Semana passada eu revi a
exposição retrospectiva do
Ivan Serpa no
Paço Imperial. Claro que é pequena para mostrar o que foi o Ivan Serpa, a multidão que havia dentro de um só artista, o espírito solto e o rigor na conduta e na execução, a capacidade de despertar consciência e de agregar valores, a pesquisa, o não compromisso com o estabelecido, a ousadia de sempre buscar novos caminhos, e mais que tudo isto, a suprema estética que ele nos revelava em cada obra sua. Ele esteve sempre na vanguarda do pensamento artístico brasileiro, mas sempre sem se escravizar a uma só linha de pensamento, e espalhou esta sua consciência entre as centenas de alunos. Morreu jovem, com apenas 50 anos, em um abril quente, já são 31 anos. O Brasil não tem memória, isto já virou um lugar comum, e em 2003, quando o Ivan faria 80 anos (e 30 anos de sua morte), tivemos algumas iniciativas dispersas de o lembrar: a exposição centrada na fase op-erótica no
Espaço Cultural Antônio Bernardo e a exposição de um caderno de aquarelas na Galeria Mercedes Viegas. Em vista destas, a exposição do Paço é uma retrospectiva, e apresenta um apanhado da sua obra, calcada no excelente livro sobre sua obra, editado em 2003. Do Paço, destaco uma excelente montagem para a Fase Negra, e o aspecto retrospectivo mesmo, de resumir a multiplicidade das fases em obras significativas. Ver a exposição me remete ao passado, lembro o Ivan dando suas aulas, e fazendo do Centro de Pesquisa de Arte na Rua Paul Redfern da Ipanema dos anos 1970 um centro irradiador da vanguarda em arte mundial. Isto ficou mais forte na minha primeira visita à exposição, logo depois da inauguração, quando lá encontrei com a
Mônica Barki, também antiga aluna do Ivan, minha “colega de bancos escolares”, e rememoramos um pouco o passado. Sem o menor alarde, recebíamos visitas:
Volpi,
Tenreiro,
Helio Oiticica, as Lygias (a
Clark e a
Pape)... e os então jovens como
Waltércio,
Antonio Manuel... e no papel de alunos mais antigos:
Jerry (depois conhecido como
Gerald Thomas), Emil Forman,
Paulo Gomes Garcez... No prédio todo branco, bem perto da Praia de Ipanema e do
Jardim de Alah, aquelas telas da fase dos quadradinhos (a frase ouvida no Centro era: “teve uma época que todos começaram a pintar quadradinhos...”, claro que seguindo o Ivan), as centenas de permutas das serigrafias, as lindas nanquins eróticas vindo do moldureiro (a nossa boa Artefacto). Éramos jovens, tínhamos a vida e a arte pela frente. Os anos 1970 eram os anos de chumbo da ditadura mas em Ipanema havia um espaço de ousar, e para mim no centro desta ousadia estava o Centro de Pesquisa de Arte, e no centro do Centro, a figura carismática do Ivan Serpa. Hoje, uma surpresa: na novela das 8h da Globo, no quarto cenográfico da personagem
Beatriz Vasconcelos, vejo (dedo certamente do
Gilberto Braga) um belo Ivan Serpa da fase abstrata (talvez uma reprodução do "Jeanne d'Arc", mas para mim o melhor de todos desta fase é o da coleção do
Ivo Pitanguy, com os azuis). Todos eles, o do Pitanguy e o da Beatriz V., estavam no Paço, e isto me diz que a vida afinal imita a arte, ou que os grandes homens não morrem, ficam encantados, ou qualquer outra coisa que seja, mas, enfim, me volta ao Ivan e ao que teria sido a Arte Brasileira se ele não tivesse ido embora naquela tarde quente de abril de 1973.