terça-feira, 6 de abril de 2010

No Jardim de Ervas Daninhas

Jardim das Daninhas, a exposição da artista Rosana Palazyan, na Casa França Brasil, transforma a imponente alfândega de Grandjean de Montigny em um bucólico jardim ou pracinha, com caminhos entre canteiros de plantas, casulos de borboletas que se abrem e um realejo que toca e revela sortes em pequenos papéis coloridos.
Mas à medida em que caminhamos entre os canteiros e lemos as frases delicadamente bordadas com fios de cabelos ou impressas nos papéis da sorte, penetramos em uma realidade cruel, de comunidades periféricas, de moradores de rua, de vítimas de violência, de marginalizados de toda a sorte.
A arte, para Rosana, é uma ferramenta de transformação social, e ao dar a voz em seu trabalho aos marginalizados da sociedade, a artista contribui para um diálogo e um caminho de integração dos mesmos.
Na performance O Realejo este diálogo se faz de uma forma bem emocional. O som do realejo nos leva a um passado mítico, e a sorte que tiramos em um papel colorido nos indicaria talvez um futuro brilhante ou um amor transformador; no entanto, o papel traz apenas parte de um depoimento de um morador de rua ("...mas a gente não é louco. A gente tá falando sozinho porque a gente tá coordenando a mente..." foi a sorte que eu tirei).
Na instalação No Lugar do Outro, uma sala totalmente branca tem um pequeno móvel "de hospital", e dezenas de frágeis casulos brancos na perede; alguns casulos se abriram (na verdade, em uma performance na inauguracão da exposição foram abertos por biólogos) e deles saíram, como borboletas, delicados bordados com fragmentos pessoais de moradores de rua entrevistados.
(Uso a palavra "entrevistados" para os moradores de rua que participaram do projeto por um defeito de linguagem, o correto talvez fosse falar não de "entrevistados" mas de co-autores do trabalho da artista, é o que eu acho; mas o circuito de arte ainda, mesmo hoje, preza a "autoria" de um trabalho)
Finalmente, Por Que Daninhas, que acompanha os canteiros, com relicários que funcionam como placas indicativas das espécies, mas tem plantas e frases bordadas com fios de cabelos, que questionam o próprio conceito de "erva daninha". A erva daninha seria uma planta que é considerada , e que precisaria ser destruída, se não iria acabar por invadir e tomar todo o jardim; o que Rosana mostra é que este conceito é ideológico, sujeito a modas; algumas das chamadas daninhas são bonitas, porém não estão na moda, e assim acabam por ser dizimadas; e a artista aplica esta metáfora à própria organização do corpo social, em uma mensagem de integração contra a marginalização.
A exposição é muito bonita, e alia um conteúdo político a uma forma estética bem precisa e sensível.

Em edições anteriores do Realejo, inclusive na Bienal de SP, o realejo conta com um periquito amestrado, que retira a sorte com o bico e a entrega ao espectador. Aqui no Rio, um tal  Secretário Especial de Promoção e Defesa dos Animais censurou a participação do pássaro; a gaiola do realejo ficou vazia e o homem do realejo, totalmente passado, dizia apenas que "o periquito não pode vir"...
... É irônico, eu acho: esta censura, o próprio conceito de uma Secretaria de Estado de Defesa dos Animais que "defende" os animais acima da integridade de uma obra de arte, é uma característica bem marcante de nosso tempo, este tempo de supremacia total de uma ideologia do politicamente correto, de um neo-conservadorismo do Estado que, em tática para mascarar os verdadeiros problemas, ataca pequenos problemas, passando através da mídia a sensação de que se está resolvendo alguma coisa.
Assim, proíbe-se o periquito amestrado na performance do realejo, censura-se os desenhos do Nelson Leirner feitos sobre fotos da Anna Geddes, persegue-se os "mijões" nos blocos de rua no Carnaval (enquanto nos mesmos blocos os batedores de carteira e mesmo assaltantes a mão armada "trabalham" livremente).
É irônico, já que ao meu ver a exposição trata exatamente disso, ao questionar uma ideologia dominante que define seres como daninhos para, marginalizando-os ou exterminando-os, perpetuar seu poder.

4 comentários:

Anônimo disse...

Ervas Daninhas são plantas que interferem com os objetivos do ser humano quando ocorrem em um local e num momento indesejado. No entanto, a beleza deste ser vegetal e suas virtudes podem ser descobertas se a definirmos de forma diferente, pois os pensamentos são orientados pelas definições. Ervas daninhas são plantas cujas virtudes ainda não foram descobertas

Natalie Vidart Badia disse...

Gosatria de dizer que a comparação que a Rosana fez poderia talvez ser ainda mais aprofundada. O estudo da evolução mostra que existem três tipos de planta: cultivadas, daninhas e silvestres. As cultivadas são bem diferentes das silvestres, mas as daninhas evoluiram ao lado das cultivadas, aproveitando as oportunidades que a agricultura criou, tal como o preparo da terra e a adubação. Os grupos marginalizados também crescem a partir da "oportunidades" da sociedade. Uma visita ao aterro de Gramaxo mostra bem como um grupo de humanos evolui se adaptando às "oportunidades". Duvido que alguém, que não é deste grupo de humanos adaptados, possa ir neste lixão sem ter vontade de chorar.

Alfredo Herkenhoff disse...

excelentes observações

Wesley disse...

Parabéns muito bacana o seu blog!!!