quinta-feira, 30 de abril de 2009

O Prazer da Leitura (Louis Begley)

Terminando de ler Questões de Honra, do escritor Louis Begley, outro escritor que me faz sentir o tal "prazer da leitura" sobre o qual falei aqui no meu blog em relação ao Monteiro Lobato de minha infância e ao Bernardo Carvalho dos anos 1990.
É o oitavo romance do escritor, que, judeu nascido na Polônia, sobreviveu à Guerra, radicando-se com a família nos Estados Unidos, onde, após cursar Harvard, tornou-se brilhante advogado, um membro da elite americana; e que iniciou sua carreira literária ao se aposentar aos 57 anos, com um livro fantástico, Infância de Mentira, que narra a estratégia de sobrevivência de sua família ao se esconder dos nazistas na Polônia ocupada.
O novo livro também tem fundo autobiográfico, o autor se divide entre dois dos personagens principais, Sam (o narrador) e Henry; a ação se inicia no primeiro dia de Universidade (Harvard, claro) e prossegue na medida em que Sam, Henry e Archie, companheiros de alojamento na Universidade de elite, e Margot, da Universidade-irmã Radcliff, vão se conhecendo, amadurecendo e também seguindo caminhos diferentes. Sam transforma-se em um escritor conceituado e Henry, judeu polonês que emigrou com a família após a guerra, em um competente advogado internacional.
O livro é interessante e li as quase 500 páginas de um só fôlego. Mas ao meu ver não é certamente o melhor livro do autor.
Louis Begley é excelente ao mostrar o mundo dos bem-nascidos, dos ricos, da elite financeira e intelectual internacional; como um Proust globalizado, como uma Edith Wharton no terceiro milênio. Quanto a este aspecto, Questões de Honra nada deixa a desejar: todos são ricos, os não tão bem nascidos conseguem ascender; é um mundo de martinis e bordeaux, em NYC e em Paris. Mas minha opinião é que os melhores livros do autor são os que acrescentam a este mundo borbulhante um lado negro, decadente, mortal. É o caso do que eu acho talvez o melhor, O Homem que se atrasava, que seria apenas a descrição, facilmente esquecível, das viagens de um rico advogado e de como ele se atrasava ao tomar as suas decisões; mas ao mostrar as consequencias do seu "atraso" em assumir a mulher que era o amor de sua vida, a narrativa ganha outro peso, torna-se inesquecível. Da mesma forma a doença e a proximidade da morte em O Olhar de Max e Despedida em Veneza (neste último, ainda, a presença da Veneza decadente e afundando bem como, claro, a referência ao Thomas Mann e sua obra-prima), o terror em Naufrágio; e mesmo no primeiro Schmidt (Sobre Schmidt), com o contraponto entre a aposentadoria (degraus rumo à morte) e a vida pulsante, erótica; aspectos que se perdem na continuação, Schmidt Libertado, que, sem este "lado negro", se torna uma historinha piegas.
(Falando em Schmidt, o livro foi vítima do que talvez seja uma das piores adaptações de um bom romance para as telas, o About Schmidt. Imagino que tenha rendido um bom dinheiro, mas o que se fez foi transformar o Schmidt original, um rico advogado com uma polpuda aposentadoria, morando nos Hamptons, em um operário classe média com uma aposentadoria medíocre e viajando em um trailler, ainda mais interpretado por um Jack Nicholson imitando seus próprios trejeitos e caretas do As Good As It Gets, além de fazer crescer um personagem secundário para mostrar uma ridícula Kathy Bates exibindo pateticamente os seios mal cuidados de hippie velha... O roteiro e a direção são do Alexander Payne , que além desta bomba fez outro filmezinho chato e supervalorizado, o Sideways. Os atores J.N. & K.B. foram indicados ao Oscar. Enfim. )
De certa maneira, Questões de Honra retoma os temas "autobiográficos" já tratados nos demais livros do L.B., e traz temas novos (talvez nem todos autobiográficos): a amizade, que pode ser maior que os laços familiares; as manobras para sobrevivência de uma família judia na Guerra; a busca das origens; o "atraso" em assumir o amor de sua vida; o risco nas manobras das altas finanças internacionais; a depressão, o alcoolismo, o suicídio; o abandonar uma vida estruturada; só que neste livros o lado negro é meio desfocado, estas questões são "narradas" de uma forma meio episódica. Ao final o leitor tem a impressão de haver acompanhado a narração de algumas vidas, interessantes sim, uma marcha do Brooklin a Avignon passando por NYC e Paris, mas não de haver um verdadeiro mergulho nas pulsões e contradições humanas, algo além dos episódios e do racional, como o autor mostrou em alguns dos outros livros com o "lado negro". Continuo esperando o próximo livro do Louis Begley.

domingo, 26 de abril de 2009

SP, on-line, 2

Domingo de sol gostoso e temperatura amena em São Paulo, continuo minhas visitas às exposições:
1- No "anexo" da exposição Rumos no Itaú Cultural, um sobrado simples perto abriga duas instalações "site specific", dos artistas Kilian Glasner e Tiago Carvalho ("Galeria Boliche"), interessantes.
2- Na FIESP, "1961: A Arte Argentina na Encruzilhada: Informalismo e Nova Figuração". No geral, conhecemos muito mais da arte européia ou americana do que da arte de nosso vizinhos latino-americanos, assim esta exposição é uma ótima ocasião para suprir um pouco desta lacuna. O interessante é que a exposição foca na produção de arte de apenas 1 ano, 1961, no qual a arte argentina teria passado por esta inflexão da arte abstrata à nova figuração. Um destaque para mim é a pintura do artista Luis Felipe Noé, que eu não conhecia, e que me deixou fascinado: uma pintura espessa, no limiar entre abstração e figura, cores escuras e vermelhos fortíssimos, e uma prova de se pode fazer uma pintura abstrata política ou engajada, sem ter que cair na figuração kitsch.
3- No Instituto Tomie Ohtake, boas exposições. "O Corpo Denso das Imagens", uma pequena retrospectiva do escultor e pintor Sérgio Romagnolo, com esculturas que são a marca registrada do artista (série Os Profetas, os Fuscas Vermelhos...) e pinturas desde o início da carreira nos anos 1980 até recentes, enormes pinturas de stills desfocados da série de TV A Feiticeira; o catálogo é resumido, mas à venda há um lindo múltiplo, réplica em miniatura dos dois fuscas vermelhos. Roberto Magalhães, A Outra Margem, exposição que se concentra na produção desenhos e pinturas) mais recente do artista; eu vi parte destes trabalhos, acompanhados de obras de outras fases, na Caixa Cultural de Brasília; ao meu ver, no confronto com as obras antigas, estas pinturas mais novas (onde o artista deixa o "hiperrealismo" no tratamento da pintura por um tratamento mais chapado, gráfico) perdem um pouco; porém ao vê-las em um conjunto homogêneo adquirem outra vida. Bob Nugent, Amazônia, uma pintura que se estende por várias salas; um bom catálogo também; o artista é excelente colorista, domina com maestria as diferentes técnicas que utiliza e os efeitos que consegue, com base nas suas muitas viagens ao Brasil e especialmente à Amazônia, são belíssimos, embora (eu acho) um tanto frios, distanciados (como um olhar apolíneo sobre uma Amazônia que é mais dionisíaca). Gravuras recentes de Tomie Ohtake, muito bonitas, e o mais importante ao meu ver é o dinamismo e a vida da artista, ainda produzindo, e muito, e bem, em sua idade.

