quinta-feira, 8 de julho de 2010

Sobre escrever um blog

Escrever um blog é como mandar mensagens ao mar dentro de garrafas.
Quem me lê, alguém me lê, hoje ou em 20, 30 anos, alguém algum dia lerá meu pedido de socorro, minha súplica, alguém algum dia lerá (mais que isso, entenderá) a mensagem do náufrago solitário?
Mas os náufragos solitários não se apertam, eles escrevem mensagens para eles mesmos. Eles tem que fazer isso, ou descer à animalidade, à selvageria, à vitória da entropia.
Nada mais nobre do que a rotina de um náufrago. Acorda, toma um banho de água, salgada mesmo, que jeito; fazer a barba é impossível; sair para trabalhar pode ser escrever nos restos de papel e nas tintas improvisadas alguma mensagem, as garrafas um dia se acabam, é preciso ser preciso, não desperdiçar textos, usar as poucas garrafas para textos significativos; jogá-las ao mar pode ser um ritual, imagino que o final do expediente do náufrago; depois disso uma happy-hour, um brinde ao dia de trabalho, meio difícil o álcool, os poucos barris de amontilado que vieram no naufrágio também se acabam; mas o náufrago sobrevive dia após dia mesmo sem o papel sem a tinta sem as garrafas vazias sem o álcool; as mensagens vão rareando pela falta do meio físico e se tornando mensagens telepáticas no ar. A desmaterialização do suporte, diria um crítico de arte.
A internet é maravilhosa, além de nos dar (a nós, os náufragos solitários) a tribuna, o espaço para mandar nossas mensagens, ela nos possibilita acompanhar o andamento das garrafas flutuantes em um mar de megabytes.
Eu consulto e vejo: quantos visitantes novos em meu blog, quantas páginas lidas, como chegaram lá; gráficos, histogramas, tendências, é bom para acompanhar um blog de milhões de acessos, para um blog que se propõe a ser jornalistico. Para mim, a média diária de 40, 50 acessos é fantástica, eu tento pensar em 50 pessoas, em cada uma delas, entrando em meu blog e lendo o que eu escrevo; algumas delas gostam, poucas delas deixam comentários, outras odeiam, revoltadas, mas a maioria simplesmente navega (como eu navego em muitos outros blogs), lê um pedaço do texto, divaga nos links, curte (ou não) as imagens.
O texto: uma opção que eu fiz é por um texto anti-internet. Sempre que alguém revisa meu texto diz, em canetas vermelhas: parágrafos muito longos, muitos adjetivos, reduzir. Eu sei. Eu sei. Eu sei e não acredito nisso. Meu texto é chato mas é meu.
As poucas vezes em que tive que submeter meu texto a restrições de "no máximo 2000 caracteres incluindo espaços" eu pude ver como sou prolixo (palavra que tem lixo em seu radical).
Eu escrevia e escrevia, aí usava o "contar palavras" do Word e via que tinha ultrapassado, muito, muito, meu limite; e saía cortando. Fácil, mata adjetivos (uso muito), mata as divagações (uso muito), tenta ser um Hemingway com as frases curtas, conciso, eu heim, tou fora, não quero ser um E.H., ele se matou e eu espero sobreviver à ruína, à depressão e às caipivodkas.
OK, vamos manter o texto, e os leitores enfadados?
Minha leitora preferencial é minha mãe. Claro. Nos seus 83 anos de vida ativíssima, ela me cobra se eu deixo de escrever um tempo, ela se refere ao meu blog como a minha "coluna", lembrança talvez de um tempo de jornalismo de resistência, quando ela assinava colunas em jornais e presidia sindicatos de jornalistas lutando contra a ditadura. Ela me cobra detalhes, eu falei da ajudante dela, Dona Deusa, para exemplificar os 6 graus  de separação; ela me falou da outra ajudante, irmã de D.Deusa, a Dona Loura, que ficou triste por não ter sido citada. OK, falamos sobre a D. Loura também. Parênteses.
(Dona Loura, em Teresina Piauí Brasil também tem 6 graus de separação entre ela e a Madonna, sim a cantora performer multimidia em London e agora em NYC, a saber: Madonna -- Jesus Luz -- D.Christiane mãe de Jesus Luz -- Virginia Paiva pintora e que tinturava seus cabelos com Christiane -- minha mãe D.Genu --- D.Deusa --- D.Loura, irmã de D.Deusa. OK. D.Loura, that's it.)
O texto flui e eu tenho muitas personalidades, uma delas é o Bukowski, bebendo e escrevendo, escrevendo e bebendo, ao invés do Jozias Benedicto sou o Jozias Bukowski e meus textos cobertos de álcool e cheirando a suor vão direto para a editora. Bullshit.
É uma de minhas personalidades fakes. Não a real. Sim, e tenho outras personalidades fakes.
Eu na verdade não curto o Bukowski, deus o tenha, curto a personalidade do B. mas ler seus textos é triste. São chatos, muito chatos. Como não curto alguns outros representantes da estética do "loco demais", o Williams Burroughs, por exemplo; ele, a vida dele, o máximo; a voz rouca dele em um CD com a Laurie Anderson, também o máximo; mas ler o Naked Lunch (ou ver o filme do Cronenberg) é totalmente boring. Talvez eu seja um leitor careta e tenha parado nos escritores do absinto.
