sexta-feira, 10 de abril de 2009

Helio Oiticica e Pedro Varela (penetráveis e paisagens fantásticas)


No Rio para os feriados de Páscoa, uma ida à Praça Tiradentes para comprar ingressos para Cruel, espetáculo de dança da Deborah Colker, e enfim ver duas exposições no entorno: Pedro Varela na Gentil Carioca e os penetráveis do Hélio Oiticica, no Centro HO.
Pedro Varela ocupa o espaço da galeria com uma colagem super-colorida em adesivos vinílicos; os campos de cor deslizam pelas paredes e piso da galeria, com pedaços de paisagens de uma arquitetura fantástica, a temática do artista; em alguns pontos o fluxo de paisagens e cores sai das paredes e "entra" em molduras que delimitam trechos das colagens, já quadros sobre papel.

Em um trecho da galeria com o piso mais baixo (a "piscina da Gentil"), o fluxo de paisagens se condensa em um ensolarado lago de um azul calmo e profundo; assim como em uma janela fechada com cores, no fundo da galeria, as cores se adensam como se a paisagem tivesse penetrado na galeria por aquela janela mágica; e de um prisma de ventilação as cores caem como gotas pesadas de uma tempestade multicor.

O observador, de um ponto acima e ao lado da piscina, vê os fluxos de paisagens fantásticas e percebe que eles podem estar saindo pelas janelas e se misturando com a paisagem do Rio antigo que se vê, milagrosamente preservada. O observador percebe ainda que a paisagem do Pedro Varela, mesmo com a vivência mexicana atual do artista, é uma paisagem carioca, até as torres bizantinas de uma construção se "abrasileirizam", se tornam caricoas, no trabalho do artista; as cores são as do Brasil, os dourados são os do barroco, e o Rio antigo penetra na galeria e o trabalho do Pedro nos leva a flutuar pelos sobrados das ruas Gonçalves Ledo e Luiz de Camões como com um tapete mágico...

No Centro HO, a remontagem de diversos penetráveis do artista Helio Oiticica, outro tapete mágico sobrevoando um Rio que é contemporâneo e que mora nos morros, no samba, e que hoje irrompe em uma violência de guerras de traficantes que é parente direta dos bandidos mortos, do Cara de Cavalo das décadas passadas no Rio, quando HO viveu e concebeu sua obra, e se podia dizer: "o morro não tem vez e o que ele fez já foi demais, mas olhem bem vocês, quando derem vez ao morro toda a cidade vai cantar..."
São seis penetráveis: "PN1" (1960), "Tropicália" (1967), "Éden" (1969), "Rodhislandia: Contact" (1971), "PN 27 Rijanviera" (1979) e a até então inédita "Macaléia". Os penetráveis, assim como os parangolés, os metaesquemas e toda a obra do Helio Oiticica, tem uma importância que é reconhecida pela crítica internacional; assim é muito importante que o Centro HO volte a abrigar exposições com recortes da obra do artista (melhor ainda se acompanhadas de grandes exposições como a do Richard Serra, do Sean Scully e outras, feitas na gestão do Charles Watson como diretor do Centro).
É bom rever (Tropicalia e Rijanviera) ou ver pela primeira vez, e mais que ver, vivenciar, "penetrar", tirar os sapatos e pisar na areia, na água, andar pelos labirintos, num passeio mais dos sentidos que do racional. E acho que mais que isto, contextualizar: pensar que tudo isto, que hoje talvez nem cause mais espanto por estar em um espaço de arte, em um museu; tudo isto foi feito, foi proposto a partir de 1960, quando o museu ainda era o espaço sagrado do abstracionismo rigidamente delimitado pelo Clement Greenberg; mas quando a vida já pulsava e se reconstruía (com os hippies, a contracultura) e ainda tentava invadir as paredes do museu e romper a separação entre vida e arte; nesta invasão do circuito cultural na qual a obra do HO (e de outros brasileiros como as Lygias, Clark e Pape, Cildo, Barrio...) tiveram papel tão importante, artilharia de uma conquista da qual as gerações atuais se beneficiam: ver hoje, por exemplo, Osgemeos (street art) em um CCBB seria impensável se não tivesse havido um HO em 1960.
Lembro (inesquecível) meu primeiro penetrável: a exposição Information, no MoMA, 1970 (minha segunda viagem a NYC, ainda adolescente, acompanhando meu pai em viagens de negócios), está aqui comigo até hoje o catálogo que não me deixa mentir. Leitos empilhados fechados por cortinas de cânhamo, penumbra, cheiros, espaços para descansar, dormir, curtir.. para mim um choque ver no MoMA o trabalho estranho e diferente de um brasileiro ao lado dos filmes do Andy Warhol (sim, também meus primeiros Empire State, Sleeper, Blow-job...), do Kosuth, Sol LeWitt, Yoko Ono... bom, mas Information pode ser um assunto para outro post. E também lembrar da abertura do Rijanviera, no Hotel Meridien, com o próprio HO, em pessoa, exuberante, recebendo tout Rio - artistas, socialites, sambistas, sobrenomes endinheirados, estudantes, figuras do Baixo Leblon, Gilberto Gil, Caetano Veloso e o menino do Rio, Petit - que tiravam o sapato para caminhar pela instalação (acho que foi a primeira vez que houve um engarrafamento de pessoas dentro de um penetrável...) Meses depois o HO estava morto, precocemente, pouco mais de 40 e poucos anos, o que ele não teria feito mais se tivesse podido chegar, este ano, em 26 de julho, aos 72 anos?
Por isso tudo (e por ter conseguido comprar um bom lugar no espetáculo da Deborah Colker, já esgotado), a minha ida à praça Tiradentes e cercanias foi muito boa, muito gratificante, trouxe minhas memórias para o passeio no tapete mágico e pude ver que está tudo vivo, está tudo aqui...

(as imagens da exposição do Pedro Varela são do Paulo Inocêncio, fotografo da Gentil Carioca)

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