sábado, 25 de abril de 2009

SP, on-line, 1

Direto de São Paulo, em uma lan-house do shopping da Frei Caneca, postando tópicos sobre as exposições que vi hoje, depois complemento com imagens e mais comentários. Um sábado de sol, gostoso, muita gente nas ruas, agora esfriando e eu ainda de bermuda (e suéter), nada que um jantar com um viño tinto não resolva.
1- No Itau Cultural, Rumos Artes Visuais. O curador é o Paulo Sérgio Duarte e o tema é Linhas do Desejo. Boa exposição, um bom apanhado de artistas jovens no Brasil inteiro, faço meu corte e destaco: Álvaro Seixas (com 3 pinturas de paisagens que vi na Amarelonegro e que já comentei aqui, gosto muito); Diego Belda (paulista, são 2 esculturas de parede, "mesas de sinuca" descontruídas, em fórmica e coloridíssimas); Fabrício Lopez (uma xilo enorme, colorida, presa na parede como cartazes ou intervenções urbanas, falo dele mais ao comentar a individual na Estação Pinacoteca); Felipe Cohen (esculturas com granito, feltro e caixas de papelão); Felipe Scandelari (pinturas!!!!); Flávio Araújo (pequenas pinturas sobre pvc, a partir de fotos de jornais de violência); Ilma Guideroli (a artista mistura plantas baixas de casas com mapas de localidades diferentes, criando seus espaços indeterminados); Julia Amaral (são jóias feitas a partir de bichos - uma lacraia de prata, aranhas, sapos... um pássaro morto se decompondo, em bronze...); Laerte Ramos (uma bataçha naval em escala humana, a ser jogada "de verdade" por oponentes em baias separados por um vidro, as peças são feitas de cerâmica); Nino Cals ("colunas" sustentam o teto, feitas de madeiras finas como cabos de vassoura e tendo ao alto objetos de plástico bem colorido: bacias, baldes...); Tiago Romagnani (video e instalação, mostra plantas em vasos que, retiradas da posição com a queda do vaso em 90º, voltam a procurar a posição para cima, uma metáfora para a vida, para o homem); Yana Tamayo (fotografias de objetos domésticos de plástico bem colorido que ficam monumentais à frente do Museu da República, do Niemeyer, em Brasília).
2- Galeria Luís Strina: Carlos Garacoia com "Cómo Hacerse Millionario a Través del Junk Mail"; e Marlon de Azambuja, brasileiro radicado na Espanha, com pássaros em gaiolas que reproduzem o MASP, o New Museum de NYC e a Tate Modern, bem interessante; e maquetes.
3- Mônica Filgueiras Galeria de Arte: Escrita, mostra com trabalhos de Mira Schendel, León Ferrari, Raquel Kogan, Gilberto Guimarães Bastos e Ozi.
4- Pinacoteca: "Fernand Léger, relações e amizades brasileiras", uma boa exposição, oportunidade de conhecer mais sobre Léger e as afinidades com o Brasil; lado a lado, um Léger e uma Tarsila (aluna do artista), mostram que as afinidades e as influências foram muitas. Léger hoje talvez parece datado (e é mesmo, a ideologia do modernismo, da máquina como nova linguagem, do Carlitos de Tempos Modernos, está toda lá), mas influenciou uma geração e é parte importante da história da arte mundial e especialmente da brasileira ; Monumetria, do grupo Delenguaamano, disseca a trajetória de um monumento (a estátua de Ramos de Azevedo, construtor da Pinacoteca e de muitos outros prédios em SP); Last Minute, instalação de Jorge Macchi e Edgardo Rudnitzky, um gigantesco relógio onde os ponteiros giram captando sons do atrito com o mármore do chão do Octógono, espaço central da Pinacoteca; À Procura de um Olhar: Fotógrafos Franceses e Brasileiros Revelam o Brasil, uma boa exposição de fotografia.
5- Estação Pinacoteca: Daniel Senise, é a mesma exposição que já vi no MAM-Rio, uma bela exposição, com ênfase nos trabalhos mais recentes (gostaria de ver uma verdadeira retrospectiva do artista, com trabalhos dos anos 1980 e 1990); e Fabrício Lopez em Valongo, lindas xilogravuras, grandes, coloridas, gosto muito do trabalho do artista, que usa a xilogravura como meio para uma obra super-contemporânea, com estreito parentesco com street-art e pintura.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

John Waters, politicamente incorreto na Gagosian


A dica foi da artista Virgínia Paiva: na Gagosian Gallery de Beverly Hills, Rear Projection, exposição do John Waters (sim, o cineasta de tantos filmes da Divine - Pink Flamingos, Polyester, Hairspray...). O título da exposição faz referência ao truque utilizado antigamente no cinema, quando uma ação no primeiro plano era sobreposta a uma cena pré-filmada (é só lembrar dos filmes antigos onde os atores estavam dentro de um carro, conversando, e a paisagem passava pelas janelas sem que eles nem virassem o volante). Como um trocadilho meio "duchampniesco", Waters exibe fotos de cenas projetadas sobre fotos de bundas nuas, esta é a "rear projection"...
Outros trabalhos já são bem mais interessantes, e são o motivo de minha amiga, que certamente descobriu o evento lendo a revista Vanity Fair, me mandar a dica.