Parece que eu sou um louco, talvez seja, ou um naif sobre o blog, mas isso eu não sou. Penso sobre isso, sobre o que é ser um blogueiro, sobre o formato blog em comparação a outras formas de veiculação de pensamentos, e penso em ser de uma certa forma, o anti-blog.
Minha referência é Proust, não é Hemingway, não são os jornais on-line. Um louco eu sou, mas OK, meus 40-50 leitores diários podem nem concordar mas pelo menos clicam no meu blog, no meu texto chato e com parágrafos enormes.
Como eu acompanho meus leitores, acho gratificante os que vem ler minhas mensagens nestas garrafas virtuais de http:. E acho muito engraçado os que vem enganados.
Vejo nos gráficos de acompanhamento do blog que um best-seller para meu blog são pesquisas sobre "churrasqueira". Engraçado, mesmo.
Uma pessoa que se beneficiou da recente ascensão da classe C ou D, com a bolsa família, subsídios para construção, resolve fazer uma churrasqueira; com a internet subsidiada, ele procura no Google, digita a chave de pesquisa "projetos de churrasqueira" ou algo assim. Claro; ele quer apenas construir uma churrasqueira na sua laje ou em seu quintal para os chopps de sábado; e aí é direcionado para meu blog, onde comento as fotografias de churrrasqueiras, um trabalho do artista Leonardo Videla; tudo a ver ou nada a ver; imagino o carinha da classe C dizendo nada a ver mas ao mesmo tempo exposto à arte do Leo Videla, vendo nas fotos do Leo que talvez churrasqueiras em lages talvez possam ser arte, que talvez arte possa ser vida e que vida talvez possa ser arte; talvez aos poucos impregnado com a arte que se esconde a cada encruzilhada de um Googele para assaltar o visitante incauto.
Outro best-seller de meu blog é o texto sobre as aquarelas da Margaret Mee. Provavelmente os leitores vão em busca de reforço para a sensação de que elas (as aquarelas) são o máximo. São sim, como aquarelas, ilustração botânica; eu mesmo acho que fui fundo demais em meu texto em dizer que sim, ok, bonitas, mas não são arte, são ilustração; aí, imagino os leitores decepcionados, xingando o Google e me xingando também.
Arte é isso, pela margem, pelas bordas. Faço arte ao driblar o Google. Faço arte em meu blog, tosco, barroco, pós-moderno, mostro que na internet é possivel se manter uma linguagem pré-internet. Enfim.
Quem são meus leitores, além de minha mãe? Acho o máximo quando estou em um lugar, exemplo, o MAM na abertura da exposição da Cristina Canale, e pessoas me dizem que leram meu blog. Pode até ser mentira, mas se elas se sentem compelidas a mentir ao invés de ignorar, para mim o resultado é positivo. Isso me basta. Acho o máximo quando pessoas me tratam como se meu blog fosse formador de opinião, como se fosse um validador, como se eu não gostei de uma exposição sobre a qual eu não falei. Nada disso.
Vejo muita coisa, gosto de muita coisa, vivo muita coisa em minha rotina de náufrago; mas não sou um jornalista, não sou um crítico, não sou um historiador, não sou um cronista.
Algumas das coisas que vejo, apenas algumas, independente da qualidade, da permanência, da viabilidade, da procedencia... despertam em mim a vontade, a ansia de escrever... poucas, apenas algumas, me levam a este teclar que adentra a madrugada ate a conclusao de um texto publicado enfim.
Saber que estou jogando garrafinhas com mensagens neste mar da internet, e que, como o custo de armazenamento dos gigabytes diminui a cada momento (há teorias para isso, dizem que a cada ano a capacidade dobra com o mesmo custo, ou seja, o custo cai à metade), estas garrafinhas virtuais ficarão muito muito tempo circulando em um mar de bits e bytes, que envolve nossa vida e mudou o mundo, dos relacionamentos aos conceitos sobre o que é a Arte.
Isso é bom, uma revolução, e quero estar vivo na pequena ilha e poder continuar mandando as mensagens de  náufrago em outras mídias, em outros contextos, em outros universos.
(casos documentados de náufragos que, após anos de mensagens em garrafas, foram encontrados - não por causa das garrafas mas de acasos que fazem as navegações, todos os tipos de navegações - e não quiseram deixar a ilha, a solidão, pediram apenas mais tinta, papel, garrafas, barris de amontilado... e continuaram suas rotinas de acordar, banho, escrever mensagens, jogá-las ao mar em garrafas).
Como viver.

Um comentário:

Fabiano Devide disse...

Josias, como bom náufrago, continue escrevendo e nos oferecendo seus textos escritos nas madrugadas embriagadas. São bons e não importa se 50 ou 500 os lêem ao dia, mas como diz Umberto Eco: "-Sem leitores não haveria texto.", nem os múltiplos sentidos que o texto pode produzir.