baronesa, cujos retratos imponentes e kitsch dominam o hall principal da construção; uma leve lembrança de talvez ter lido em colunas sociais que uma brasileira era a mulher deste Barão aumentou minha curiosidade; uma pesquisa rápida pela internet me abriu um filão interessante, mas isto fica para o próximo blog.

Outro "museu" a visitar foi o Museo del Jamón, alimento não para o espírito como os outros museus e sim para o corpo, uma cadeia de bares/restaurantes, meio o que seria aqui no Rio um lugar tradicional como o é Cervantes (ih, outro espanhol), que se pode comer no balcão mesmo, sem decoração sofisticada mas comidas deliciosas: presuntos de todo tipo, claro; frutos do mar, paellas, queijos também deliciosos, tapas; cervezas, viños... tudo muito gostoso e não muito caro.

Se o tour de ônibus dá uma ideia global da cidade, não se pode dispensar andar a pé pela Gran Via, Plaza Mayor, o centro antigo, até o Palacio Real; no caminho, muito bem restaurado, e um point gastronômico que ferve tanto no almoço como na happy hour, o Mercado de San Miguel. Um mercado antigo, lindo, em ferro e vidro, totalmente recuperado, transformado em lojinhas de tapas, queijos, jamón, viños, cervezas, ostras e champagne francês, caviar, vodkas, drinks sofisticados e drinks básicos, pães, doces, cafés, chocolates, pasta... tudo possível e imaginável, de todas as regiões da Europa pelo milagre do Mercado Comum... Atendimento excelente, pessoas lindas, muito movimento, um lugar para degustar muitas outras vezes.

Encontramos nossos amigos, o pintor Gonçalo Ivo, sua mulher Denise e seus filhos Antonia e Leonardo, que moram em Paris e estavam em uma semana de férias em Madrid, nos deram muitas dicas e que apresentaram a restaurantes muitos bons, a cada noite íamos a um novo lugar, em um crescendo gastronômico e em conversas cada vez mais interessantes; mas o destaque da programação com eles foi mesmo o happy-hour no Teatriz, o antigo teatro redesenhado pelo Philip Stark como um restaurante fantástico, um lugar onírico... e com um champagne frances mais barato que em Paris...

Madrid surpreendeu, um lugar lindo, barato, movimentado, com muitas opções culturais e gastronômicas. E uma característica para mim inusitada. Nós, brasileiros, falamos muito da tal "lógica portuguesa", ("esta estrada vai para tal lugar?" "não sinhoire, ela fica aqui, se ela for nós ficamos sem estrada" e outras coisas do tipo). Pois descobrimos que na verdade é uma "lógica ibérica", na Espanha menos acentuada que em Portugal mas que se manifesta para os brasileiros espantados. Nosso batismo nesta lógica foi no primeiro café-da-manhã no Hotel; o horário para o café estava bem explícito, das 7h às 10h; o que fizemos? claro, chegamos às 9:45h para ver com surpresa que exatamente às 10h, quando ainda estávamos no suco de laranja e no primeiro croissant, toda a mesa farta estava sendo desmontada, muito rapidamente; corremos para salvar o resto do café-da-manhã que afinal deveria nos manter alimentados até mais tarde em um dia de muitas caminhadas; ao reclamarmos com a gerente, ela explicou que estava bem divulgado que o horário de encerramento é às 10h. Ela tem razão, claro, dentro da lógica ibérica cartesiana, "pelo ponto de vista do estabelecimento, se encerra às 10h, às 10h as pessoas não tem mais nada para comer"; só que por nossa lógica, "pelo ponto de vista do consumidor, se o horário é até as 10h, pode se chegar até este horário, encerram-se as entradas no local, não o serviço, até mesmo por que é um buffet". Enfim, são pontos de vista discrepantes, e chega a ser engraçado; mas tudo se passa numa boa, sem conflitos, afinal temos muitos mais coisas em comum que diferenças com a Espanha...

