A melhor parte é o beijo. Eu acho.
"Conhecer alguém" pela internet na verdade é "desconhecer" alguém. Ou melhor, é conhecer (ou ignorar) um pouco mais sobre nossas próprias fantasias.
Melhorou muito, a tecnologia. Encontrei um grande amor, nos idos longínquos de 1998, teclando em uma coisa chamada mIRC: texto apenas, lento, limitado, mas presente em todos os lugares e com espaço para todas as tendências, um verdadeiro fusca. Hoje, com banda larga, SMS, 3G, Blackberrys, iPhones, voIP e outras coisas que a cada momento aparecem, para nos fazem gastar mais e mais, é claro que este "conhecer" estaria facilitado, pelo menos em tese.
Na verdade, as pistas que o real a cada momento nos dá sobre as pessoas, no mundo virtual são apenas fragmentos onde se despositam camadas e camadas de fantasias, de inconsciente pessoal e coletivo.
Começa se se escrever este palimpsesto de nossa "imagem virtual", nosso avatar, com a escolha do nick. Estratégia de marketing, um nome que signifique muito e que pouco signifique, que demonstre o que pretendemos, o que buscamos, mas que ao mesmo tempo esteja aberto para outras interpretações. Que seja fácil de guardar e de recuperar nas filas infindáveis de avatares que se acumulam nas chamadas "listas de amigos" dos sites de relacionamento ou dos canais de chat: "dominador", "A3", "coroaprocura69", "Krente_gostosa", "casado45", "meninamorena", "ursinholindo", "20pegar"... Um leve toque de humor ajuda a fixar a marca, e o céu da imaginação e das fantasias é o limite.
Um avatar pode ter tudo ou nada a ver com o eu real ou o eu social: características físicas, sociais, até mesmo o gênero e preferências. Pessoalmente acho pouco prático usar um avatar completamente diferente de mim, assim como também acho pouco prático mudar de avatar a cada momento, começar tudo de novo com nova personalidade. Mas há os que vivem disso, e é engraçado encontrar alguém um dia para descobrir que é no mundo real a mesma pessoa com quem você teclou há alguns anos, só que completamente diferente no mundo virtual. No mundo da fantasia, mesmo o da política midiática, metamorfoses extremas e radicais são possíveis, basta dizer Shazam! ou escrever uma Carta aos Brasileiros.
Alguns sites são o anonimato do anonimato, neles você não precisa se inscrever, pode ter novo nick a cada momento, basta entrar nas salas segundo sua preferência: amizade, encontros, namoro, sexo, troca de imagens eróticas, por idade, por local. Desnecessário dizer que as mais cheias são as de sexo.
Ao meu ver, o mais interessante e democrático é esta possibilidade de segmentação. O que os avós diziam "um chinelo velho para um pé cansado", e eu chamo da Teoria do Shopping (um dia escreverei sobre esta teoria aqui no blog). Ou a Lei de Say, das minhas aulas de Economia: a demanda cria sua própria oferta. Something for everyone, do capitalismo globalizado do Terceiro Milênio: se há alguém procurando alguma coisa, por mais específica que seja, logo haverá um nicho onde estarão conectadas as demais pessoas que procuram a mesma coisa, e, mesmo que sejam meia dúzia de gatos-pingados, logo estarão no nicho os ofertantes para aquela demanda. Por exemplo, fantasias, fetiches. As pessoas que acham que não encontrariam parceiros por estarem fora dos padrões de perfeição da mídia descobrem que há nichos para elas, e que, mais inesperado, são assediadas por pessoas totalmente dentro ds padrões, que no mundo real elas teriam até medo de chegar perto. Diferente do mundo real onde a censura sobre o desejo é constante, o mundo virtual é o Éden do desejo, sem nenhuma maçã a vista, a não ser os iMac.
Outros sites, pagos ou gratuitos, oferecem a possibilidade de você se cadastrar, criar um perfil descrevendo suas características reais ou idealizadas, armazenar fotos reais ou falsas, trocar mensagens, pesquisar outros avatares segundo características desejadas...
Encontrado alguém interessante, após o bate-papo básico, talvez seja a hora de conversar na webcam. Momento difícil, onde a beleza descrita no perfil talvez não resista à inclemência do olho eletrônico, onde os gatos se tornam menos pardos. Conversar e, se o contato foi ruim, excluir ou bloquear ou simplesmente ignorar; se, pelo contrário, há alguma leve promessa, continuar conversando, quem sabe um namoro à distância, um sexo virtual.