São montagens feitas a partir de fotos de artistas de Hollywood. Em uma delas, crianças atores e atrizes aparecem com um cigarro na boca, mini-Bette Davies, cena que para os dias de hoje em é chocante de tão politicamente incorreta (Virgínia me lembra da coincidência destas imagens com a de uma gravura dos anos 1980 da Monica Barki, que mostra em traços realistas um bebê de meses fumando com prazer um cigarro...). E a outra montagem mostra deusas e galãs de Hollywood, até mesmo uma aparição do Hitchcock, todos com lábios leporinos... Ao exercitar o grotesco e o policitamente incorreto, o cineasta mostra que continua na trilha da rebeldia dos filmes com a Divine (a cena mais famosa talvez a, sem cortes, quando Divine se abaixa em uma calçada e come os dejetos de seu poodle...), mesmo com os trabalhos desta exposição com preços entre US$3000 e US$12000...

domingo, 19 de abril de 2009

No Rio, feriados, sol e cultura

Nestes dias no Rio, um período pródigo em feriados, além do feriado nacional de Tiradentes, dia 21, o dia de São Jorge, 23/04, feriado apenas no Rio. Não vou poder aproveitar todos os feriados, mas consegui um final de semana com um bom sol e uma praia gostosa, e também uma programação cultural interessante:


1. Na Galeria Silvia Cintra, Contos, mostra de pinturas da Cristina Canale, pintora que surgiu na Geração 80 e hoje mora na Alemanha, com uma carreira bem consolidada. São imagens de cenas quotidianas, interiores, com cachorros; a narrativa é, na verdade, apenas pretexto para a excelente pintura. Penso em Bonnard, os cachorros tem o "at-ease" que os cachorros e as mulheres nos banheiros do pintor francês, envoltos pelo ambiente caseiro, com seus padrões e cores, cena capturada pelo pintor em um ângulo meio estranho, que ressalta a sua presença, o olho do pintor/observador, e coloca o espectador do quadro como um voyeur. Melhor ainda, consegui ir na abertura e pude rever amigos, vários artistas da Geração 80 lá estavam. O fotógrafo Odir Almeida estava lá, registrando para o seu site Só Arte Contemporânea , vai ser bom rever o movimento do vernissage nas fotos
2. Na Galeria Mercedes Viegas, a coletiva Trabalhos sobre papel. Uma marca das coletivas da galeria tem sido o alto nível de todos os participantes; só há, na exposição, trabalhos bons; e os contemporâneos, como Daniel Murgel e Marta Jourdan, estão lado a lado com Tarsila, Ismael Nery,Ivan Serpa, Antonio Dias, Tunga...

3. No Instituto Moreira Salles, se encerrando hoje, ainda consegui ver os desenhos e aquarelas do Samson Flexor; os desenhos e gravuras de Claudio Mubarac ("Idéias de fabricação: pequeno atlas") e as fotos de Otto Stupakoff. Três belas exposições. O IMS é um oásis de tranquilidade e beleza, um pedaço de Mata Atlântica cada vez mais sitiado pela Rocinha que se expande e que breve destruirá a Gávea e o Rio de Janeiro (espero não estar sendo apocalíptico). Um bom catálogo acompanha a exposição do Mubarac; eu gosto muito do trabalho do artista: um desenho preciso, uma utilização fantástica de várias técnicas de gravura, a temática de investigação do corpo, e o resultado são lindas gravuras com um pathos próprio, onde o contemporâneo e o arcaico se combinam e se completam.
4. No MAM, três exposições, além de mostra do acervo (meu Deus, não me canso de olhar os Iberê!).

A primeira é do contemporâneo BobN . Conheci o BobN no Parque Lage, ele era assistente do José Maria Dias da Cruz e eu aluno; depois fiz um curso, no mesmo Parque Lage, Arte Hoje, onde BobN e Márcio Botner se voltavam mais para a arte bem contemporânea, novas midias, os exercícios eram coisas como propor uma forma de veicular um trabalho usando a internet (daí surgiu este meu blog e meu outro, o Thesouro da Juventude). Pode parecer contraditório, este mesmo Bob que em um trabalho "invade" uma instalação do artista Ducha e se põe a "comer grama" ao lado de um equino; e que nas aulas do José Maria nos colocava para, incessantemente, combinar as cores à perfeição em obsessivos exercícios de misturar tintas, e que dava para os alunos as dicas práticas de pintura. Na verdade, ao montar um lounge no MAM, ou interferir em pinturas magistrais do acervo com molduras berrantes em impressão sobre plástico (nos livros de assinaturas na exposição pessoas reclamaram das intervenções como gratuitas), o Bob tem um embasamento teórico e prático que sustenta isso tudo. Pena que não pude estar na abertura, mas nas fotos do site do Odir pude ver que foi um evento...

"O lugar do ar", exposição da artista Carla Guagliardi. A artista é carioca, teve a formação artística na cidade, mas há quatro anos não expõe por aqui. A exposição é bem interessante, são esculturas ou instalações, nas quais o tempo é um dos agentes: vergalhões enferrujando dentro de recipientes de plástico com água; elásticos cedendo ao peso de placas de ferro; balões sustentando precariamente pesadas táboas, ou se sustentando a si mesmo na diferença de peso entre o ar e o gas hélio. O paradigma da escultura é o bronze, o mármore, o eterno; a artista rompe com este paradigma ao fazer como que uma escultura-povera, pela transitoriedade; mas que ao mesmo tempo tem a precisão, a imponência, da grande escultura. Boa exposição. E, ainda no MAM, a exposição que comemora os 50 anos do movimento Neoconcreto. Só o poder ler, na íntegra, os manifestos do Ferreira Gullar (Manifesto Neo-concreto e a Teoria do Não-objeto) já vale; e mais ainda ver os recortes de jornal da época, os catálogos, e os trabalhos dos artistas que estiveram neste momento seminal do neoconcretismo.

