sexta-feira, 2 de abril de 2010

Cachorros azuis são eternos

Não o conheci; eu estava em Brasília quando ele frequentava o Parque Lage, meus amigos me falavam dele, do livro, e me falaram de sua morte. Rodrigo de Souza Leão.
Hoje, leio o livro (Todos os Cachorros são Azuis), emprestado por minha amiga Virgínia, que o conheceu bem. O livro que leio é precioso, tem dedicatória em uma letra tremida (“À Vivi, um pouco do meu caos. beijo amigo do Rodrigo 02/04/09”), que engraçado, sincronicidade talvez, a dedicatória é datada exatamente de um ano atrás, eu estava um bom tempo com o livro que Virgínia me emprestou e exatamente hoje, 02/04/2010 o abri para ler e já estou quase terminando, de um fôlego só. Sem parar, uma escrita que prende, que envolve, que entra no corpo do leitor até a medula.
O Rodrigo (que não conheci mas agora conheço um pouco mais) está presente em cada palavra, em cada página deste livro, pequeno mas profundo; ele, ou o personagem, que engoliu um grilo aos 15 anos, que já adulto engoliu um chip, que quebrou a casa para salvá-la de cupins gigantes;  e seus alter-egos ou amigos imaginários ou amigos reais ou companheiros de internação, Baudelaire e Rimbaud. Personagens, Lembra-Vovó, a Senhora de Todos os Gritos, o Temível Louco, com seis assassinatos/estupros no prontuário, mas que temia o personagem/o autor pois lhe parecia com o Pai, que o espancava. O medo, a loucura, a prisão, a liberdade, os remédios.
Eu já estava tomando tanto remédio, que estava com aquela baba elástica bobina e viscosa, como dizia o escritor.
Um livro pequeno, 78 páginas, mas profundo, como os abismos da mente, como a consciência de se estar louco ou no limiar, como o saber que nesta caverna o sol não entra, como o saber que desta caverna não se sai vivo. Da vida. Da loucura. Da vida não se sai vivo.
A primeira liberdade é sair do cubículo. A segunda liberdade é andar pelo hospício. Liberdade, só fora do hospício. Mas a liberdade mesmo não existe.
Leio sem parar, é um livro pequeno, as 78 páginas são lidas rapidamente. Hoje, feriado, um dia de sol no Rio, fui à praia, encontrei amigos, bebi uma deliciosa caipirinha de kiwi com gengibre e limão; mas à noite minha viagem é na clínica onde o personagem/Rodrigo foi internado, eu também estou nesta clínica e sou seu companheiro, seu amigo imaginário como Baudelaire e Rimbaud, e sei que só vou sair deste cubículo, desta prisão, como Rodrigo, para um mundo que nos dá uma falsa sensação de liberdade.
Como Rodrigo, morto tão jovem, que talvez tenha saído deste mundo e desta falsa sensação de liberdade para  a verdadeira liberdade, para o não-ser.
Ainda continuo na jaula. A minha boca está fechada com uma mordaça. Meus pés estão presos. A música sai de mim e volta, não posso causar mal nenhum a não ser a mim mesmo.
Rodrigo, eu também.
"É junho. / Tem festa junina no hospício. / A quadrilha dos loucos está em fila. Os que tomam Gardenal não falam. Outros tomam Haldol. Outros são dependentes químicos. Outros estão doidos por uma cachaça e jogam sinuca de bico. Ninguém quer entrar na fila pra dançar. Nenhum psicótico quer dançar. Nenhum oligofrênico quer deixar de dar cabeçadas na parede. Mas Rimbaud está contente e dança sem tristeza."


Mais:
Rodrigo manteve um blog, lowcura, até sua morte, de um enfarte, em 02/07/2009. O último post é de 25/06. Clique aqui para o blog
Site muito bom, com muitas informações sobre Rodrigo, clique aqui
Rodrigo colaborava com vários sites, o Revista Agulha um deles, outros são a Germina e a Revista Zunai
Além do Todos os Cachorros são Azuis, Rodrigo publicou, em 2001, um livro de poemas, Há flores da Pele (Editora Trema)
Boa entrevista com Rodrigo, feita pelo Ramon Mello, clique aqui. Ramon é um jovem poeta, estou lendo seu livro Vinis Mofados, muito bom, em breve falarei dele no blog



3 comentários:

Anônimo disse...

que bom que o rodrigo virou teu amigo também!ele e você merecem!


vivi

Anônimo disse...

que bom que agora vocês se conhecem!

vivi

Cláudia Carvalho disse...

Tão rápida a passagem de Rodrigo pelo Parque Lage, e tão inesquecível. Também ganhei meu exemplar de "Todos os cachorros..",e nos encontramos rapidamente depois- ele saindo e eu chegando.Combinamos de conversar sobre o livro na próxima aula, que não houve para ele. Uma pena, eu tinha tantas coisas pra dizer!