domingo, 6 de junho de 2010

Um vinho, um vinho, um vinho

Paris, perto de l'Opera, o lugar onde antigamente os turistas brasileiros iam comprar os perfumes e olhar, só olhar, os produtos no Fauchon. Sim, mangas e carambolas a preço de uma fortuna, os turistas brasileiros riam, na feira da General Osório as mangas custam uma ninharia, saíam e iam comprar os tais perfumes; hoje, o Fauchon é mais bonito que nunca, todo rosa Schiaparelli (clique neste link e é uma overdose de rosa, pink, minha cor predileta e também da avó da Marisa Berenson, e do Fauchon também, claro), se modernizou, lá agora pode se comprar um kit com sushis ou com caviar e degustar lá mesmo, em mesinhas e tamboretes como os do Baixo Leblon, mal comparando, pães também, deliciosos, e mesmo um simples capuccino.
Mas não ficamos no Fauchon, e as lojas da Maison Chanel não resolveram nosso problema. Minha companheira de viagem tem encomendas, encomendas caras, uma delas é um tamanco Chanel, para mim um tamanco Dr.Scholl atualizado, de salto alto com um detalhe de uma flor do lado, discutível para o meu gosto, mas pelo preço é um produto que separa os de alta renda dos de baixa renda; difícil encontrar o tal tamanco; a viagem inteira uma busca do tal tamanco e de outros objetos de desejo. Já escreveram muito sobre o consumo conspícuo, eu não vou entrar nessa e escrever mais bobagem sobre isso.
Quero escrever sobre o nosso outro compromisso no l'Opera: conhecer a Lavinia. Uma loja de vinhos. Disse meu amigo que mora em Paris: a melhor de todas. OK, acredito, vou lá ver, e dou minha mão à palmatória:  oui! É realmente a melhor, e eu estive pela California, por NYC, pela Itália toda, pela Argentina, até pela Serra Gaúcha... mas vinho realmente é na França.
A Lavinia se faz presente: além das adegas (os vinhos em si), dos produtos para ajudar na degustação dos vinhos ( das taças de cristal aos decanter em cristal até os simples abridores e sacolas para levar vinhos em picnics, ah! Le Déjeuner sur l'herbe...)
Bom, achamos a loja, e fomos vendo como as coisas acontecem. Comidinhas deliciosas (um queijinho francês básico em homenagem a Paris e, para quem acabou de chegar de Madrid, um jamón fatiado é a pedida).
A degustação é de terceiro milênio. Na  loja, duas torres projetadas para uma degustação automática, um self-service, o que conceitualmente é muito engraçado. Você compra um cartão magnético com 10, 15 ou 20 euros, passa o cartão em um aparelho de leitura e a máquina atualiza do valor no cartão e serve uma dose do vinho escolhido.
Duas torres: uma para vinhos branco e outra para vinhos tinto, na temperatura ambiente. O preço das doses depende, é claro, do vinho escolhido .
Entendido o esquema, só nos resta curtir. Um cartão "básico", de 10  euros, uns queijinhos e jamóns, são três taças para cada um de nós, mas POR QUE COMIGO TUDO SEMPRE É DIFERENTE? Eu paguei 10 euros pelo cartão para as degustações, quando coloco meu cartão nas torres, o computador diz que o meu cartão é de 100 euros? OK, vou beber até cair, penso, tenho vontade de ser gauche na vida, mas a educação que Seu Antonio e Dona Genu me deram é mais forte, volto à caixa, faço uma pequena confusão para retomar o valor verdadeiro no cartão, os tais 10 euros. Sou bobo?
(acho que sim, sou bobo, mas tenho histórias sobre esta minha pseudo-honestidade, vou escrever no blog, na verdade não acho que é tanto "honestidade", ética no sentido abstrato, filosófico, para mim o determinante é a coisa prática, ser desonesto é muito menos prático do que ser honesto. Também vou contar no blog o dia em que eu ganhei na minha conta do banco mil vezes o meu salário, e não sabia o que fazer com isso. Acho que eu sou um mutante, um novo tipo de ético-prático, sei lá, enfim.)