5- No Centro Cultural Candido Mendes de Ipanema, agora Galeria Maria de Lourdes Mendes Almeida, pinturas abstratas, interessantes, de Rogério Tunes. Lembro muito dela, D.Maria de Lourdes, a entevistar os artistas, entrevistas intermináveis, na verdade meio desconfortáveis para o artista, uma curadora quando as galeiras e a crítica eram ainda bem incipientes no Brasil, e que com isto, o personalismo, a condução do trabalho dos artistas, fez do CCCM nos anos 1970 e 80 um espaço de primeira linha, revelando artistas jovens e mostrando artistas fora do circuito como o fotógrafo Alair Gomes e outros.
6- Cruel, da Companhia Deborah Colker. O início é um pouco diferente do que se imagina da Deborah Colker (acrobacias, uma dança quase ginástica, dançarinos em aparelhos grandiosos, a marca de Vulcão, Velox, Rota); o início é soft, bailarinos vestidos com roupas sociais, bailarinas em vestidos vaporosos e sapatos altos, minha lembrança é um pouco do "Nine Sinatra Songs", da Twyla Tharp, que esteve no Municipal do Rio no início dos anos 1980, e que infuenciou meu amigo o pintor Chico Cunha em uma série de lindas pinturas. "Coisa de menina", eu penso, cadê a parede de alpinista, cadê a roda gigante, cadê os saltos mortais, cadê a crueldade? Mas aos poucos o clima vai mudando, o amor-romance dos primeiros momentos vai deixando entrar a crueldade das relações, o sexismo, as mulheres com o prato de comida entregue pelos homens como uma escravidão do dia-a-dia, e que acaba sendo jogado, quebrado; as roupas finas vão caindo e os bailarinos ficam mais corpo, pulsão, amor-ódio. Uma dançarina com uma roupa que é clássica, um espartilho, como uma puta de Proust, dança com facas, que brilham rubras; as facas são enterradas em uma mesa gigantesca, que é palco para cenas de sexo-ódio, amor-violência. Finalmente, as construções tão características da coreográfa, desta vez são paredes móveis, de espelhos, com escotilhas, onde os bailarinos parecem flutuar. O final é um sorriso de esperança, de uma bailarina sozinha, como se depois de tanto ódio, tanta crueldade, ainda houvesse uma esperança, um pouco um anti-climax. Um bom espetáculo, de uma coreógrafa que tem se renovado e que é uma referência na dança brasileira contemporânea.

sábado, 18 de abril de 2009

Lábios leporinos: outras pinturas da série




Outras três pinturas da série dos estudos de criança com lábios leporinos, as de número VIII, XI e XIV (as duas primeiras 30x40cm e a última 50x60cm). São talvez as pinturas da série onde a figuração mais se torna abstração; a XI faz uma referência às mulheres de Willem de Kooning.
Mostrei parte da série para meus amigos, a pintora Virgínia Paiva e Marcos O. (educador, fotógrafo, com vídeo sendo lançado agora em um coletivo do Atelier da Imagem) e o casal agora tem a tela número VI como companhia...

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Leite Derramado

Terminando de ler Leite Derramado, o novo livro do Chico Buarque. Gostei muito, ao meu ver é o melhor dos quatro romances do escritor e compositor (Estorvo, de 1991; Benjamin, 1995; Budapeste, 2003).
Os mesmos jogos de espelhos, de aparências, coisas que ao mesmo tempo são e não são, a memória, a sua persistência e fugacidade. Mas ao meu ver neste romance a escrita sai mais redonda; nos anteriores a precoupação com a forma, os jogos com a linguagem, embora corretos, como que diziam ao leitor a todo o momento: é um livro do Chico Buarque, sagaz, inteligente, cheio de significados, witty; a todo o momento se podia ver os olhos verdes do autor atrás da voz do narrador; como se os personagens fossem personas de um escritor que é como que um conhecido de todos nós pela exposição na midia por tanto tempo.
Já em Leite Derramado os personagens adquirem vida própria, e apesar de o leitor até poder "achar" pontos em comum entre autor e narrador (famílias quatrocentonas etc.), Eulálio d'Assumpção, ancião centenário, morrendo ou renascendo, com suas contradições, sua falta ou excesso de memória, seus preconceitos, sua ingenuidade e imaturidade que o persegue pela vida, com tudo isso, é um ser que cresce e toma vida a partir das páginas do livro. Matilde, a mulher que desapareceu sem uma foto, sem deixar um traço de sua presença, enigmática, misteriosa como uma Capitu, puta, santa, mártir, louca, suicida? também vive o seu mistério se torna um desafio para o leitor, como o é para o seu Eulálio.
Um bom livro.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Impasse no Centro HO (pobre Cultura carioca)

Ainda bem que consegui visitar, na semana passada, a exposição dos penetráveis do Helio Oiticica no Centro OH, comentei aqui no post sobre a importância de termos uma exposição como esta e minha esperança no renascimento do Centro HO como um local importante na cultura do Rio. Pois bem. Hoje leio no jornal O Globo que a exposição foi desmontada, antes do prazo previsto, pelos herdeiros, por conta do não cumprimento, pela Prefeitura, de condições financeiras acordadas. A notícia vai abaixo. Mesmo sem conhecer os datalhes, tenho pena da cultura no Rio com estes novos donatários (municipais e estaduais); o Parque Lage é um local que sempre sofre ameaças a cada troca de mando. Enquanto isso, São Paulo, por exemplo, só cresce culturalmente; e mesmo no Rio o circuito artistico que não depende diretamente do Estado se mantem e se expande.

Herdeiros de Hélio Oiticica querem tirar nome do artista do centro de arte por causa de briga com prefeitura
Publicada em 15/04/2009 às 18h46m no Plantão do O Globo on-line
por Suzana Velasco
RIO - Os herdeiros de Hélio Oiticica retiraram as obras do artista plástico do centro municipal que leva seu nome, próximo à Praça Tiradentes, e desmontaram nesta quarta-feira a exposição com os famosos penetráveis do artista, que ficaria em cartaz até junho. O motivo foi o não pagamento, pela prefeitura, da segunda parcela de R$ 267 mil aos herdeiros, que, no comando do Projeto Hélio Oiticica, produziram a mostra, e aguardavam o dinheiro desde janeiro. Na reserva técnica do Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, inaugurado em 1996 agora só se encontram as peças que foram desmontadas da exposição.
- Estamos nos desvinculando do centro de arte. E vamos tentar tirar o nome do espaço - afirma César Oiticica, irmão do artista e desde o início à frente do projeto.
Ana Durães, diretora do centro há dois meses, afirma que o atraso no pagamento se deve a uma auditoria que está sendo em toda a Secretaria municipal de Cultura. Segundo ela, César Oiticica foi informado pela secretária de Cultura, Jandira Feghali, de que o pagamento seria realizado em breve.
- O projeto ia receber o dinheiro em alguns dias, era só esperar um pouco. Não precisava fazer um estardalhaço. Mas o César achou que era uma luta, como se estivéssemos contra ele. Ele foi muito intransigente - diz Ana.

