terça-feira, 28 de setembro de 2010

Erotismo e Apropriação (Fábio Baroli)

Em janeiro deste ano escrevi aqui no blog sobre uma "descoberta": Narrativas Privadas, série de pinturas do artista Fábio Baroli, de Brasília, que me impressionaram de maneira muito forte.
Depois disso, conheci melhor o Fábio, conversamos bastante sobre arte, e em julho fui surpreendido com um convite do artista para escrever, com base no texto que escrevi para meu blog, uma apresentação de sua exposição individual no Centro Cultural Adamastor, em Guarulhos. Esta individual veio em decorrência da premiação recebida pelo artista no 9 Salão de Guarulhos (2009).

Foi uma encomenda interessante, transformar um texto escrito descontraidamente, em linguagem de blog, em outro texto que falasse sobre a obra do Fábio sem perder a informalidade, um texto "de artista para artista" e não um "texto crítico".

A exposição ficou bem bonita, mostra um apanhado da obra do artista, incluindo além das pinturas alguns trabalhos de cunho mais conceitual, e aconteceu ao mesmo tempo da primeira individual do Fábio no Rio, no Anexo da Galeria Laura Marsiaj, com boa repercussão. Na galeria do Rio foram apresentadas pinturas da série Narrativas Privadas; já em Guarulhos as demais séries, com as imagens fortes que descrevo em meu texto, causaram polêmica que teve que ser contornada para que a exposição fosse mantida.

As imagens deste post são o projeto do Fábio para sua exposição de Guarulhos, e dão bem a ideia do que foi a mostra.

Segue também o texto que escrevi para essa exposição:

 
Erotismo e Apropriação

Estava navegando na internet, sem compromisso, quando aquelas imagens me pegaram pelo pé, me derrubaram, me nocautearam. Assim descobri, como um voyeur, a pintura de Fábio Baroli.
Narrativas Privadas é uma série de pinturas concebidas a partir da apropriação de imagens de sites pornográficos. Homens e mulheres, distraídos, tomando seus banhos, com sexos e celulites à mostra, observados de longe, através de basculantes, pelo voyeur-pintor escondido, que se apropria de seus corpos e que ao pintá-los erotiza igualmente suas peles e os azulejos, as torneiras de metal gasto, os aparelhos de gilete. A sensualidade é minimizada, como se o artista "dissecasse" os corpos, ao invés de "expô-los". Os banhistas não são jovens nem belos, mas através da pintura o artista os retira de seus banheiros vulgares, e nos faz desejá-los, objetos de um olhar perverso polimórfico. O prazer de ver uma pintura, de possuir pela visão.
Já na série Semblantes o artista se apropria da tradição da pintura de retratos: o modelo encara o espectador; o claro-escuro destaca a figura centralizada; há a semelhança com as feições do retratado; mas o que domina tudo é um pensamento contemporâneo. O voyeurismo dá lugar a um olhar direto e mútuo, a uma nudez de intimidade; uma intimidade que “filtra” o corpo nu, o torna familiar. São pinturas que congelam em bem pintados retratos o momento anterior ou posterior ao clímax do desejo ou a familiaridade de uma amizade muito intensa.
Outra série, as Apropriações Textuais, apresenta pinturas que tem a tensão de um erotismo rebelde. O artista de novo se apropria da tradição da História da Arte, a domina e a expõe em toda a crueza, em toda a força de um erotismo século XXI, pós-liberação sexual. Uma versão sangrenta, menstruada, da “Origem do Mundo”, de Courbet. Um homem empalado, um Cristo clássico, tem o rosto do artista e genitais expostos na altura do olhar do espectador. Uma cabeça decapitada, um autorretrato, exibida por um carrasco nu com vigor erótico explícito. No auto-erotismo escandaloso do “Autômato”, uma metáfora da própria pintura.
A forte carga de erotismo aparece também nos trabalhos de cunho conceitual, as Intervenções. “Telúrico” é um obelisco, uma árvore exageradamente fálica que foi construída nos jardins do campus da Universidade de Brasília. Em outra instalação, ao se apropriar da Catedral de Brasília “pintando-a” com luz, o artista transmuda o concreto armado em carne, vibrante em um escandaloso tom de rosa. O templo, monumento arquitetônico modernista, se torna uma gigantesca vulva multifacetada.
Na internet, inscreva-se em um site pornô, veja as câmeras de vídeo que a cada momento oferecem a intimidade de várias pessoas, em cidades ou países distantes ou talvez suas vizinhas. Escolha uma imagem, é fácil, basta um clique, e pronto, você está acompanhando todos os detalhes de um corpo desconhecido que se expõe on-line para dezenas, centenas de espectadores anônimos. Você não precisa dizer nada, basta olhar; e para apagar aquela pessoa de sua vida basta fechar a janela do computador.
O erotismo hoje se escancara pela mídia, pela internet; e se torna banal, nada mais surpreende.  Mas ao internalizar o erotismo em sua pintura através do fetiche, da citação, da apropriação, Fábio Baroli consegue "se infiltrar" e "nocautear" o espectador desavisado, como eu naquela noite em que navegava descompromissadamente pela internet e fui parar em uma exposição de arte.  



Clique aqui para ler o post de janeiro de 2010 sobre o trabalho do Fábio Baroli

Um comentário:

Janete M.Bosch disse...

Para mim é um deleite ler o seu blog.Sua sensibilidade e prazer para com a arte é contagiante. Você respira arte e passa isso em seus escritos. Sinto falta de novas postagens. Nos vimos uma vez mas só aqui conheci a alma aberta,pulsante,observadora, disposta a dividir suas impressões e sentimentos nesse espaço. Obrigada e parabéns.
Janete M.Bosch