Voltamos à Lavinia, devolvi o cartão "full" e voltei ao meu básico-terra. Bom, acho que pela minha honestidade eles poderiam me dar um upgrade, sei lá, seria ótimo, mas não fizeram isso, ficaram passados e me devolveram o cartão já reduzido aos 10 euros, nem me agradeceram. O mundo é ingrato, a Lavinia também.
Enfim, la nave vá, e as degustações também, os tais 10 euros são sabiamente gastos.
Mas.
Claro.
Nas torres de degustração um vinho se destaca. A dose é 15 euros. Uma dose. Um premier cru. Eu jurava que os premier cru tinham sido codificados como premier cru na época do Napoleão Bonaparte, o que se fez coroar, ele, pessoalmente (e que poderia ter coroado os premier cru, teria melhor resultado que se coroar a si e à Imperatriz Josefina, enfim), mas a Santa Wikipedia me salva, a classificação é de 1855 quando Napoleão já tinha ido desta, talvez envenenado por arsênico. Vou ao caixa (por que não erram de novo e me dão uma garrafa?). Jogo no cartão de crédito, 15 euros é uma pechicha. Muito menos que o tal tamanco Chanel, que custa inacreditáveis 500 euros. Um shot. OK.
Um premier grand cru classé.
Um Chateau Mouton Rotschild, safra de 1978.
Ao lado, um "segundo vinho de um grande Chateau", o Les Forts de Latour (do Premier Chateau Latour) é outra pechincha, o shot a 10 euros. Mas se eu vou abusar, abuso em grande estilo. Refil no cartão, 15 euros. Meu shot. Uau.
Vale cada centavo. O aroma é indescritível. Um viño que amadureceu cada dia dos seus 32 anos (uma criança), em uma cave, ele não envelheceu como eu, como todos nós, ele amadureceu, c'est la difference. Ele ganhou um aroma divino, de um bosque, de folhas úmidas em um bosque, de um deus, de um deus que fosse francês e morasse dentro de folhas úmidas em um bosque; talvez um fauno, um pã, um devoto do tal Dionísio; e de pele, de pelica, de couro, de uma fábrica de bolsas de grife, um Louis Vuitton ou não, mas não na hora das vendas, e sim quando as bolsas estavam sendo feitas e o couro exalava aquele aroma selvagem. De um vinho selvagem, mas há tanto tempo? Já domado, dominado, sim, mais ainda selvagem, mas me dizendo, a cada cafungada em meu shot de 15 euros, de onde ele veio, de que terroir, em que solo pedregoso de Bordeaux nasceram as videiras e onde ele foi colhido, pisado e engarrafado, e me apontando para antes, muito antes, para um mundo onde o tempo e o saber fazer, a expertise, valiam alguma coisa, onde uma garrafa era diferente da outra, onde não existia um McDonalds, onde você aspira o que há de aroma de uma taça e isto te leva a uma viagem para um infinito.
Que mais, além das folhas úmidas, do couro? um cheiro deste infinito, de uma selva onde deuses gregos poderiam dançar mas que optaram por ficar, estáticos; um cheiro de sexo, não o sexo fácil de um turista, não o sexo cansado de um viúvo, e sim o sexo de uma primeira noite, de um namoro recente, de um tirar as roupas e se esfregar com força e com desejo. Um cheiro de sutilezas, flores e frutas de bosque meio passadas, como quando você faz amor e acorda no meio da noite e os morangos e a vodka que você ofereceu a quem compartilhou o momento com você estão fazendo seu caminho rumo à decadência, e você também, mas é muito bom estar com alguém então você volta a dormir.  Um beijo rápido e você volta a dormir, e isso é tudo, mais um abraço só para dizer que ainda estamos juntos, é exatamente este aroma, o aroma de um sexo fulgente e que continuará em uma eternidade de beijos meio dormidos. Um aroma das trufas, de quando se cava a terra úmida e se encontra um presente, uma dádiva do deus que mora na terra úmida, uma trufa? nunca, talvez um diamante, quem sabe, ou nada, mas neste momento você se envolve em si mesmo e o aroma é seu, é o seu suor de amor, é do couro dos cavalos que não saem da estrebaria (meu Deus, não existem mais estrebarias, só garagens sem espaço de estacionamento), da vida que te aponta: para frente e para o alto!