sábado, 11 de abril de 2009

Colecionadores, consumismos e compulsões


No Rio, vejo os jornais velhos que estão me esperando em uma pilha que não para de crescer, é um trabalho de um Sísifo pós-moderno; eu leio o jornal todos os dias pela internet, onde quer que eu esteja; mas mantenho no Rio a assinatura que me coloca, fisicamente, os jornais de minha cidade, como um prazer e uma obrigação (tenho medo que a pilha, precariamente colocada sobre uma velha cadeira do Philippe Starck, caia ou, pior, invada a sala e o apartamento todo).
Uma taça de vinho, uma torta de bacalhau e em uma Revista O Globo um tanto antiga, de 15 de março, duas matérias me chamam a atenção e servem de material para o blog.
A primeira, A Nova Arte, coloca para os milhões de leitores da grande midia a tendência que tenho acompanhado e explicitado no blog: novas alternativas ao circuito de arte, como o Projeto Acervo, a exposição recente da galeria Arte em Dobro, os Clubes de Colecionadores dos MAM (Rio e SP), que ampliam o circuito possibilitando aos interessados a aquisição de obras de arte (múltiplos e, no Projeto Acervo, obras únicas), a preços/condições mais em conta; este grupo de novos colecionadores fortalece o circuito; e amplia o circuito além do grupo dos grandes colecionadores e colecionadores institucionais; algo que já existe nos mercados mais consolidados, USA e Europa, e que no Brasil se iniciou na fase do chamado "fastígio da gravura" nos anos 1960, com ressurgências nas serigrafias e litografias dos anos 1970 e a sempre tentativa de fazer o mesmo com a fotografia em tiragem assinada.
A diferença, acho eu, da tendência moderna para as experiências anteriores, é que antes se partia para "vamos multiplicar a oferta" (centenas de litos do Volpi com a aura da assinatura do artista "equivaleriam" nesta equação a uma única tela do mestre?); e agora se parte para "vamos multiplicar a demanda", ou seja, criar novos mercados, para múltiplos, obras únicas, fotografias, videos, o que seja, importante é abrir novas frentes, trazer novos consumidores de arte para o mercado, para o circuito. Ao meu ver esta nova estratégia é mais eficaz que a anterior, e a matéria da revista mostra: o publicitário que foi o primeiro colecionador do Projeto Acervo e que em 6 anos comprou 70 obras de arte (parabéns pelos Felipe Barbosa, são demais!).
A outra matéria, páginas adiante, e chamada na capa, é sobre o consumismo: "em plena crise financeira, histórias de cariocas que lutam para deixar de comprar compulsivamente". São histórias de consumistas compulsivos, alguns famosos (Preta Gil com foto ninando sua maravilhosa bolsa Louis Vuitton com design do street artist Stephen Sprouse , adoro; a escritora Maria Carmem Barbosa e seu vestido vintage do Georges Henri...) outros anonimos (a professora de dança que é viciada em produtos de papelaria...).
Em meio ao texto descrevendo uma "patricinha", Alexia Schultz Wenk, moradora do Jardim Pernambuco, lugar exclusivo de casas de ricos no Leblon, compradora compulsiva de grifes como Prada e Balenciaga a preços "em conta" em brechós, pontas de estoque e liquidações em NYC (adoro!), descobre-se o link entre as matérias: Alexia "confessa a sua nova mania: comprar obras de arte. A mais recente paixão é um 'Lula na caixa', de Raul Mourão". O ciclo se fecha.
Outra taça de vinho, branco, harmonizando com o lindo sábado de sol e não com o bacalhau, e penso. Haverá algo em comum entre isso tudo, entre o colecionador de obras de arte, a consumista de sapatos, de objetos de papelarias ou de caríssimas bolsas de grife?
A palavra chave é (read my lips) o.b.s.e.s.s.ã.o. Ela motiva os colecionadores, as crianças que não dormem até fechar o album com aquela figurinha dificil, os adultos que compram sem parar perfumes, sapatos, bolsas, ações, imóveis... e também os adultos colecionadores de obras de arte...
Eu poderia estar roubando e estou aqui neste ônibus vendendo balas Halls... Eu poderia estar comprando Ferraris e estou aqui comprando Frans Hals...
Bom, nada contra, de verdade, eu também um obsessivo. Falei no blog sobre minha relação com a compra de uma obra de arte, a partir de um diálogo com o pintor Álvaro Seixas ("por que você comprou minha pintura?"). E é importante que se agreguem novos "obsessivos" ao circuito, que (como eu) não se contentam com ter só um trabalho do artista, queiram ter um de cada fase, depois queiram ter um de cada fase e vários das melhores fases etc etc etc... Além disso tudo, um toque básico: os sapatos e bolsas velhas podem ser revendidos etc. mas dificilmente terão valor agregado; enquanto que, no longo prazo, para quem escolhe bem, as obras de arte terão valorização constante e em alguns casos (raros, é claro) exponencial.
No lançamento do catálogo da exposição do Rubem Grilo, na Caixa Cultural, encontrei os colecionadores George e Monica Kormis, meus contemporâneos do curso de Economia na PUC no início dos anos 1970, e hoje importantes colecionadores de arte, com uma coleção voltada para a gravura brasileira que tem sido objeto de várias matérias e exposições, a melhor a da própria Caixa Cultural, em 2008.
Na conversa, George me relembrou uma situação que eu mais ou menos havia esquecido: no início dos anos 1980 Franco Terranova teve que fechar a Petit Galerie no espaço da Rua Barão da Torre (um espaço maravilhoso de exposições e também, nos andares de cima, onde Rossella Terranova fazia as suas fantásticas aulas de alongamento com dança e que eu tive a felicidade de fazer e me sentir alongando e descobrindo pedaços adormecidos do meu corpo); e fez isso com um "Leilão de Parede" do seu acervo: os trabalhos ficavam expostos e os compradores davam seus lances escrevendo em papéis fixados na parede ao lado de cada trabalho; uma experiência engraçada pois subvertia o paradigma dos lances sequenciais dos leilões tradicionais, ao invés dos lances se sucederem no tempo, se sucediam no espaço, até o momento do fechamento, previamente definido, do leilão.
O acervo do leilão era o máximo, imagine um galerista que esteve com sua Petit Galerie ao lado de todo o movimento de artes nos anos 1960, 70, 80; que trouxe muitos artistas de fora, e que abriu espaço para muitos artistas brasileiros que se firmaram internacionalmente. Tudo lá, os internacionais e brasileiros consolidados a preços altos, mas também boas opções a preços adequados para jovens colecionadores...
Enfim, uma hora destas estamos eu e George Kormis disputando algumas peças, conversamos, combinamos não competir entre nós, dividimos os interesses, fizemos nossos lances, e o leilão se fecha.
Hoje, 20 ou mais anos depois, ao conversarmos, George lembra com detalhes a peça que ele "perdeu" para mim (um lindo Antonio Manuel, um trabalho da série dos flans de jornal com intereferências de desenho, pintura e colagem, cinco cenas de estudantes apanhando da polícia). Mas a que ele levou, á época, deve ter parecido a ele a mais acertada, uma linda pintura sobre papel, grande, do José Roberto Aguilar; que provavelmente ele não terá mais, já que ele e Monica optaram acertadamente por focar sua coleção.
Hoje, tanto tempo depois, George Kormis lembra do Antonio Manuel que não comprou, e me pergunta: se eu ainda tenho o trabalho; e se um dia eu quiser me desfazer dele, se eu consideraria dar prioridade a vendê-lo a ele.
Meio surpreso (gosto do trabalho, sim, mas nem me lembrava muito da situação em que o comprei), demoro um tempo até entender. George lembra com detalhes (mais que eu), descreve o trabalho que ele não vê há 20 e poucos anos, e que teria um lugar em sua coleção focada em gravuras brasileiras, por mostrar, no caso, a utilização da técnica de gravura associada a intereferências.
Pois, diz George, "as pessoas tendem a só pensar em gravura para a reprodução exata, a multiplicação de clones, todos iguais; na verdade se o artista usa a reprodutibilidade e interfere sobre ela (como se se colocasse, por exemplo, um brinco em um Goeldi), não deixa de ser uma gravura, e portanto está dentro do foco de nossa coleção."
Registro o interesse do colecionador sobre a obra que está comigo; e penso, em casa, sobre o assunto.
Sobre a memória do colecionador, que faz com que o George, mais de 20 anos depois, lembre até com mais detalhes que eu, que vejo em meu dia a dia, uma peça que ele "perdeu" e que poderia estar na coleção dele; uma visão atual, pois à época ele certamente não imaginava ainda para onde iria sua coleção, e como aquela obra se encaixaria melhor na sua coleção 20 anos depois do que a obra que ele escolheu.
A memória, o desejo, de isso somos feitos, os colecionadores, as crianças que conquistam suas figurinhas "no bafo", os adultos que perseguem sem cansaço um ideal de coleção completa. As coleções que crescem, tomam vida própria, conseguem uma coesão e uma coerência; ou as que fluem como mato, sem outra coerência que o prazer de colecionar. A ideal, o mito de completar uma coleção; como aquelas figurinhas difíceis dos álbuns de infância, que tinham seu valor multiplicado, o prazer de abrir um envelope e encontrar, entre as fáceis, uma tal figurinha difícil. E completar uma coleção que nunca se completa, pois colecionar é viver, é evitar a morte, e uma vida nunca está completa.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Helio Oiticica e Pedro Varela (penetráveis e paisagens fantásticas)


