domingo, 13 de dezembro de 2009

Lendo Rubem Fonseca, O Seminarista


Grande expectativa em torno de O Seminarista: o retorno de Rubem Fonseca ao romance, pois depois do romance Mandrake, a Bíblia e a Bengala, de 2005, o escritor lançou apenas um livro de contos (bom, Ela e Outras Mulheres, 2006) e um de crônicas (fraco, O Romance Morreu, 2007). É também o primeiro livro de Rubem Fonseca em sua nova editora (Agir), após o rompimento de uma parceria de 20 anos com a Companhia da Letras. O lançamento é acompanhado por um volume com uma reedição de um conto do escritor, A Arte de Andar nas Ruas do Rio de Janeiro, ilustrado com fotografias de seu filho, Zeca Fonseca. Enfim, o livro é lançado com ampla cobertura na midia, fica disponível também pelo Kindle, tudo para ser um cult no final de ano.
Ao começar a ler, uma certa sensação de déjà vu. Sei que o romance retoma personagens (um matador de aluguel, o Especialista, e seu contratador, o Despachante) e também situações, de contos antigos, mas a sensação de que "já li isso antes (e melhor escrito)" é grande e me incomoda. Apesar disso, a leitura flui bem, o livro prende, o ritmo se acelera em cenas de um quase-Tarantino, e ao término deixa comigo aquele sabor de "quero ler mais".
E vou aos contos Belinha, Olívia e Xênia, do livro Ela e Outras Mulheres, onde José, o Especialista, aparece, juntamente com o Despachante e as situações que são desenvolvidas no romance.
Nos contos o assassino quer umas férias; no romance, quer se aposentar; e os enredos vem a partir disso: impossível sair simplesmente dessa atividade, pois sabe-se demais; e o caçador vira caça. Mas a releitura dos contos me mostra que estes são muito melhores que o romance, mas compactos, a energia condensada em poucas páginas não se dispersa, as cenas de matança não tem o tom exagerado de um filme de ação e sim a secura, a concisão, de boa literatura. Uma cena que é aproveitada inteira a partir de um conto para o romance, a do freguês-cadeirante, está bem melhor no conto (perdeu muito no cut-and-paste). E a protagonista feminina do romance, a alemã Kirsten, não tem a força de uma Belinha ou uma Xênia.
Outro problema sério no romance são incongruências, impensáveis em um escritor do porte de Rubem Fonseca, e que aparentemente escaparam às revisões, mas que são percebidas por mim, leitor atento e chato:
A partir da página 33, o Especialista começa a contar como matou o Despachante: "Mas, para isso, tive que matar o Despachante, depois explico por que e como". Na página 76-77, finalmente o Especialista conta como matou o Despachante, não sem antes fazê-lo tirar os óculos escuros e ver seus "olhos azuis rutilantes". Mas logo depois, na página 77-78, o Especialista flagra Kirsten com o Despachante, e percebe por que ficara perturbado ao conhecer a alemã (na página 33) e ver seus "olhos azuis rutilantes". Bom, a aparição do Despachante vivo logo após a descrição de sua morte não é problema, a morte pode estar sendo contada em um flash-forward. Mas se o Especialista só viu os olhos azuis do Despachante ao matá-lo, como poderia ter se perturbado ao conhecer Kirsten e ver pela primeira vez seus olhos da mesma cor? se nesta altura ainda não havia morto o Despachante, tanto é que, já vivendo algum tempo com Kirsten é que ele encontra os dois juntos e ambos vivos, claro.
Ainda: A partir da página 90, o Despachante vai para Buzios em uma missão de busca de informações preciosas e potencialmente letais; ele e o Especialista se comunicam por telefone, o Despachante desaparece, o Especialista vai a Buzios e descobre (página 93) que o Despachante havia sido morto: "Um camarada de óculos escuros? Foi liquidado" "Onde está o corpo?" "No Oceano Atlântico". Como o corpo efetivamente não aparece, o leitor imagina que na verdade o Despachante estaria vivo,e retornaria, para então, em outra virada da trama, ser finalmente morto pelo Especialista, como este já narrou; o que não acontece. E o leitor atento fica frustrado, descobrindo que está diante de erros que uma revisão mais cuidadosa não deixaria passar.

Em suma, apesar destes problemas, é um bom livro, vale a pena ser lido, embora perca na comparação com os ótimos contos do escritor (comecei a reler, a partir de Os Prisioneiros, e cada vez gosto mais) e com seus grandes romances como Bufo & Spallanzani, A Grande Arte Agosto.

2 comentários:

Sonja disse...

Encontrei seu blog procurando algo que me ajudasse a entender exatamente o que você mencionou sobre o Especialista ter matado o Despachante. Também nao entendi a amarracao destes trechos. Na hora cheguei a relê-los, mas para mim também nao fez sentido. Por outro lado acho estranho ser um erro de revisao, pois teria sido um erro muito óbvio. Gostei do livro, mas isso também me incomodou.
Um abraco,
Sonja

Thiago disse...

Encontrei seu blog pela mesma razão que Sonja. Fiquei com essa pulga atrás da orelha e decidi reler o livro. Só então percebi que o despachante não morreu quando o especialista disse que o matou. Ele sobrevive. Quando ele reencontra o Despachante no café com Kirsten, ele menciona que acha que era um "avatar", pois acreditava que ele estava morto. Ele menciona também que os ossos do rosto dele parecem uma máscara de gesso, e em um outro trecho ele menciona que o despachante não expressava reação por debaixo da máscara de silicone, ou seja seu rosto fora desfigurado, mas ele sobreviveu ao ataque. Relendo as páginas 77/78 isso fica mais claro...

Forte abraço!