Um, dois, três.
(o milagre do vinho: começa sempre como uma coisa frutada, intensa, pimentões, grama cortada e frutas vermelhas; e evolui para este aroma sutil, de sexo, de carne, de couros e de suor, de decomposição e de transcendência; alguns evoluem, claro, outros morrem no meio do caminho, como as pessoas).
Bom, estou em Paris, sem medo de ser feliz, sem medo de dar bandeira.
Dois belos italianos (me lembro de andar nas ruas de Milão há muitos anos e murmurar para os belos e belas que passavam, chiques em seus casacos negros: bellissimo!) fazem a mesma viagem que eu, dois shots, um para cada. E eles ganham em euro, eu não, tudo bem, na hora de pagar o cartão de crédito eu dou um jeito. Os italianos conversam, racham  outro shot, estão se divertindo em Paris e eu também, faço um brinde com eles, viver é bom, eu gosto.
Na boca meu shot não é tão deslumbrante como no nariz, mas certamente é o horário (início da tarde) e a companhia gastronômica (queijos, jamón, este Grand Cru Classé estaria bem com uma vitela, um funghi, alguma comida mais pesada, mas temos que continuar a tarde em outros passeios).
Volto a aspirar minha taça, quero ela comigo, para o resto de minha vida, guardar este aroma comigo até o final de meus dias.
A taça está quase vazia, coloco duas gotas em meus pulsos, como se fossem um perfume.  E that's it. Inesquecível. Para o resto de minha vida.
Na adega da Lavinia, uma garrafa do Chateau Mouton Rotschild, safra de 1978, custa 450 euros, assim os 15 euros para o shot está nos conformes. E não é nada, não é nada. Uma garrafa do Chateau Petrus de uma boa safra custa nada menos que 4 mil euros.
Enfim. São aromas que vem e se vão, como a vida; e a vida vale muito mais do que tudo, em euros ou em reais, só se precisa ter crédito no cartão para poder pagar, e usufruir; e mesmo sem crédito, a vida é boa, muito boa; e ela nos ensina que há momentos e há terroirs que são inesquecíveis, e eles valem cada centavo gasto, pois não voltam, não há uma segunda chance.
Thanks, Lavinia.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

O Segundo Caderno

Antigamente, muito antigamente, os jornais no Rio eram publicados e distribuídos em faixas de horário, alguns jornais saíam pela manhã (o Correio da Manhã, claro, e o Jornal do Brasil) e outros saíam a tarde (o Diário da Tarde, claro, e O Globo), fora as inúmeras edições extras no decorrer do dia, quando assuntos palpitantes o exigiam: novidades sobre o caso Aída Curi, sobre o crime da Rua Sacopã, sobre a crise dos mísseis, sobre a renúncia do Jânio, sobre o assassinato de Kennedy.
Hoje parece estranho, mas não custa nada lembrar que não havia internet com as últimas notícias, e a TV não tinha esta abrangência que tem hoje, uma notícia importante de última hora só podia ser tratada por um "Alô, alô, o seu Reporter Esso em edição especial", com a voz empostada do locutor, sem imagens: "Da.llas.ur.gen.te...a.ssa.ssi.na.do.o.pre.si.den.te.Ke.nne.dy!!!". E o rádio, claro.