No Rio para os feriados de Páscoa, uma ida à Praça Tiradentes para comprar ingressos para Cruel, espetáculo de dança da Deborah Colker, e enfim ver duas exposições no entorno: Pedro Varela na Gentil Carioca e os penetráveis do Hélio Oiticica, no Centro HO.
Pedro Varela ocupa o espaço da galeria com uma colagem super-colorida em adesivos vinílicos; os campos de cor deslizam pelas paredes e piso da galeria, com pedaços de paisagens de uma arquitetura fantástica, a temática do artista; em alguns pontos o fluxo de paisagens e cores sai das paredes e "entra" em molduras que delimitam trechos das colagens, já quadros sobre papel.

Em um trecho da galeria com o piso mais baixo (a "piscina da Gentil"), o fluxo de paisagens se condensa em um ensolarado lago de um azul calmo e profundo; assim como em uma janela fechada com cores, no fundo da galeria, as cores se adensam como se a paisagem tivesse penetrado na galeria por aquela janela mágica; e de um prisma de ventilação as cores caem como gotas pesadas de uma tempestade multicor.

O observador, de um ponto acima e ao lado da piscina, vê os fluxos de paisagens fantásticas e percebe que eles podem estar saindo pelas janelas e se misturando com a paisagem do Rio antigo que se vê, milagrosamente preservada. O observador percebe ainda que a paisagem do Pedro Varela, mesmo com a vivência mexicana atual do artista, é uma paisagem carioca, até as torres bizantinas de uma construção se "abrasileirizam", se tornam caricoas, no trabalho do artista; as cores são as do Brasil, os dourados são os do barroco, e o Rio antigo penetra na galeria e o trabalho do Pedro nos leva a flutuar pelos sobrados das ruas Gonçalves Ledo e Luiz de Camões como com um tapete mágico...

No Centro HO, a remontagem de diversos penetráveis do artista Helio Oiticica, outro tapete mágico sobrevoando um Rio que é contemporâneo e que mora nos morros, no samba, e que hoje irrompe em uma violência de guerras de traficantes que é parente direta dos bandidos mortos, do Cara de Cavalo das décadas passadas no Rio, quando HO viveu e concebeu sua obra, e se podia dizer: "o morro não tem vez e o que ele fez já foi demais, mas olhem bem vocês, quando derem vez ao morro toda a cidade vai cantar..."
São seis penetráveis: "PN1" (1960), "Tropicália" (1967), "Éden" (1969), "Rodhislandia: Contact" (1971), "PN 27 Rijanviera" (1979) e a até então inédita "Macaléia". Os penetráveis, assim como os parangolés, os metaesquemas e toda a obra do Helio Oiticica, tem uma importância que é reconhecida pela crítica internacional; assim é muito importante que o Centro HO volte a abrigar exposições com recortes da obra do artista (melhor ainda se acompanhadas de grandes exposições como a do Richard Serra, do Sean Scully e outras, feitas na gestão do Charles Watson como diretor do Centro).
É bom rever (Tropicalia e Rijanviera) ou ver pela primeira vez, e mais que ver, vivenciar, "penetrar", tirar os sapatos e pisar na areia, na água, andar pelos labirintos, num passeio mais dos sentidos que do racional. E acho que mais que isto, contextualizar: pensar que tudo isto, que hoje talvez nem cause mais espanto por estar em um espaço de arte, em um museu; tudo isto foi feito, foi proposto a partir de 1960, quando o museu ainda era o espaço sagrado do abstracionismo rigidamente delimitado pelo Clement Greenberg; mas quando a vida já pulsava e se reconstruía (com os hippies, a contracultura) e ainda tentava invadir as paredes do museu e romper a separação entre vida e arte; nesta invasão do circuito cultural na qual a obra do HO (e de outros brasileiros como as Lygias, Clark e Pape, Cildo, Barrio...) tiveram papel tão importante, artilharia de uma conquista da qual as gerações atuais se beneficiam: ver hoje, por exemplo, Osgemeos (street art) em um CCBB seria impensável se não tivesse havido um HO em 1960.
Lembro (inesquecível) meu primeiro penetrável: a exposição Information, no MoMA, 1970 (minha segunda viagem a NYC, ainda adolescente, acompanhando meu pai em viagens de negócios), está aqui comigo até hoje o catálogo que não me deixa mentir. Leitos empilhados fechados por cortinas de cânhamo, penumbra, cheiros, espaços para descansar, dormir, curtir.. para mim um choque ver no MoMA o trabalho estranho e diferente de um brasileiro ao lado dos filmes do Andy Warhol (sim, também meus primeiros Empire State, Sleeper, Blow-job...), do Kosuth, Sol LeWitt, Yoko Ono... bom, mas Information pode ser um assunto para outro post. E também lembrar da abertura do Rijanviera, no Hotel Meridien, com o próprio HO, em pessoa, exuberante, recebendo tout Rio - artistas, socialites, sambistas, sobrenomes endinheirados, estudantes, figuras do Baixo Leblon, Gilberto Gil, Caetano Veloso e o menino do Rio, Petit - que tiravam o sapato para caminhar pela instalação (acho que foi a primeira vez que houve um engarrafamento de pessoas dentro de um penetrável...) Meses depois o HO estava morto, precocemente, pouco mais de 40 e poucos anos, o que ele não teria feito mais se tivesse podido chegar, este ano, em 26 de julho, aos 72 anos?
Por isso tudo (e por ter conseguido comprar um bom lugar no espetáculo da Deborah Colker, já esgotado), a minha ida à praça Tiradentes e cercanias foi muito boa, muito gratificante, trouxe minhas memórias para o passeio no tapete mágico e pude ver que está tudo vivo, está tudo aqui...