Mas mesmo com toda a luz das webcams, mesmo que o sexo virtual pareça real, ainda é o palimpsesto: uma imagem fugidia de outra pessoa que não tocamos, não cheiramos, e que cobrimos com nossas fantasias; imagem de uma tela de computador que é mais pálida que a imagem de nossos sonhos, que alimenta nossos desejos e deles se alimenta, que nos faz ver o que queremos ver, o que precisamos ver.
A maioria dos contatos fica nisso, no virtual. No escuro, na tela, são tudo, príncipes, princesas, brilhantes, incansáveis, insaciáveis; porém, como vampiros, sabem no íntimo que a luz do sol os tornará em pó; seu leito-caixão é o computador, sua pátria uma distante terra do Nunca. Inventar desculpas para evitar encontros, desmarcar de última hora, dar bolos, e o recurso final de sumir, bloquear, deletar.
Os contatos se fazem em ondas, vão e vem. Um dia é o amor de sua vida, mas logo aparecem outros contatos e daí a uma semana você tem que puxar pela memória para lembrar quem era mesmo aquela pessoa, aquela ligação interurbana na conta do celular feita de madrugada. É como tentar lembrar no dia seguinte de uma festa onde você bebeu demais e flertou demais, só que é o tempo todo assim. E quando reaparece um contato, não há por que cobrar: "sumiu?" é uma cobrança que, além de chata, é totalmente sem sentido no mundo virtual, onde as pessoas são só vultos, fantasmas.
Mas alguns poucos contatos sobrevivem, ultrapassam esta prisão do virtual, e um encontro se faz. Nervosismo. Estou bem? estou exageradamente bem e devo baixar um pouco o tom? Precauções, Listerine, levar pouco dinheiro, deixar alguém avisado, usar roupa de baixo limpa. Comprar camisinhas, sabe-se lá? Tensão quanto a chegar cedo demais, a chegar tarde demais, a esperar pelo outro que não vem; ou desistir muito cedo, ir embora e perder definitivamente sua chance na vida. Tudo isso para, no máximo, uma conversa sem-graça em um café ou um bar, com uma pessoa com a qual você não tem a menor intimidade embora provavelmente já conheça, pela webcam, tudo sobre sua nudez; examinando um ao outro, buscando a palavra que traga àquele bar o momento mágico que viveram no mundo virtual.
Algumas vezes acontece, proporcionalmente poucas, e se evolui para um contato físico. A maioria das vezes, porém, é procurar desculpas, ou, melhor ainda, sair pela tangente, pois é, uma semana cheia no trabalho mas te ligo de novo para outro encontro, pode esperar sentado em frente ao computador.
O primeiro beijo. Enquanto beijam, as pessoas não falam, não olham. Assim, o conhecer o outro que era estritamente verbal e visual, mediado por teclados, webcams, celulares, cede espaço ao mundo real, dos aromas, sensações táteis, peso e leveza, gostos ácidos e amargos, molhados, ritmos e silêncios. A melhor parte, realmente.
(depois do beijo, o sexo que nunca é como era o sexo virtual fantasiado, claro, a realidade cobra seu preço)
E depois do sexo, antes mesmo do se lavar, o preciso contar uma coisa: maridos ou mulheres ciumentos ou acomodados, namorados insensíveis, problemas com os filhos, sonhos arquivados ou perdidos para sempre. Minha vontade é sempre de dizer: não fale, não diga nada. O pior de tudo é quando se fala aquelas duas palavras que atraem catástrofes, que assustam e dispersam multidões: "meu amor"... Mas é preciso falar, há o medo, expectativas, será que vamos nos ver outra vez? Ou será que arranjei alguém que vai ficar no meu pé? Será que eu não devia ter me comportado melhor, ou, pelo contrário, me soltado mais? Será? Será?
Os mais gentis mandam um email ou telefonam depois, mesmo quando não querem mais se ver. Os menos educados nem se despedem direito. Os mais carentes demoram a perceber que foram bloqueados.
Mas nem tudo está perdido. Não foi desta vez, mas quem sabe na próxima encontro meu verdadeiro amor?
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
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Um comentário:
Jozias, muito boas algumas de suas reflexões. Conheço pessoas muito bacanas q perdem horas diárias em sites de chat idealizando pessoas q não existem e sobretudo, arriscando-se de verdade em viagens insólitas nos lugares mais inusitados, onde não possuem nenhuma identidade. Na verdade, depositando suas frustrações e fantasias não são realizadas na vida real pelos mais diversos motivos... Sem censurar as vias pelas quais as pessoas buscam conhecer as outras, o fato é q o face a face continua sendo a melhor delas, em minha opinião. Parabéns pelo texto. Fabiano.
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