Os jornalistas não trabalhavam domingo, assim os jornais da manhã não saíam na 2a.feira, neste dia magro de notícias a solução seria aguardar O Globo da tarde; ou o Jornal dos Sports, impresso em papel cor-de-rosa (sem nenhuma conotação gay).
Quando vim morar definitivamente no Rio, no prédio modernista do Parque Guinle, em um verão escaldante, pedi duas coisas a meus pais: um aparelho de ar condicionado (na época, um luxo!) e uma assinatura do Jornal do Brasil, que eu me habituara a comprar todos os dias.
E eu lia, e devorava: as notícias, a política e, principalmente, o Caderno B.
Lá eu lia sobre o Tropicalismo, sobre o Estruturalismo, sobre a censura e sobre a nouvelle vague, sobre os filmes do Godard que eu ia ver depois, no Paissandu (eu estava na platéia na histórica sessão da 6a.feira quando o curta-metragem sobre a Betânia foi vaiado e Caetano falou bem alto para que todo o cinema ouvisse: "Betânia é um gênio!"); sobre as exposições no MAM que eu visitava no domingo a tarde, meio sem entender meio entendendo; sobre as bebedeiras no Zepelim e em um Ipanema mítico que eu não frequentava, ainda era um tanto criança, fazia o segundo grau no Colégio Zaccaria, fui à passeata dos 100 mil com o uniforme de calça cinza e camisa azul clara com uma flor de lis bordada no bolso, uma cara de garoto e um coração a mil.
À Cinemateca do MAM e ao Paissandu eu ia, mesmo com a carteira falsificada com uns anos a mais, quando completei 18 anos fiquei muito feliz e me senti adulto, já reivindicando com meus pais um carro (o tal fusquinha cor de café-com-leite); mas não às custas da assinatura do JB, esta era sagrada.
Quantos livros eu li, quantos filmes eu assisti, sem lê-los ou vê-los, apenas a partir das resenhas no Caderno B, quantos shows, quantas festas do que se chamava high-society, quantos festivais de cinema em Cannes, quantos happenings em Londres ou NY, quantos Les Deux Magots com Sartre e Simone? quantas vidas vivi nas páginas do Caderno B, nas crônicas do Carlinhos de Oliveira, nas colunas sociais da Léa Maria...
Uma resenha me mandou a Copacabana, uma tarde de sol, na Petit Galerie que era pequena mesmo, um corredor, a primeira individual do Antonio Dias, lembro como se fosse ontem: as pinturas/objetos viscerais que me perturbaram com sua estranheza, seu erotismo, sua força de novo; que me fizeram dizer: eu quero ser artista.
E quando se instalou a diáspora intelectual, quando os artistas foram perseguidos, tiveram que sair do Brasil, se exilaram, e mandavam para nós canções, filmes, pinturas, fotos, eu sabia de tudo, acompanhava tudo, pelo meu Caderno B de todas as manhãs (exceto nas 2as.feiras, claro). Eu, apenas um estudante, 10 anos a menos que a geração que mandava ver nas artes, mas unido a eles na minha leitura diária.
Outros jornais vieram e radicalizaram: o Pasquim, Movimento, Opinião, mas o porto seguro era o JB, o Caderno B.
E o Globo? claro que não, era um jornal de direita, apoiava a ditadura, populista, sem conteúdo. Diz-me que jornal lês, e te direi quem és.
A assinatura do JB me seguiu, já adulto, do Parque Guinle para meu primeiro apartamento em Ipanema. Os anos 1980 trouxeram outras bandeiras, outros nomes, outras análises, outros mitos. Gláuber morreu, Godard ficou chato.
Até que um dia tive que tomar uma decisão radical. Não me lembro exatamente quando foi, mas o JB estava decadente, sem assunto; e a decisão foi: deixar o jornal que eu leio todas as manhãs há décadas, e passar a assinar o concorrente, o "de direita". Foi um pouco como mudar meu nome, ou, mais ainda, fazer uma operação de troca de sexo.