(as imagens da exposição do Pedro Varela são do Paulo Inocêncio, fotografo da Gentil Carioca)

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Uma aula do Ivan Serpa


Um dia, o Ivan trouxe um exercício para os alunos das aulas que ele dava nas noites de 2as.feiras, no Centro de Pesquisa de Arte, na Rua Paul Redfern, em Ipanema, no início dos anos 1970. A turma da tarde era a que nós (os então "alunos jovens") chamávamos de "a aula das Madames" (mas foi nesta turma que foi descoberto o tardio e grande talento de Grauben do Monte Lima, Maria Luísa Serra de Castro e outras). Já a aula da noite era uma festa: os jovens artistas e os aspirantes a artistas; as pessoas que apareciam para assistir uma aula e às vezes saiam chorando e não mais voltavam; alguns que apareciam esporadicamente mas já eram alunos de longa data do Ivan; algumas personalidades excentricas ou fronteiriças... E para os que ficavam após encerrada a aula, mais conversas, discussões; uma rodada de chá de jasmim feito pela querida Jenny, sobre a qual falarei em outro post; Bruno Tausz ia levar o Ivan em casa, em seu fusca; e em sua volta, mais chá, mais conversas sobre arte; os livros de arte, tesouros comprados na Livraria Leonardo da Vinci, passavam de mão em mão ou eram fotografados em slides e viravam "audio-visuais", nossa janela para o mundo das artes internacionais em uma época pré-internet; a noite era uma criança; eu era vizinho, em meu primeiro apartamento (alugado) no Jardim de Allah, assim não tinha hora para voltar para casa; Ipanema era uma vila e o Rio uma cidade sem problemas de segurança, onde se podia tomar chopp em pé em um boteco, ao lado de Leila Diniz.

Naquela aula, o exercício trazido pelo Ivan era: "vamos todos pintar em jornal". E devíamos recolher jornais, pintar sobre eles, recobrindo as palavras, ou deixando parte delas, aproveitando as imagens ou ocultando-as, páginas simples ou páginas duplas, temas livres, usando os temas dos jornais ou criando novos temas, novas relações, novas cores. Um exercício de composição, depois entendi, e parente direto dos "flans" do Antonio Manuel (que tantos trabalhos fez em conjunto com o Ivan). Na época, o objetivo do exercício passou meio despercebido da maioria, acho eu. (Emil Forman pintou sobre jornais à moda dele, interferindo sutilmente com cores pálidas de aquarela e lápis de cor nas reportagens e fotos de jornais populares); eu tentei umas coisas conceituais como o que eu fazia na época, aproveitando textos e imagens levemente politizadas (era o império dos anos de chumbo); outros foram para as apropriações expressionistas... enfim.
Mas durante uns meses todos nós "pintavamos em jornal" (o diálogo era comum entre nós: "o que você tem feito?" - "ah, tenho pintado muito em jornal"). Nas aulas, cada um de nós levava dezenas de jornais pintados, e mostrava para o Ivan e para o restante da turma, um a um, como se estivesse mostrando obras primas, e ouvia os comentários, às vezes ácidos, mas sempre pertinentes.

Um dos alunos (para nós, jovens à época, era "um senhor" - devia ter talvez menos que a minha idade hoje) se empolgou muito com os trabalhos dos jovens artistas; ele tinha uma loja no centro da cidade, no Saara, acho que alguma coisa de móveis e decorações, e a cada semana levava as dezenas de jornais pintados para expor e vender (a um preço bem acessível) em sua loja. Eu realmente não me lembro se alguém comprou algum dos jornais pintados e assinados como obra por jovens artistas então desconhecidos; de repente alguém tem, sem saber, no quarto de despejo, uma "técnica mista", assinada, datada, que poderá alcançar um preço até razoável em um leilão.
Depois de alguns meses, quando a febre do "pintar em jornal" estava no auge, em outra aula da noite, Ivan falou: "agora chega de pintar em jornal..." e lançou outro exercício...
Para mim, até hoje, abril ("the crudest month" para T.S.Eliot)
tem duas datas que fazem lembrar Ivan: hoje, dia 6 de abril, ele, nascido em 1923, faria 86 anos; e no dia 19 de abril estaremos a 36 longos anos daquele quente abril de 1973 quando ele se foi, vítima da fragilidade física do seu coração tão generoso, deixando todos nós meio órfãos.

domingo, 5 de abril de 2009

Uma nova série (lábios leporinos)





Há bom tempo tenho tido desejo forte de trabalhar em retratos, tenho um caderno de desenho com capa em couro vermelho onde faço meus esboços de retratos, a maioria com base em fotos de jornal, é meu Caderno de Retratos #1. Esta vontade foi catalisada estes dias a partir de uma pesquisa sobre lábios leporinos, com fotos (e vídeos do youtube) de crianças com a fenda palatal, antes da operação, normalmente ilustrando matérias sobre os cuidados maternos para com crianças naquela condição especial. Uma foto, particularmente, me prendeu a atenção: um bebê, olhos azuis arregalados, macacão branco com flores rosas; para o fundo da foto se providenciou um jornal com a manchete News Online... e em uma noite de atelier "produzi", de um jorro, 14 "estudos" a partir desta foto (5 desenhos, 6 telas pequenas 30x40cm e 3 telas médias 50x60cm). Aqui estão o desenho número II e as pinturas números VI, IX e XII (esta última 50x60cm). Tudo a ver com as caveiras, as vanitas; mas em outra dimensão. A pintura flui. Pintar, obsessivamente.

