Hoje, sábado chuvoso no Rio, vontade de ficar na cama mas um compromisso me acorda cedo; elétrico, enfrento a chuva e o metrô para o Laboratório de Vivência Literária, um workshop de dia inteiro com o escritor Luiz Ruffato, na Estação das Letras.
Como preparação para a atividade, os participantes deveriam levar um texto, de preferência um conto, com até 6000 caracteres (ah meu Deus, sempre este stress de contar toques), e isso em uma semana que para mim foi cheia de trabalhos, cursos e eventos, além de uma inesperada noitada de 5a.feira depois da abertura de uma exposição. É bom sair, em companhia agradável, beber, chegar em casa com o dia claro; mas a 6a.feira, o dia em que eu contava para burilar meu texto, se tornou muito curta. Paciência.
Eu vasculhei meus arquivos no computador, incrível, tantos textos inacabados ou enormes, muito acima das duas laudas. Muitos fragmentos, para desenvolver ou dar um sentido só tendo uma 6a.feira de 48 horas. Muitos textos "fortes", politicamente incorretos, e eu não quero repetir a experiência de ter sido tão patrulhado na Oficina de Crônicas que fiz no início do ano.
Finalmente, um texto que é um fragmento de um trabalho maior, um romance que planejei em meu exílio em Brasília e que deixei de lado ao voltar ao Rio. O título (provisório, claro) do romance é "Doce B. e o Tigrão". Risos, o efeito meio cômico é o desejado mesmo.
E o trecho com mais 12 mil caracteres, incluindo espaços, tem as cartas que o narrador troca com sua sogra e seu irmão, e que narram sua adaptação em uma nova vida, tentando esquecer sua tragédia; e que pouco a pouco são substituídas por emails que são a transição do narrador para novos interesses, e a preparação para a entrada em cena de um novo personagem, o Tigrão. Ufa.
Dito assim, difícil fazer caber o texto nos 6 mil caracteres, mas foi o que fiz na 6a.feira: cortar, cortar, cortar. Cortar o irmão, no romance faz muito sentido mas neste conto que estou produzindo não acrescenta, só dispersa. Resumir as cartas a apenas três, três momentos chave na nova vida que o narrador procura desesperadamente. Finalizar com o que no romance está em outro trecho, a descrição da tragédia.
E, ao final, ver que faz sentido. Nada como trabalhar com restrições de número de toques e com deadlines.
Tarefa cumprida, meu texto impresso a tempo, protegido da chuva e também no pen-driver para maior segurança, aqui estou eu.
Li pouco, muito pouco, do escritor Luiz Ruffato. Apenas o livro da coleção Amores Expressos, Estive em Lisboa e Lembrei de Você, muito bom. E agora, motivado pela expectativa do workshop, comecei a ler seu principal livro, Eles eram muitos cavalos. Uma pauleira. Um livro que se começa e não se consegue parar, um clima de tensão constante; um mosaico, um caleidoscópio, uma cidade e seus personagens, cada personagem falando em sua própria linguagem e tudo se somando em uma cacofonia de uma São Paulo, uma megalópolis que poderia ser qualquer outra, ou não.
Treze alunos, doze textos (uma moça não conseguiu escrever, diz; outra ia ceder para ela um dos dois textos que trouxe, mas desiste). Tiradas as cópias dos textos, cada um começa a ler o seu; vem os comentários, inicialmente tímidos, cortezes; depois mais incisivos, mas sempre pertinentes. Ruffato é um bom moderador, mais que isso, é um leitor muito sagaz, nesta primeira leitura, rápida, ele extrai do texto as fragilidades, as inconsistências e os pontos positivos; não dói, pelo contrário, é desafiante ouvir que meu texto, de certa forma feito meio que "nas coxas", pode ser melhorado, com um trabalho de alguma reescrita.
Os textos lidos vão de uma densa viagem interior sobre um relacionamento a uma seca descrição de uma tarde em um bar de periferia; entre estes extremos, textos que dão vontade de continuar a ler, ou que são pesados mas que podem servir de base para um novo trabalho; ou que são totalmente perfeitos em seu humor e o que poderia ser (ou não) memória de um final de adolescência e passagem para a vida adulta.
O trabalho flui bem, o medo que eu tinha de não se conseguir ler e comentar todos os textos se mostra infundado, terminamos apenas 10 minutos depois do horário marcado, e ainda tive o prazer de, no breve intervalo para o almoço, comer um quibe na mesa do escritor e ouvir alguns causos interessantes de Minas Gerais.
Três dos participantes do workshop já são veteranos desta atividade com o Ruffato, e a qualidade de seus textos mostra isso, esta evolução. Bom, vou reescrever meu texto, e volto no próximo com outro texto mais bem trabalhado.
E algumas lições que levo para casa, a partir do que nos disse Luiz Ruffato:
a) Ler muito
b) Buscar interlocutores, outros escritores com os quais me identifico
c) Escrever sempre
d) Disciplina
e) Reescrever
f) Tentar sempre compreender que história está tentando ser contada
E o meu conto? Em princípio, Três Cartas e uma Memória. Vou reescrever, e quando achar que está razoável, publico aqui no blog.
Enquanto isso, disciplina; e as lições acima valem também para pintura. O que faz a pintura é o que faz o bom texto: trabalho, trabalho disciplinado e prazeroso, que envolve o corpo e alimenta o espírito, que exige estar sempre ligado, sempre buscando os interlocutores, na literatura e na história da arte.
Um árduo caminho, uma escada íngreme e estreita, a sensação do ar cada vez mais rarefeito e o prazer de (1) chegar lá (2) ver que ainda há mais escada para escalar, e que o "lá" é sempre além.
Clique aqui para ler as crônicas que produzi na Oficina de Crônicas, Dever de Casa e Carnaval de Antigamente.
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2 comentários:
Jozias:É sempre um prazer ler seu blog. Bom e aplicado aluno, ainda, faz propaganda do professor. Marcio
Amei ler o seu blog.Os relatos e as produções. Parabéns você é mesmo "multitalentoso".
Também tenho um monte de crónicas escritas que partilhava só com os amigos, mas deixei cair esse meu lado.
gabriela
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