E assim assinei o Globo; nos anos que morei em Brasília mantive a assinatura no Rio e lia o jornal pela internet; quando vinha ao Rio a pilha de jornais me aguardava, e eu lia todos eles; mas, juro! um pouco com a sensação de que orgasmos bons são os da juventude, segundo caderno bom era o B que eu lia no Parque Guinle.
A gente se habitua, quantos casamentos de longos anos se habituam a não ter sexo? eu me habituei a ler um Segundo Caderno fraco, bobo; e a lembrar dos áureos tempos, quando as revoluções em arte eram feitas no Caderno B, quando a diagramação do Amílcar mudou a forma de se ler jornal, quando o concretismo e o neo-concretismo dissecavam suas posições no jornal, quando a revolução dos costumes, a liberação sexual, o 1968 em Paris, chegavam para mim no jornal.
Não fazem mais revoluções como antigamente, quem precisa de uma revolução hoje em dia, basta uma bolsa da Louis Vuitton.
Caiu o Muro de Berlin. Lula foi eleito, reeleito, com o mensalão ficou claro que não se busca mudança verdadeira, apenas mudança de comando, ser coroado Imperador como Napoleão, a história se repete como farsa, he said, he (Marx) said.
Até que hoje, em pleno Terceiro Milênio, uma "simples" mudança de comando, de editores, no Globo, faz uma revolução no Segundo Caderno.
Acho que um mês, mais ou menos. Uma nova concepção de cultura, pautas bem elaboradas, matérias bem pesquisadas, textos fluidos e agradáveis, boa diagramação, boas fotos. Ótimos colunistas convidados. Uma força para o novo, e também um pé no chão: agenda, programação, notícias de interesse das comunidades (artistas, músicos, escritores, atores...).
Meu dia quente é 2a. feira (aquele dia em que não tinha jornal pela manhã e só o Globo à tarde vinha suprir nossa carência de notícias), o dia em que se aborda especificamente Artes Visuais; mas na verdade Artes Visuais está em todos os dias, espalhado em Gente Boa (que substituiu as odiosas colunas sociais que ainda resistem no esquálido JB, falando de uma elite que já perdeu totalmente o significado), em matérias; hoje, por exemplo, na capa, com uma ótima reportagem sobre a Louise Bourgeois (com depoimento da Denise Stoklos, que a conheceu bem e produziu um espetáculo baseado em texos da artista). Um luxo. Nada a invejar do Caderno B de antigamente.
(enquanto isso, o atual JB publica no obituário da Louise Bourgeois: "morre a musa do surrelismo", será que eles acham que quem morreu foi a Gala ou a Dorothea Tanning?)
Enfim, muito feliz com meu jornal e este novo caderno de cultura que está de primeiro mundo.
Não sei se vão conseguir manter o nível por muito tempo, por anos, por décadas, mas sinceramente espero que mantenham, e melhorem ainda. O jornal também conseguiu levar "meu assunto" para outros locais: a revista continua publicando matérias sobre artes visuais, talvez com um enfoque mais de consumo e praticidade, e mesmo as colunas de economia já estão considerando o mercado de arte como digno de nota.
Tudo isso é muito bom, e só tenho que agradecer sinceramente a Dr.Roberto Marinho e aos editores (que não conheço) pelo fato de hoje, após anos, eu posso com toda a sinceridade dizer que fiz a escolha correta ao mudar de jornal; e não foi nem como mudar de sexo; é como se agora eu estivesse tendo meus primeiros orgasmos após mudar de jornal; anos depois; enfim, sempre é tempo.
E um pedido: subam mais o nível, lembrem sempre do Amílcar fazendo a diagramação e do Ferreira Gullar divulgando em primeira mão o não-objeto no Caderno B, um paradigma para todos os cadernos de cultura de todos os jornais do mundo.