É a hora em que são cometido os assassinatos, as invasões, os estupros, os incestos.
No meu prédio tem um vigia, que deve estar dormindo. É a hora em que até os vigias mais sérios dormem, em que nas boates só ficam os solteiros, os que procuram e ficam até o final exatamente porque procuram.
É a hora em que os sites de relacionamento na internet estão cheios de pessoas nuas, que se masturbam para o mundo, ou para o verdadeiro amor que nunca terão, que está sempre além, sempre. É a hora em que as crianças choram dormindo ou acordam com pesadelos.
(uma noite eu acordei chorando, gritando, mais ou menos nesta hora, eu gritava e apontava para o teto da casa, eu via uma bruxa gargalhando entre as vigas, entre os caibros de madeira, no dia seguinte subiram e viram que as madeiras estavam carcomidas por milhares de cupins e que a casa ia ruir, depois reformaram a casa mas eu continuo até hoje vendo aquela bruxa, ela está comigo em todas as minhas madrugadas)
É a hora em que os suicidas despencam de um andar alto segurando apertado na mão uma imagem de um santo. É a hora em que os santos entram em êxtase. É a hora em que o êxtase é fácil e vem como um preparativo para o sono ou para a morte.

Nos sites, webcams ligadas, todos procuram. Nos bares, chopps ligados, todos procuram. Nos becos escuros, na areia da praia, nas esquinas, todos procuram, sempre. Os suicidas também, os carentes, os destituídos de tudo, os que viram a novela e os que leram um livro, os que foram ao supermercado que abre 24 horas, os que foram à praia e os que ficaram em casa.
(um dia, ele virá, como no apocalipse, brilhante mas ao mesmo tempo negro como a minha bruxa, e ordenará, cessem todos os chopps, cessem os sites de relacionamento, as webcams, cesse toda a espera, eu vim e estou aqui e sempre estarei pois sou o êxtase total, o princípio e o fim)
Mas ninguém vai ouvir o que ele diz.