sábado, 4 de abril de 2009

Em Brasília


Fim de semana em Brasília. Uma bem-vinda chuva, para assentar a poeira vermelha e dar uma folga à minha agora onipresente rinite alérgica. Todos dizem que serão as últimas chuvas antes do período de secas, eu espero que não; e curto o friozinho e o visual do Paranoá enevoado que vejo de minha janela.
Procurando, se acha (cultura, arte da boa que é o que eu preciso, injetada na veia): no Espaço ECCO (um galpão em cimento queimado e estrutura metálica que poderia estar em Chelsea NYC, numa localização bem central, mas que poucos nativos conhecem), duas boas exposições:
1- Uma coletiva, focando as aquisições para o acervo do Espaço ECCO viabilizadas pelo Prêmio Funarte Marcantonio Vilaça. São 6 artistas de primeira linha: Nelson Felix, Gabriela Machado, Paulo Pasta, José Spaniol, Hilal Sami Hilal e Claudia Jaguaribe. E é muito bom ver, com vagar, assistir o vídeo do Nelson Felix (pena que os da Gabriela e do Spaniol não estavam sendo exibidos por problemas técnicos), conversar com os simpáticos e bem informados monitores que realmente dão explicações sobre as obras... Além das obras adquiridas (um bom acervo, portanto), há mais obras de cada artista, formando como 6 mini-individuais, bem distribuídas pelo espaço. As pinturas da Gabriela Machado são simplesmente maravilhosas, e a artista muda a escala sem medo de errar a mão: pequenos dípticos e grandes telas; as cores pulsam, se misturam, sugestões de flores, de cascas de frutas, tangerinas, de formas orgânicas, mas isso não importa, importa é o diálogo entre as massas de tinta e o fundo neutro, a explosão... Em outro extremo, as pinturas sobre papel do Paulo Pasta, são sutis, zen, mostram até onde pode chegar a transcendência do ser humano a partir do diálogo de um azul e um alaranjado. Outro zen, claro, não fosse um budista, o Nélson Felix; os cubos vazados de mármore de carrara (bom ver o vídeo, nele Nélson explica que o uso do carrara também é uma referência à história da arte, aos gregos, à grande tradição) pendurados em equilíbrio instável pelas ponteiras de bronze (outra referência à grande arte) com textos, gravados, da poeta Sophia de Mello Breyner Andresen; desenhos, a pedra em si captada com traços nervosos e aguadas; e a obra que estará agora no acervo do Espaço Ecco, as duas metades de um cubo de mármore rosso se abrem, deixam ver o azul ultramar profundo, e nas metades, unindo-as, separando-as, uma aliança de ouro...
Ainda: as fotos da Claudia Jaguaribe nos Lençóis maranhenses, modificando a escala de formações naturais e transformando-as em gigantescas ruínas; os móveis impossíveis do José Spaniol; e os livros impossíveis, a biblioteca de Babel, a leitura que não se lê mas se entende, entra pelos sentidos e domina a razão, do Hilal Sami Hilal.

2- Uma exposição individual do artista goiano Marcelo Solá, com desenhos-pinturas-monotipias sobre papel, em diversos tamanhos, de uns pequenos, quase esboços, a outros enormes, quase murais. Gosto do trabalho do artista, tenho visto em exposições como o Nova Arte Nova, e no Rio na Galeria Arte em Dobro; e ver uma individual bem montada, com os desenhos nas diversas dimensões, é muito bom. Impossível deixar de lembrar de Basquiat, em algumas obras, e do Leonilson, na utilização acertada de textos; mas como influências e não como escravidão. A vertente gráfica e a linguagem do grafitti do artista goiano é muito forte; mas em alguns trabalhos as camadas de tinta se acercam de uma pintura sobre papel, e o gráfico coexiste em harmonia com o painterly. A cor é concisa: pretos, brancos, traços vermelhos, verdes; e um dourado, em spray ou tinta, que dá leves traços de opulência barroca a um desenho tão urbano e tão contemporâneo.
Ainda, na Caixa Cultural, outro bom espaço em Brasília:
1- A Linha e o Sujeito, exposição contrapondo obras do acervo (uma linda tela de lencóis com vermelhos, da Maria Leontina; dois lindos Abelardo Zaluar, duas Fayga, um Krajcberg...) a trabalhos interativos do artista Chico Amaral, com curadoria de Graça Ramos.
2- Mulheres em Luta, com videos de artistas mulheres polonesas e brasileiras, destaque para o Menarca, que não me canso de rever, de minha mestra Katie van Scherpenberg; e Cheerleader, irônico video de 2006 da polonesa Katarzyna Kazyra. Ainda: Bagna Burska, Zuzanna Janin, Katia Maciel, Marta Daskur, Simone Michelin e Tina Velho.
3- A Máscara Teatral na arte dos Sartori, uma exposição bem interessante sobre máscaras teatrais, com instalações, desenhos e máscaras da família Sartori, importante família italiana cuja pesquisa sobre máscaras extrapola o cenográfico.
4- Fauna e Flora Brasileira, aquarelas de Álvaro Nunes. Rever meu post sobre Margaret Mee; tenho que reconhecer que a inglesa consegue em suas aquarelas uma leveza que a maioria dos aquerelistas de natureza não consegue. Destaque para os selos feitos a partir de aquarelas do Álvaro Ramos, que tem um lúdico que não desaparece, na verdade aumenta, nesta era de e-mail e de msn; e que me remete à Arte Postal (Mail Art) e à minha época de colecionador de selos, e também à obsessão, que é um dos temas recorrentes deste blog...

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Novos estudos (Philippe de Champaigne)




Agora em Brasília, nos estudos sobre a vanitas , volto ao tamanho de 50x60cm, e termino estas 3 telas, iniciadas antes de minha última ida ao Rio, são as de número XXVIII, XXIX e XXX. Mais telas me esperam, muitas ideias. A cada nova tela, ao repetir a mesma estrutura da tela do Philippe de Champaigne não me sinto repetindo, não me sinto preso, pelo contrário; me sinto como o agricultor que traça no solo uma estrutura ancestral para sobre ela ver brotar o inesperado de novas vidas.